Tributo a um homem de Deus
Por Makunza Tungu
Soou o gong, anunciando a partida para o além do Reverendíssimo Padre Hortênsio Rossetto! Santo homem de Deus, viveu e conviveu com as populações da nossa martirizada pátria, particularmente as da Diocese do Uige e especialmente da Paroquia da Damba, terra que escolheu para viver e morrer. Sim, para viver e morrer! Foram muitas vezes que fora enviado para outras missões mas, o agora cidadão honorário da Damba, sempre regressou e nalguns casos, esquecendo-se mesmo da obediência que jurou quando fora consagrado Ministro de Deus. Para morrer no silencio do seu quarto franciscano, no silencio que rodeia a missão, ao som do passar do vento pela folhagem dos eucaliptos que envolvem o sítio, contemplando a verdejante paisagem de que se enamorou deste a chegada a estas terras que adorava! Por elas e com elas, exaltava a Criação e dava Glorias ao Criador de que serviu até a morte. Morreu no silencio, dizem as testemunhas. Morreu bem acompanhado, dizia ele, pelos médicos que não arredavam pé do local, revezando-se para que nada faltasse do ponto de vista medico mesmo sabendo-se que, neste sentido nada mais faltava do que esperar a hora do ultimo suspirar pois a enfermidade assim indiciava.
O homem de que falamos hoje, serve de modelo até mesmo para os mais fieis servidores de Deus. As características humanas que detinha, faziam dele um pastor zeloso das suas ovelhas,
sacrificando-se por cada uma delas, conhecendo-as uma a uma, pelo seu nome, origem e geração! Era simplesmente emotivo o contacto com ele pois, sentia-se nele a emanação do fervor amigo do
reencontro e a urgência de transmissão de algo que nos enchia de saudades e de gratidão pela relembrança e pelas notícias que sempre trazia dos ente queridos sob sua jurisdição apostólica. Um
verdadeiro pastor, um líder comunitário que com zelo e amor transmitia confiança e segurança mesmo quando se tratou do período longo de guerra que vivemos. Neste particular, mesmo quando estava
em risco a vida pois havia por todo o lado o perigo de minas, emboscadas e outras armadilhas, nunca se negou a pastorear as suas ovelhas, andando mesmo em muitos casos, centenas de quilómetros a
pé mesmo quando o seu estado de saúde já carecia de cuidados. De Luanda, levava e trazia sempre gestos de saudade e contribuições materiais que serviam de alento e resolução de pequenos
problemas. Nunca se negou a ajudar apesar da situação e do seu hábito-batina saía sempre uma carta, uma cabula de recordações e cabia sempre outra correspondência, um kwanza que fosse, para
a fortificação material dos membros da sua comunidade! Foi estupendo este servidor de Deus! Que entrega desinteressada ao próximo! Uma negação do material! Uma adopção voluntária, um encontrar de
outra família, maior do que aquela mais abastada de onde fora gerado. Uma comunhão com os pobres e humildes, cuja lição de humildade, ultrapassa o raciocínio humano pois é incrível a forma
como assumia nunca ter feito nada, indexando tudo o que fez à vontade de Deus, que serviu com dedicação exclusiva.
Não são todos os dias que se encontram personalidades desta estatura mesmo no clero que de tempos em tempos se apresenta com fraquezas momentâneas e espirituais, este Homem, serviu de
exemplo e cujo testemunho ouvimos da hierarquia da Igreja que serviu. O emotivo discurso proferido na homilia da Missa de Corpo presente, por Sua Reverendíssima o Bispo de Mbanza Kongo, Dom
Vicente Kiaziku, prova o que dissemos acima.
Um homem de fé que se dedicou à oração e a contemplação, havendo mesmo testemunhos que atestam ter sido encontrado varias vezes na Capela em momentos que não eram dedicados a reza!
