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15 Feb

A luta entre os tradicionalistas e modernistas no antigo Reino do Kongo

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #História do Reino do Kongo

 

Por Patrício Batsikama

 

Em 1506, morre o primeiro rei cristão João I, Ñzîng’a Nkûwu, sendo sucedido por seu filho, Dom Afonso, Mvêmb’a Ñzînga, cuja sucessão foi reprovada pelos constitucionalistas kôngo mas, graças à força aliada dos portugueses, ele alcançou o trono. É na sua época que a Igreja será instalada na sua capital, doravante dividida em duas cidades: (i) cidade-aldeia, com os tradicionalistas em Madîmba; (ii) cidade europeizada, com os modernistas em Mbâzi’a Kôngo. Dom Afonso morre em 1543. Nkâng’a Mvêmba, Dom Pedro I – tido como filho de Afonso I – irá sucedê-lo em 1543, mas também será contestado, como tinha sido o pai. Vencido pelos seus rivais, em 1545, ele irá se refugiar na igreja São Salvador , escapando da morte (Cuvelier & Jadin, 1953:19).


Em 1545-1547, reina uma guerra civil que assola a capital e Dom Diogo I (o novo rei) estabelece um tempo de tranquilidade, que irá durar até 1561. Na verdade, era um “tradicionalista” que, por razões políticas e econômicas, aceitava cinicamente o cristianismo. Ele personalizava a ambiguidade entre os “tradicionalistas”, que nessa época serão tidos como os verdadeiros cidadãos, e os “modernistas”, que eram assimilados aos “amigos dos estrangeiros”. Ambicionava uma diplomacia direta com o Vaticano, sem ter Portugal como intermediário, no que não teve êxito e, descontente com isto, expulsa todos os europeus, salvo alguns padres (no final de 1555 e início de 1556). Em novembro de 1561, Dom Diogo I morre de forma trágica, e subirá ao trono Afonso II, um modernista que será mais tarde morto pela insurreição dos tradicionalistas contra os “estrangeiros” e aliados Kôngo.


A necessidade do consenso levou Bernardo I Ñzîng’a Mvêmba ao trono, que morre em 1567. Seu sucessor, Henrique I, reinará alguns meses apenas, morrendo em 1568. Álvaro I Lukeni lwa Mvêmba, que lhe sucede, reinará durante quase vinte anos, dispondo de uma diplomacia forte como plataforma de estabilidade. É durante o seu tempo que os guerreiros Yaka, os famosos Jagas, irão invadir Mbânza Kôngo (Vansina, 1966:421-429). Nesse período da invasão jaga, várias igrejas foram arruinadas, tal como se pode ler em Pigafetta. A de São Salvador será reconstruída e elevada ao estatuto de catedral, em 1596, e vários padres serão enviados para essa cidade. O rei Álvaro I enviará Dom António Manuel, como seu embaixador junto do Papa, onde – depois da sua captura pelos piratas portugueses e espanhóis – chegará doente a Roma, morrendo no dia seguinte.


Da morte de Álvaro I, sucede Álvaro II, mas, entre 1613 e 1641, os monarcas kôngo são “fabricados” pelos modernistas ou tradicionalistas: uns são demasiado jovens (Dom Garcia I, 1624-1626) para a situação do reino; outros são de fato crianças (Dom Álvaro IV, 1631-1636). Nessa época, há presença de holandeses, franceses e outros europeus, que se interessam pelo comércio com Kôngo. Os holandeses chegarão a guerrear com os portugueses, na tentativa de expulsá-los do Kôngo (e Angola), logo no fim desse período.


Dom António I, Vit’a Nkânga, será coroado rei em 1661, depois de muitos monarcas assassinados. Por sinal, ele é um tradicionalista, cuja candidatura os padres europeus não aconselhavam, chegando alguns a orquestrar contra a mesma. Tudo isso porque ele intencionava expulsar do seu reino todos os europeus, tal como o fez Dom Diogo I (ver acima). Dom António I convoca todos Kôngo do país a lutar contra a opressão portuguesa. Todo Kôngo foi sensibilizado porque pensava assim terminar com a colonização portuguesa. A luta entre os modernistas e os tradicionalistas, favorece vitoriosamente os primeiros, na grande batalha de Ambwîla. Mas são as consequências que nos interessam: (i) os tradicionalistas, que saem da sua “cidade-aldeia”, irão pilhar a “cidade europeizada”, destruindo igrejas. Umas desapareceram, sobrevivendo a Catedral de São Salvador, que tinha os “seus murros ainda de pé” (Cuvelier, 1953ª:57-62); (ii) a cidade europeizada “transformou-se numa floresta… não habitada… e abandonada aos animais selvagens” (Balandier, 2009:67). Nem tradicionalistas nem modernistas pretendiam lá viver jamais; (iii) o país contará, doravante, com três capitais: (a) de Mbânza Kôngo, que ainda permanecia no imaginário de todos; (b) abriu-se uma capital, Kibângu; (c) uma terceira capital estava instalada em Kôngo dya Lêmba. O Papa chegou a reconhecer a capital de Kôngo dya Lêmba. Com as duas outras capitais, Mbânza-Kôngo ficou sem povoação. O “corpo religioso” e “corpo diplomático” sairão, então, de São Salvador, para a capital reconhecida por bula papal.


No princípio do século XVIII, surge um movimento “antonista” liderado por Chimpa Vita. Dos seus objetivos, conseguimos sintetizar os seguintes: (i) criar plataforma de negociação entre os tradicionalistas e os modernistas ; (ii) mobilizar as populações a reconhecer Mbânza Kôngo como capital e destituir os dois reis; (iii) preparar novas eleições. Infelizmente, em 1706, a líder deste movimento é capturada pelos padres e queimada viva. (Batsîkama, [1969] 1999:31) Os poucos habitantes que já ocupavam Mbânza Kôngo irão fugir e se distanciar da “cidade europeizada”.


Sua povoação passou a ser efetiva alguns anos antes (entre 1842-1884) e depois da Conferência de Berlim. Nessa altura, Mbânza-Kôngo era uma parte de Angola, colônia portuguesa e sua povoação obedeceu a uma política colonial portuguesa de povoar as cidades. Primeiro, porque lá se encontravam algumas infraestruturas a serem aproveitadas e, segundo, porque se construíu outras novas.


Durante essa época, as velhas cidades perdidas foram descobertas, inclusive os muros chamados Kulumbîmbi. A sua descoberta criou: (i) felicidade, porque existia apenas na oralidade com hesitações de localização, de modo a convergir as versões existentes; (ii) lembrança da união entre as populações, o que incentivou a povoação das próprias populações; (iii) responsabilidade acrescida da administração colonial em conservar a memória local. Mas tudo indica que a memória coletiva tem dificuldades em separar as duas cidades, porque ambas cidades pré-existem no comportamento psicossocial como “um todo”, assim como, quando os Kôngo evocam sua origem comum (Kôngo dya Ntôtila ou Kôngo dya Ngûnga ou ainda Ñkûmb’a Wungûdi…), reconhecem a pluralidade como base da sua união. Esta é atribuída a uma Mãe ancestral, Ngûndu ou Mazînga.

 

 

 

Gravura do sec.XVIII representando a antiga cidade de Mbanza Kongo

Gravura do sec.XVIII representando a antiga cidade de Mbanza Kongo

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