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Portal da Damba e da História do Kongo

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Página de informação geral do Município da Damba e da história do Kongo


Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (51)

Publicado por Muana Damba activado 29 Marzo 2012, 05:13am

Etiquetas: #Fragmentos históricos do Uíge.

 

 

Por Dr José Carlos de Oliveira.


 

 

Mais tarde, o acima referido António Bala ao apresentar‑se para servir em determinada firma comercial, (sabemo‑lo fidedignamente) informou com a maior naturalidade, a sua entidade patronal que teria que faltar, uma manhã por semana, para se apresentar à Policia de Defesa do Estado, em Maquela do Zombo. Em 1975, fazia parte dos duzentos e cinquenta trabalhadores da fábrica de vestuário CIV, em Luanda.
 
Uma manhã de Fevereiro, desse ano, o pessoal da fábrica encontrava‑se todo reunido, à porta principal do estabelecimento fabril. O técnico responsável pela produção, à chegada, perguntou‑lhes o que faziam à porta. Foi‑lhe respondido que faziam greve. Inquiridos se sabiam o que significava a palavra greve, responderam que não, só sabiam que não podiam entrar. O director de produção chamou então, de lado, António Bala e pediu‑lhe que o ajudasse a resolver a questão. Este, muito calmo, abriu a Bíblia protestante que trazia sempre consigo (escrita em kikongo) e com ar de quem os reprovava (apesar de ele mesmo se encontrar à porta quando o responsável chegou) dirigiu‑se aos colegas de serviço, mais ou menos, por estas palavras:
“Conheço muito bem a palavra de Jesus. Quero lembrar‑vos a seguinte passagem e começou: Vocês, para serem admitidos ao serviço, entraram por aquela porta estreita, se querem sair pelo portão largo e espaçoso estão a ir pelo caminho que conduz à perdição, não façam isso, vamos ao trabalho”
 
Referia‑se à passagem do Novo Testamento, Mateus 7:13. Entre os trabalhadores estavam vários tocoístas, que perceberam a intenção do seu conterrâneo. Assim que Bala entrou, todos o seguiram. Até que, em 1975, os partidos políticos começaram a defrontar‑se gravemente, nunca mais houve problemas na fábrica e António Bala continuou a apresentar‑se impreterivelmente todas as semanas à PIDE. Sabemos que, por volta dos finais dos anos oitenta, faleceu.
 
 
António Povoa explicava‑nos então que, as famílias zombo não tocoístas, dividiam os seus filhos para seguirem a religião católica ou protestante. De uma forma geral, este procedimento era seguido por todos. Por exemplo, o pai ia à igreja católica mas a mãe e a avó iam à igreja protestante. Havia uma grande diferença nas missas. A igreja protestante adoptou, desde muito cedo, um ritual mais africano, com cânticos que compreendiam, por isso as mães e avós gostavam mais de ir lá, fazendo‑se acompanhar pelos netos. Ultimamente, deu‑se um facto curioso na igreja católica no norte de Angola – foi introduzido na missa o batuque. Após o início da guerra colonial, os elementos responsáveis pela igreja evangélica baptista foram expulsos e parte das suas instalações destruídas. Os zombo daquele tempo, ainda hoje, têm saudades dos cânticos cantados em kikongo pela congregação protestante.
 
A fotografia, ao lado, foi tirada no dia do casamento de António Povoa, já em Luanda. Pensamos que não seria o seu primeiro casamento. A correspondência, que trocámos até 1995, é testemunha de uma amizade recíproca. Depois de todos estes anos, temos muita dificuldade em aceitar que, alguma vez e propositadamente, o António Povoa quisesse deliberadamente prejudicar‑nos. Apesar disso, ele sempre soube que a sua gente disputou, utilizando todos os argumentos, segundo os zombo válidos, as instalações ‘abandonadas’ pelos comerciantes europeus do zombo.
Para a frase ‘utilizando todos os argumentos’ recorremos a M. L. Rodrigues de Areia31(1974:35) quando, a propósito da figura estruturante do sistema mágico religioso kongo, refere:
“(…) Nos princípios deste século John Weeks, estudando os Kongo, foi um dos primeiros autores a reconhecer que os nganga exercem uma acção benéfica, positiva, no seio da comunidade: «Eles (os nganga) libertam o povo dos maus espíritos e curam as doenças» (Weeks, 1909a:182). A competência destes operadores benéficos viria, segundo o mesmo autor, do recurso à medicina tradicional e também do efeito psicossomático exercido pelas danças, cânticos e imprecações aos espíritos malignos, elementos que acompanham a aplicação dos remédios ritualizando a doença e a cura (Weeks, 1909:53). (…)”
 
