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Portal da Damba e da História do Kongo

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Página de informação geral do Município da Damba e da história do Kongo


Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (48)

Publicado por Muana Damba activado 23 Marzo 2012, 06:05am

Etiquetas: #Fragmentos históricos do Uíge.

 

Por Dr José Carlos de Oliveira.


 

 

 

Apesar do mau português e do descabido floreado, Nsimba Dias deu um contributo que reputamos de inestimável, porquanto, conhecendo nós perfeitamente a zona e tendo acompanhado a questão até finais de 1975, fomos actualizando informações em 1991 e 2005. Pensamos ser este, dos documentos consultados, o mais interessante. Dele extraímos a referência à vantajosa cooperação entre populações portuguesas (durante a vigência colonial) e os zombo. Infelizmente, o futuro não seria para os zombo o desejado, embora tivesse havido um período de cerca de cinco anos após independência de excelentes oportunidades, proporcionadas pelos bens deixados pelos portugueses. Os zombo não adivinhavam o pesadelo que se aproximava com a guerra civil que arrasou por completo as infra‑estruturas deixadas pelos portugueses. Quem mesmo poderia imaginar as terríveis consequências das marcas deixadas, nestas populações, pela violentíssima guerra civil fratricida de vinte anos?
 
 
O ‘Tocoismo’ e o Pensamento Político Religioso Zombo Contemporâneo
 
 
 
 
Embora já tenhamos, por diversas vezes, citado o conceito Zeitgeist, temos aqui, mais uma vez, a oportunidade de apelar para a sua relevância, por se tratar da ideia do "espírito da época" ou "espírito dos tempos" e daí partirmos para o estudo do fenómeno do tocoísmo.
 
No princípio do capítulo referente à colonização, ‘Algumas Especificidades da ‘Situação Colonial’ entre os Zombo Desde 1910 até ao final da 2ª Guerra Mundial (1945)‘, mencionámos os autores que suportariam a análise e o nosso pensamento sobre os zombo. Cabe agora a vez de nos auxiliarmos do pensamento do quinto e último autor: Arthur Ramos de Araújo Pereira, médico psiquiatra, psicólogo social, indigenista, etnólogo, folklorista e antropólogo. Evidenciamos que o que mais nos aproxima deste autor são as comparações que podemos estabelecer, muito nitidamente, com os kongo e, por consequência, com os zombo através de três obras de sua autoria: O Negro Brasileiro (1934)25, O Folklore Negro do Brasil (1935)26 e finalmente Estudos de Folk‑Lore (1951)27.
 
Demos a preferência ao citado autor, neste capítulo, para nos aproximarmos dos conceitos do profeta Simão Gonçalves Toco e da sua obra, dentro das igrejas cristocêntricas predominantemente existentes no Congo e especialmente entre os zombo.
 
Se Arthur Ramos, em 1934, na obra ‘O Negro Brasileiro’, não receia debruçar‑se sobre as propostas do pensamento de Lévy Bruhl, através do ‘método etno‑comparativo’ sobre A Mentalidade Pré‑lógica28 e a Lei da Participação e, com elas, construir o seu próprio pensamento, também nós, embora com ‘luvas de veludo’ mas mão firme e, apesar dos riscos inerentes à questão da Mentalidade Pré‑lógica, onde estão sempre presentes os termos civilizado e o primitivo ou selvagem, expressões que nos obrigam a enquadrar o significado na linguagem da sua época, começamos por, acerca deste último conceito citar Ramos (1934: 208) quando ele propõe:
“(…) É essa persistencia da mentalidade pre‑logica que vem a explicar todos os factos de survival fetichista entre os negros bahianos de nossos dias. Em outro logar, procurei demonstrar que as praticas do curandeirismo, nos meios incultos do Brasil, revelavam a persistencia desta mentalidade pre‑logica, ou como diz Bleuler, do “pensamento indisciplinado e autistico”. O “paganismo contemporaneo”, o folk‑lore das sociedades adiantadas, evidenciam a persistencia destes elementos pre‑logicos que podem coexistir ao lado dos pensamentos logicos.
Mas o pensamento logico não pode pretender supplantar inteiramente a mentalidade pre‑logica. Os responsaveis pela cultura e progresso sociaes devem attentar bem nesse problema (…)”.
 
Aqui temos uma achega bem forte para compreender o pensamento religioso e político zombo e tudo mais que acerca deles temos vindo a escrever. Porém, o outro pensamento que é a lei da participação (1934:207) vai entroncar no conceito mencionado acima:
“(…) A ligação das representações, no primitivo, foge, assim, às leis da logica formal. Ha nella, relações mysticas que implicam uma participação entre sêres e objectos entreligados nas representações collectivas. Lévy‑Bruhl deu o nome de lei da participação ao “principio proprio da mentalidade primitiva que rege as ligações e as préligações destas representações”. Só com muita difficuldade apprehende a nossa mentalidade a significação desta lei, e, por esse motivo, torna‑se difficil enunciá‑la sob forma abstracta. (…)”
 
Em 31 de Julho de 2005, fomos convidados, mais uma vez, por anciãos conselheiros,para assistir e participar no congresso tocoísta desse ano, que se realizou nos arredores de Lisboa, em sede própria, na rua Senhor Roubado LT1, Vale do Forno, Odivelas (será simples coincidência o nome da rua?)Relataremos o que nos parece essencial, a fim de construirmos o corpo desta secção. Por feliz permissão da direcção da mesa, foi‑nos concedido o registo em vídeo de toda a cerimónia, por isso, as considerações que fazemos são cópia fiel do que ali se passou.
Os trabalhos foram iniciados com as seguintes palavras:
“– Zulumongo é a cidade santa do Ntaya em Maquela do Zombo (…)”
 
O termo Zulumongo, pela tradução à letra, sugere‑nos o seguinte: Zulu quer dizer céu eMongo significa monte. Ocorre‑nos então fazer uma breve extrapolação: Zulu Mongosignificaria para os tocoístas, o que o Monte Sinai significa para os judeus (Êxodo 19:20).
 
Da cerimónia, retiramos dois excertos que nos parecem reflectir o seu espírito. Um dos participantes, com cerca de sessenta e cinco anos de idade, deu o seu testemunho sobre factos passados há cinquenta anos atrás, (previamente autorizado pela mesa a usar da palavra) proferindo as seguintes palavras:
“(…) – Quando Simão Toco no norte começou a percorrer as aldeias, as populações que acompanhavam Simão Toco eram vestidas de branco. Nós, naquela altura éramos muito crianças, mas ouvimos a canção que cantavam era GUNGA GUELA, que quer dizer “o sino tocava’ e tinha um significado: era o despertar das populações para um reino melhor. Eu acho que a canção GUNGA GUELA, GUELA, era uma canção fetiche que despertava as almas das populações. Não me alongo mais porque estou totalmente comovido pelos cânticos que hoje ouvimos. (…)“
 
Esta intervenção terminou com a referência ao termo fetiche que nós transferimos para o kikongo por nkisi e ao qual nos referimos, em pormenor, no capítulo quatro, na secçãoParticularidades do Processo Mágico.
 

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