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16 Jun

Uige em rítmo de mudança

Publicado por Nkemo Sabay  - Etiquetas:  #Notícias do Uíge

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Prédio Imbondeiro e Grande Hotel no Uíge

 

Mesmo quando em sucessivas reuniões com camponeses o discurso oficial seja na direcção do incentivo da produção do café, os observadores menos românticos percebem, sem esforço, que nesses dizeres está apenas uma nostálgica vontade sem hipóteses válidas de adesão. É que o ciclo do bago vermelho, enquanto recurso estratégico de desenvolvimento da região do Uíge, encerrou um dia e não parece situarse no horizonte próximo o sonho do seu ressurgimento.

A montanhosa e fértil terra do Uíge mostra essa convicção de modo cada vez mais firme à medida que o tempo transcorre, seja por via da análise dos passos da governação como, também, pelo caminho da simples observação do que se vende e se compra. Os mercados andam pejados de outros produtos que não o café e na agenda que governador e administradores territoriais fazem aplicar, nota-se claramente que são outras as prioridades.

Servido por uma das mais caprichosas estradas nacionais – que serpenteia por entre montanhas e declives que levam incontáveis senhores encartados de décadas a simplesmente preferirem o lugar do pendura para evitarem o desafio da condução – o Uíge não tem como esconder a sua soberba vocação agrícola, denunciada pela exuberância das extensas florestas que desenham o seu imenso tapete verde que se perde nos limites dos Dembos, a sudoeste, e de Ambaca, no extremo sul. E mais do que esse verde denso e constante, está o seu resultado palpável, os improvisados mercados de caminho sem conta certa, ao lado de cada povoação, grande ou minúscula, que parecem reeditar a lendária gesta mercantil dos homens da Idade Média.

 

Tempo de acelerar....

 

Quando na cidade capital da província – que serve sempre, pelo seu maior ou menor dinamismo, como barómetro do desenvolvimento da região – o mercado se mostra abarrotadíssimo de produtos do campo, percebe-se logo que a agricultura está em boas mãos e recomenda-se.

Sólos fertéis, agricultura pujante e fome e desnutrição que nunca foram ameaça

Tem, na verdade, uma pujança que não desdiz daquela que será, com toda a certeza, a maior riqueza do território: a fertilidade do seu solo.

Uma bênção que deixa o Uíge a salvo das ameaças e dos flagelos que outras regiões do país podem enfrentar no capítulo da segurança alimentar (vide O PAÍS nº 66) e que colocou a província entre as excepções felizes do tempo da guerra, quando as populações deslocadas do seu habitat para escapar aos combates, tinham de bater-se com um inimigo pior, a fome e a desnutrição. Na verdade, nunca os anos de guerra nesse território – seja na intensa confrontação anti-colonialista nas décadas de 60 e 70, seja depois, no conflito fratricida – significaram para os seus habitantes tempos de razia alimentar, porque o matagal imenso sempre teve para oferecer, em grandes quantidades, frutas, tubérculos, raízes e legumes nascidos de forma espontânea.

São, portanto, de natureza outra as urgências e preocupações da província. O seu desenvolvimento e progresso pedido a gritos passa por outros capítulos, estes sim os verdadeiros desafios colocados à governação, até há meses nas mãos do diplomata Mawete João Baptista e, agora, sob responsabilidade do antigo dirigente do braço juvenil do MPLA, Paulo Pombolo. Desbravar os caminhos que levam à industrialização, assegurar o básico de qualquer sonho de crescimento económicosocial (estradas, água e energia eléctrica) e criar empregos, para lá das respostas à demanda de habitação, ensino e formação de quadros, estão entre o fundamental das prioridades de uma terra onde a vontade e necessidade de mudar é conversa que perpassa gabinetes, lavras, festas, reuniões partidárias, velórios…

E de inovar

Tanto há a fazer pelo Uíge que o novo governador, Paulo Pombolo, não pode mesmo ter um sono descansado. A província atrasou-se muito no seu processo de recuperação e crescimento, vítima em grande medida das políticas que conduziram às assimetrias que hoje se procura emendar, e o que anima é que existe plena consciência, a diferentes níveis, desse profundo grau de desaceleração na direcção do progresso.

O novo timoneiro – chamado a substituir Mawete João Baptista, agora em Cabinda, no respigo de desinteligências e conflitos de interesses entre as lideranças locais do partido MPLA e do governo – sabe bem ao que foi, até porque a condição de integrante do Bureau Político da sua formação partidária, onde essa estranha disputa inter-pares era amiúde abordada, permitiu-lhe conhecer profundamente o terreno que viria tempos depois a ficar sob seus pés.

Terá sido por isso mesmo que, no comício da sua apresentação, as palavras que mais se lhe retiveram ligamse a um decidido combate à intriga, à desunião, ao anacrónico fenómeno akwa-kuiza, oportuna e energicamente denunciado pelo presidente Eduardo dos Santos em Dezembro.