A estas linhas de Areia podemos, pelo seu valor documental, acrescentar o que o testemunho ocular do padre Alberto Ndandu32, em 1951, diz a determinada altura do seu relatório:
“Foi assim que neste dia pudemos encontrar ao longo do caminho do nosso percurso vários grupos de homens e mulheres, com os bébés às costas que iam consultar o afamado Nganga Ngongo. Na varanda de sua casa, feita de blocos, pudemos reconhecer algumas pessoas do Ngongo, acocoradas ou assentadas em troncos de árvores, à espera de serem atendidas. Atravessando o Mfwelesi e subida a montanha, eis‑nos chegados à aldeia de Sadi‑Kiloango. O escriturário Alberto que conhecia bem a aldeia onde havia estado várias vezes, e até no domingo anterior, disse‑me: ‘É aqui. Acolá está a casa deixada por Simão Toco. Serve actualmente de templo da seita.’ (…)”
 
Uma outra oportunidade para reflectirmos sobre o assunto desta secção apresentou‑se‑nos, em 1995, com a satisfação de conhecermos David José, estudante finalista de Sociologia, numa universidade de Lisboa. Tivemos longas conversas, aproveitávamos jantar e conversar. Entre cerca de trinta horas de conversa gravada, falamos de tocoístas e do fenómeno da possessão. David disse a certa altura:
Os tocoístas tiveram a possibilidade (paradoxalmente), uma vez que foram dispersados em pequenos grupos de ao “serem concentrados” enriquecerem todos os seus conhecimentos da vida. Em grupo, foram mais fortes que todos os outros grupos que conseguiram juntar o pai a mãe e os filhos. Nos seus cânticos sentiam e comungavam do mesmo tipo de sentimento e isso trazia‑lhes alegria, ou melhor, parece que, desse modo, transbordavam o seu “ser” para o Além. É como que fossem possuídos pelo Espírito, é como se estivessem tão livres, tão à vontade, tão felizes que a voz lhes brotava com alegria. Talvez por isso, algumas pessoas às vezes levantavam‑se a saltitar e um indivíduo estranho ao assunto, era capaz de ir a passar e, inadvertidamente, dizer que aquele fulano estava exagerar, porém o que estaria dentro de tal pessoa, é por o de fora do grupo ignorado, pensar‑se‑ia que estaria bêbado. Há até pessoas que ficam muito concentradas e são até capazes de saltar e bater em alguém. Nós podemos até dizer que de tanto saltarem perdem a atenção, mas geralmente a perca de atenção é também uma grande concentração. A minha filosofia é que quando vejo alguém na rua a andar e vendo o poste à sua frente vai lá bater. Nós dizemos que ele ia muito distraído, mas não! Eu sou capaz de responder que ele ia demasiado concentrado. As pessoas libertam‑se, criam um mundo à sua volta, concentram o pensamento, estão tão concentrados que o que os rodeia não interfere em nada no que estão a fazer e no geral nós dizemos que as pessoas estão com falta de atenção (...)”
 
Nunca mais nos saiu do pensamento esta lição, consideramo‑la extraordinária. Será bom que reflictamos um pouco, porque também faz sentido para o que se passou com os “retornados” portugueses que vieram em difíceis condições, para Portugal, em 1975, referindo‑nos só aos que trouxeram de seu a roupa do corpo e, hoje, conseguiram, a pulso, orientar (os que puderam ou quiseram) as suas famílias.
 
 

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