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Portal da Damba e da História do Kongo

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Página de informação geral do Município da Damba e da história do Kongo


FRAGMENTOS HISTÓRICOS DA DAMBA 26

Publicado por Muana Damba activado 21 Septiembre 2010, 13:27pm

Etiquetas: #Fragmentos históricos da Damba

 

 

 

 

VIAGEM AO BEMBE E DAMBA - Setembro a Outubro de 1912.

 

In- NO CONGO PORTUGUÊS -Relatório do Governador do distrito, primeiro tenente de marinha, José Cardoso. Cabinda, 1913”

 

 

RELIGIÃO E FÉ.

 

Tendo passado em revista, ainda que superficialmente, os principais factores de transformação dos indígenas para os quais ainda é necessário introduzir-lhes princípios civilizados erradicando-lhes o que tenham de prejudicial nos seus maus hábitos e costumes por uma evolução natural, é-nos chegado o momento de abordar o melindroso assunto da religião, o qual se afigura que deve merecer-nos especial e cuidadosa atenção,muito mais o que até ao presente lhe tem sido consagrada nos empreendimentos civilizadores das nossas colónias.

Com o espírito da época tendemos para desprezar a influência deste elemento importante nos problemas sociais dos agrupamentos gentílicos , pensando, talvez que poderemos formar a consciência indígena simplesmente com a promulgação de leis tendentes a incutir os elementos de moral cívica, quando é para notar-se que mesmo entre indivíduos das nações ditas civilizadas dificilmente abrem caminho, esses elementos, para acompanharem os outros fenómenos sociais, na marcha acelerada que o progresso realiza em nossos dias nos méis altamente apurados pelo requinte da civilização.

Pensamos, parece-me sem grande discernimento, que seja possível substituir nos pretos preconceitos de origem secular pelos que podem ser-lhes incutidos pela religião natural constituída pelos princípios da moral comuns a todas as nações civilizadas, derivados do conhecimento do direito e da ciência, estabelecidos pelo raciocínio e pela lógica,independentemente de qualquer revelação.

Parece-me um caminho erróneo pretender elaborar essa evolução galgando de um salto as transições graduais por que essa transformação se efectuou nos centros onde a organização social atingiu uma forma mais perfeita, esquecendo que o estudo e a observação nos demonstram que o sentimento religioso é como que um sentido inato no homem primitivo, seja qual for a forma como ele se nos apresenta ou manifeste, que a religião tem desde os tempos mais remotos desempenhado um papel tão importante nas relações entre os homens e que esse sentimento só pode desvanecer-se à medida que a humanidade progride no conhecimento aprofundado dos fenómenos do universo.

Esquecemo-nos ou, por vezes, mesmo, queremos negar que a religião tenha influência na civilização, quando é certo que aquela é um produto desta, sobre ela actuando por influência recíproca, e manifestando-se em todos os seus aspectos em perfeita harmonia com o grau de perfeição geral que um determinado grupo se nos revela.

É certo que uma e outra nem sempre têm caminhado “pari passo”, e que entre ambas ora tem havido acção conjugada ou reacção manifesta, podendo em tos os casos afirmar-se, como uma ideia geral, que se a civilização estaciona ou retrograda a religião sofre no mesmo sentido, embora a recíproca não seja verdadeira, porque, quando através da história se regista o avanço franco e decidido da civilização em muitos casos, talvez em quase todos, o sentimento religioso pára ou enfraquece, senão que retrograda,acontecendo em regra no último destes casos, que a fé e a crença se extinguem no maior número de indivíduos , conservando-se num estado frouxo ou de quase indiferentismo em muitos dos quais aparentemente cultivam preceitos religiosos.

Em todos os casos de problemas coloniais, em que seja necessário um intimo contacto com ávida do gentio, temos que admitir a sua importância e reconhecer que a religião está intimamente ligada com todas as manifestações de actividade dos indígenas ,e completamente misturada com todos os principais aspectos da vida cafreal,, pelo que diz respeito à constituição da família, direitos de autoridade gentílica, processos de julgamento cafreal, castigos, relações entre pessoas inter-tribais, no comércio e em todas as manifestações da via quotidiana, pelo que se não deve desprezar fazer o estudo do sentimento religioso cafreal, se quisemos, com conhecimento de causa, tirar partido
do indígena para transformá-lo, de um ser rude e imperfeito, num individuo que possa compreende e utilizar os benefícios da civilização, encarreirando neles francamente.