Paulo Pombolo tem o grande privilégio de conhecer, a fundo, a terra que governa. É de lá natural e, mais do que isso, teve sempre boa parte do seu percurso de vida ligado à política local, com a JMPLA como principal laboratório. O ter assumido o leme da organização, a nível nacional, e por via disso ganhar lugar num fórum privilegiado de tomada de decisões e domínio de dossiers como o BP do MPLA, amadureceu-o para o desafio que agora tem.

Ao que O PAÍS soube, começou bem, explorando o melhor do seu curriculum: o contacto directo com as pessoas, fora da frieza do gabinete. Baptizou-se na sede municipal do Kimbele, falando num acto de massas por ocasião do 4 de Fevereiro; congregou gente dias depois no Cine Ginásio para apresentar as grandes ideias do programa de urbanismo e habitação do Governo Central e falou com os funcionários do seu próprio pelouro, para pedir-lhes empenho e dedicação, chamando a atenção para valores como a pontualidade e a assiduidade. Disse-lhes para acreditarem em tempos melhores.

Fez eco também a sua visita demorada ao hospital provincial, uma gigantesca estrutura do sector da saúde que ocupa a dimensão de meio bairro da cidade. Percorreu os diferentes serviços, viu, fez anotações, conversou com técnicos e, no final, compreendeu a dureza de quem gere: “visitamos um sector muito importante para a nossa vida. Queremos aqui afirmar que os 2 milhões de Kwanzas, actualmente destinados ao nosso hospital provincial, não são suficientes; por isso o hospital do Uíge ainda funciona com vários constrangimentos”

 

Assinalável igualmente a gestão que faz do lado, se quisermos, mais antropológico da inserção de um governante no modus vivendi dos bakongos, a etnia que povoa o território e que se estendeu, séculos atrás, pelos vastos limites do poderoso Reino do Congo com sede na centenária cidade de Mbanza Congo, abarcando a actual RDC, o Congo Brazzaville e o Gabão. Sábado último, Paulo Pombolo juntou-se a aldeões comuns na pequena povoação de Banza Polo, para ser apenas mais um no funeral da matriarca de uma das famílias de maior referência em toda a região do Uíge, os Alexandre (ler A Fechar , suplemento Vida). Uma atitude dessas, que coloca em evidência um dos valores humanos mais caros à mentalidade dos bakongos – a simplicidade – faz subir enormemente a cotação, sendo o seu inverso, a petulância e a mania das grandezas, um dos caminhos mais rápidos que se podem trilhar, na região, para se fracassar em tudo, por falta de carisma e aceitação popular.          

 

O quase    da energia.

 

Desde há algumas semanas que os citadinos da capital do Uíge vivem um tempo novo, na gestão das suas necessidades energéticas. Contam com um serviço mais regular e de qualidade incomparavelmente melhor, que enterrou o velho ciclo em que lá em casa “apenas arrancava a geleira e o televisor”, para agora serem todos os electrodomésticos a terem verdadeira serventia. Os regulares 220 Volts, durante anos, foram sempre um patamar raramente alcançado pelo fornecedor aos clientes domésticos mas agora, e depois de uma substituição geral de cabos ao longo de toda a cidade, novas centrais térmicas puderam entrar em funcionamento e, por via disso, garantir uma cidade melhor servida.

Apesar da substancial mudança, esse passo só é ainda, contudo, o quase. O PAÍS soube que num prazo que ninguém está por agora em condições de definir com exactidão, chegará ao Uíge a energia produzida pela Barragem de Kapanda em Malange, sendo certo que o estender das linhas de transportação acontece a partir de Lucala, no Kwanza Norte.

Num trabalho de antecipação, o Governo já avançou com a empreitada que deverá facilitar a chegada da energia de Kapanda ao município de Maquela do Zombo, uns 290 km a norte da cidade do Uíge. Essa obra está concluída, executada pela construtora brasileira Camargo Corrêa.

A escolha de Maquela do Zombo como o segundo território a receber o fornecimento da barragem de Kapanda (depois do Uíge, município sede) não acontece de livre arbítrio, conforme pôde apurar a reportagem deste jornal, de fontes conhecedoras do dossier. É que Maquela do Zombo alberga as célebres minas de cobre de Mavoio – por enquanto desactivadas – e não há esforço de relançamento daquela produção que possa ser idealizado sem antes se assegurar um abastecimento regular de corrente eléctrica.

 

Lotes,tectos e afins

 

No Uíge, como era de esperar, é grande também a azáfama em tempos de marcha do programa de edificação de um milhão de fogos habitacionais em toda Angola.

Depois da definição das reservas fundiárias, trabalha-se na estruturação dos lotes. Na capital da província, existem duas grandes áreas – Kilomosso e Kivita -, que contam já com um total de 270 lotes em condições de serem entregues, os primeiros de um pacote global de mil e oitocentos.