Não se comparam os homens mas, podemos, na nossa pequenez humana, encontrar parâmetros cuja realidade nos colocam num lugar de escolha e avaliação, não fosse isso que fez Cristo ter à
altura da sua morte e ceado com Ele, somente 12 dos seus seguidores e companheiros. Não fosse este o sentido que levou Timóteo a escolher ou decidir como escolher os diáconos que serviriam ao
Senhor. Assim como Cristo não ceiou com a sua Família na Ultima Ceia, Hortênsio escolheu bem os seus companheiros e com quem queria passar a sua ultima noite, junto do Povo que ajudou a educar,
sociabilizar, ajudando na melhoria da qualidade de vida e combate as enfermidades que dizimavam a população. Foram mais de 40 anos de convívio permanente acasalado com todas as peripécias por
onde passou.
Hortênsio, marca uma sequência interessante de convívio ecuménico - dialogo inter-religioso da igreja católica na nossa região. Com o desencadear da guerra pela independência em março de
1961, o conflito se transformara numa disputa religiosa pois havia uma clara conotação dos ditos protestantes a revolta desencadeada pelos nacionalistas. E nisso, ouve uma onda de perseguição e
mortes de seguidores destas religiões, chegando-se mesmo a impedir que os não católicos entrassem nas instalações de protecção instaladas na ocasião. Exemplo pessoal poderia ser colocado aqui
para confirmar o que dissemos acima. Dizíamos então que Hortênsio foi um percursor desta vertente ecuménica pois um dos seus antecessores, Frei Camilo Peraro, teve um papel preponderante nesta
gesta. Aceitou todos como filhos de Deus e protegeu os que chegavam e com isso salvaram-se muitas almas e se reforçaram os laços inter-religiosos na região, apesar de muitas vozes discordantes na
altura e ainda hoje. Maior exemplo desta corajosa decisão foi a cedência pela Igreja Católica da Capela da Vila da Damba, para o culto dos Baptistas. Outro exemplo existirá, pelo mundo? O
Hortênsio, era Frei na Damba nesta altura! Rica mensagem para as Bem-Aventuranças, propaladas muitas vezes mas não materializadas!
Rossetto, o Hortênsio, Frei dos Frades Menores - Capuchinhos, cidadão do mundo, Servo de Deus, Cidadão Honorário da Damba, foi um grande amigo dos jovens. Fundou o clube Académica da
Damba, animou a sua actividade e trazia ou pedia equipamentos do Juventus de Torino para a sua equipa. As actividades produtivas da Missão tinham sempre o contributo dos jovens enquadrados por
esse eterno jovem, cuja vitalidade perdurará o tempo necessário para o desaparecimento das gerações que vivenciaram estes actos. Faz nos recordar aqui figuras como Makululu, guarda-redes que
admirava e, se a memória não nos atraiçoa, gerou o primeiro chará do defunto Padre, na conta de 84 conhecidos. Um verdadeiro record. Não se tratam de 84 homónimos mas sim de 84 pessoas que levam
o nome dele por reconhecimento dos seus merecimentos e por tudo o que representava a vida deste Santo Homem de Deus.
"Viciado" com a Eucaristia, Rossetto, estava sempre pronto para celebrar uma Missa. Nunca esperou ser escalado para tal e o fazia nos últimos tempos, totalmente em kikongo, língua que
aprendeu e utilizava fluentemente. As estatísticas dizem que celebrou cerca de 19.000 Missas, fora de outros actos religiosos como baptismos, reza do Terço, funerais, extrema unções e visitas aos
paroquianos mesmo os que viviam em regiões mais longínquas.
Na cerimonia que marcou a despedida deste homem de Deus, estavam todos os que presentes ou ausentes por varias razões, ele gostaria que lá estivessem. Sepultado junto dos seus companheiros
e irmãos, repousa junto de Camilo Peraro, outro dos monstros da fé da nossa querida Damba.
O Reverendo Padre, o Jubilado Frei Maiato, pediu para que Hortênsio, o Mundamba de Gema fosse recordado com o nome de uma rua na localidade, o que aplaudimos e acrescentamos que este nome
seja imortalizado por outros equipamentos sociais!
Obrigado, Hortênsio!!!