Poder-nos hão censurar o nosso modo de ver, por chamarmos religião ao conjunto de crenças e manifestações pelas quais o indígena considera e interpreta o sobrenatural,porque, como regra, nas diferentes graduações do sentimento religioso, se considera apenas como crença o conjunto de pensamentos e de sentimentos que não exceda os limites duma simples fórmula, passando a merecer a consideração de culto quando essa crença assuma certas proporções e se revista de certas manifestações externas e cerimónias que constituem um ritual, embora rudimentar, reservando-se a designação de religião, para os mais exigentes na matéria, quando o sentimento ou a ideia característica, no crente, deriva da consideração da existência de um ente supremo, causa primária de todas os fenómenos, e não fenómenos.

Segundo esse modo de ver, a maioria das manifestações do sentimento religioso no indígena não devem passar de ser consideradas senão como crenças, concedendo-lhes os mais condescendentes a significação de culto, que, em regra, existe no gentio, embora a maioria dos casos seja absurdo, ridículo ou mesmo cruel, mas todavia existindo um culto.

Cremos, porém, que todas essas crenças e cultos têm um fundamento ou uma explicação filosófica, mais ou menos racional, consolidando em quase todos os casos os alicerces do ligeiro edifício moral das sociedades cafreais, o que não pode fazer-se, sem usar-se de moderação e habilidade, porque assumindo realmente essa religião o aspecto de um fundamento de moral, racional, não pode destruir-se sem que se substitua por qualquer principio que entre na pseuda consciência do indígena com a mesma solidez com que possui a ideia ou o sentimento religioso que desejamos modificar-lhe.

Até agora apenas missionários se têm ocupado do estudo das crenças cafreais e mesmo entre eles poucos o têm feito sob o ponto de vista cientifico , sendo, como regra, feitos com subordinação à sua maior preocupação – a de converte-los à fé que propagam.

Não creio possível, no estado actual do desenvolvimento moral dos povos atrasados,substituir essas crenças pelo conhecimento e consciência da lei moral, que às nossas autoridades cumpriria efectuar, passando esta última a regular as acções entre os indígenas em substituição do que até agora se lhes tem servido para esse fim – os princípios da sua religião que possuem profundamente inveterados.

Para compreender-se a dificuldade que há na substituição da crença gentílica pela religião natural, basta observar a dificuldade que o missionário tem em substituir-lhe aquela pela religião que prega, quando deveria parecer fácil e natural que o indígena abraçasse as nossas religiões com facilidade, por poder assimilá-las sob o mesmo aspecto supersticioso que cultiva as suas. Não deve esperar-se o mesmo em relação à religião natural, por a sua assimilação depender da posse de espírito esclarecido bastante.

A razão principal dessa dificuldade, mesmo em relação às várias formas de cristianismo,reside no facto do feiticismo ter para o indigina um carácter essencialmente espiritual de quase todas as formas de religião de Cristo e totalmente impossível, por agora, de substituir-se pelo carácter de pura abstracção que distingue a religião natural.

A força enorme do feiticismo reside na confiança absoluta que o indígena deposita no seu feitiço, que ele pode escolher entre as diversas fórmulas da sua religião, apropriado a todas as contingências de ordem material e que está exposto no decorrer normal da sua vida.

O gentio armado com a protecção do feitiço que deve defende-lo de um determinado inimigo visível ou invisível, mas cujas manifestações são sempre materiais, palpáveis,sente-se forte, adquire confiança em si, porque tem uma arreigada fé em que esse feitiço o defenderá nas conjunturas a que poderá expor-se. Ele vê o feitiço, sente-o, e com ele se embrenha, confiante na protecção material de que se julga munido. Essa mesma confiança dá-lhe audácia, e todos sabemos quanto é importante o papel desempenhado nas acções humanas pela confiança do homem em si próprio e pela audácia, seja qual for o fundamento em que assentam essas duas qualidades ou sentimentos. A diferença está,porém, em que o bom sucesso num empreendimento realizado por um homem civilizado é por ele explicado por uma causa, ao passo que o indígena, incapaz de deduzi-la, explica-o sempre pelo efeito do feitiço.

Se acaso afortuna é adversa ao indígena, não vira as culpas ao feitiço, e sua confiança nele não sofre o menor abalo , como poderíamos supor. A sua imaginação ingénua e os seus hábitos facultam-lhe uma explicação simples que evita a destruição da crença e da sua fé. É, diz ele, porque o seu feitiço foi contra-actuado por um feitiço de influência superior à do seu, ou porque, por uma natural distracção, deixou de executar algumas das muitas e mui complicadas minudências dos ritos que fortalecem a virtude do feitiço.

Comparece isto com a intimidade dos enguiços a que são atreitos, mesmo, muitos espíritos cultos, e convencer-nos hemos de que é iminentemente natural a suposta acção dinâmica do feitiço!

 

                                                                                             

                                                                             Em colaboração com ARTUR MÉNDES.

 

 


 

 


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