  O acto simbólico de arranque deste processo – entrega à população de terrenos para a auto-construção chegou a estar agendado para dias passados mas razões de calendário, segundo O PAÍS foi informado, impediram a sua concretização.

Está assim no horizonte a perspectiva de crescimento de uma cidade que os seus mentores idealizaram, há muitos anos, como lugar de alta concentração de riqueza, abençoados os tempos pelo boom do café.

Uma urbe que se perdeu no cinzentismo da inércia por muito tempo, acossada pelos vaivéns da guerra, depauperando-se ao extremo de ficar durante décadas sem uma única sala de cinema, uma discoteca, um pub, um restaurante digno desse nome, um hotel, uma biblioteca ou uma livraria. É tudo isto que anda a ser recuperado, sendo possível falarse hoje já – e exalte-se a coragem de muitos investidores privados – em perto de meia dúzia de modernos hotéis (um dos quais, o Grande Hotel do Uíge, de 4 estrelas); a principal sala de cinema, o Cine Ginásio, novamente em funções, e pelo menos duas animadas casas nocturnas em actividade. Há uma livraria que brevemente abrirá portas, iniciativa de um filho da terra com conhecidas inquietações literárias, Arlindo Isabel, ex-director da editorial Nzila, enquanto se perfilam outros projectos com peso suficiente para alterar a paisagem, como a futura sede da seguradora AAA, bombas de combustível da SONANGOL e a reabilitação e ampliação do aeroporto.

 

Rasgar o sertão

 

Se algum facto enche particularmente de orgulho as gentes do Uíge nestes tempos de frenética correria rumo ao progresso do país, será o de ter o nome da sua terra associado, para sempre, ao pioneirismo da reconstrução das vias nacionais. Com efeito, a estrada que liga Caxito ao Uíge – na verdade até Negage, num total de 350 km – foi a primeira empreitada adjudicada ao abrigo do acordo chinês, no ano de 2006.

Absorveu um esforço gigantesco de quase dois anos, que transformou de modo visível a paisagem da verdejante região dos Dembos – quer porque os camponeses tiveram de viver a experiência rara de lidar com operários de uma China que lhes era até aí distante na referência ou absolutamente desconhecida, quer porque muitas das suas áreas de cultivo foram transformadas em minas de extracção de inertes depois usados na construção da estrada, sem nunca, eles próprios, terem desconfiado sequer que as suas ancestrais lavras escondiam tão valiosos recursos em minério.

Em Agosto de 2008, a estrada Caxito-Uíge foi inaugurada pelo presidente da República, José Eduardo dos Santos, testemunhando desde então um crescendo de utilização, que tornou coisa de outro tempo as sempre escassas disponibilidades nos pequenos bimotores das companhias de aviação que escalavam os aeroportos do Uíge.

A via das mil curvas, mil pontes e mil ribanceiras tornou-se num ícone da nova Angola, com as suas estampas em fotografias e vídeos famosos em páginas pessoais de internet (blogs) e no popular You Tube.

 

O Negage, a segunda cidade da província e que dista 37 km da sua capital, acabou por ser, contas feitas, apenas uma referência para a primeira grande empreitada do crédito chinês e não o fim de uma árdua caminhada. Actualmente, a mesma empresa do gigante asiático – a FRBC – que reabilitou o troço Caxito-Úcua-Uíge-Negage (350 km), está envolvida no programa de levar o asfalto do Negaje até Maquela do Zombo, junto à fronteira com a República Democrática do Congo, com passagem pelo município da Damba.

Neste momento, tem já parte considerável da empreitada executada, o que permite chegar a terras da Damba sem castigar muito o meio rolante nem o físico do viajante. Quase toda a estrada encontra-se asfaltada e os 15 km que ainda não receberam esse tapete estão terraplanados.

Muitos outros caminhos de progresso andam em fase de melhoramento, sendo em muitos casos estradas que se asfaltam pela primeira vez desde que foram abertas na década de 60 do século passado. As sedes municipais do Púri e Sanza Pombo devem ligarse em breve nos seus 90 km de via, idem para o Negage e Púri, por um lado, e Sanza Pombo e Quimbele, por outro.

O PAÍS, na sua ronda pelo Uíge, soube entretanto que a estrada Negage-Púri (uns 80 km, mais longitude/menos longitude) e o troço Sanza Pombo-Kimbele (100km), constituem preocupação para o novo elenco de Paulo Pombolo por se encontrarem as obras assustadoramente atrasadas. O caso mais grave, segundo se soube, conforma-o a via que tenta alcançar a sede municipal do Kimbele, onde a empresa empreiteira – ANGLOBAL – demonstra nítida incapacidade técnica: dispõe de maquinaria inadequada e escassa, o que coloca dúvidas sérias quanto à possibilidade de levar a cabo o compromisso assumido com o Estado angolano, mais a mais numa estrada onde se tem de lidar, volta e meia, com o fenómeno ravinas.

 

                                                              Luís Fernando

 

 

 


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