Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama
1. Significação dos termos.
Comecemos por analizar o significado do termo !Kung associado com os povos Khoi-san, originário de uma língua comum com o mesmo nome, falada por diversos grupos que constituem o povo !Kung
(ou San) que habitaram o sudoeste africano, compreendendo particularmente partes da Namibia, botswana e Angola.
Estudiosos costumam utilizar o termo Khoi-San para designar as populações ditas não-bantu, mas que na verdade atina para uma plataforma linguística, cultural e histórica que apresenta relativa
convergência. Efectivamente trata-se de dois grupos diferentes, os Khoi-Khoi e os San, que apresentam certas
semelhanças em diferentes domínios.
Uma lista de diferenças e semelhanças, bem como as desembocaduras que resultaram de sua dispersão pelo continente, é fornecida por Olderogge. De acordo com ele,
O exame das características antropológicas desses dois grupos mostra que os Khoi-Khoi e os San diferem em muitos aspectos: os Khoi-Khoi são nitidamente mais altos que os San, distinguindo-se
também pelas características cranianas, disposição dos cabelos e esteatopogia dos San. Além disso, as línguas khoi-khoi, os pronomes, que constituem a parte mais antiga e estável do
discurso, têm formas particularmente desenvolvidas: distinguem-se dois géneros, três números (singular, dual e plural) assim como formas inclusivas e explusivas, enquanto não há nada parecido nas
línguas san. Portanto, não há elementos suficientes para se classificarem as línguas san e khoi-khoi em um só grupo. Quanto às culturas desses povos, diferem em todos aspectos, como já fora
observado pelos primeiros viajantes que visitaram
África meridional no século XVII, como Peter Kolb… Cada um teve um desenvolvimento histórico específico. Os San constituem, com certeza, os remanescentes do povoamento original do extremo sul do
continente africano. Actualmente, estão confinados às regiões inóspitas e áridas da Namíbia e do Calaari. Grupos isolados podem também ser encontrados em Angola… As consoantes cliques,
características das línguas san, foram emprestadas por várias línguas bantu… De qualquer modo, a mais antiga população da África meridional não deve ser restringida aos Pigmeus nas florestas e
aos San nas savanas. Ao lado destes, outros povos
devem ter existido. Descobriu-se em Angola o grupo dos Kwadi, que, pela língua e pelo género de vida, aproxima-se muito dos San.
Nossas mostras em relação a !Kung foram recolhidas dentre populações que ocupam um espaço geográfico banhado pelo rio Okavângu, entre Angola, Namíbia e botswana. Pareceu-nos que
– ainda que Olderogge negue a junção dos grupos Khoi-San – os !Kung por nós estudados constituam uma mistura desses dois grupos: (i) Os Zindj, que parecem resultar de uma amalgamação de San, Khoi
e populações ditas bantu; (ii) Os Dzing, que aparentam ser San mas com mais altura (como os Khoi) entre os zimbabweyanos (bantu). Tanto os topónimos por nós recolhidos, quanto a análise
onomástica desses, indica que os !Kung da região que percorremos seja – de facto – um conjunto de diferentes populações. No seu importante estudo sobre etnografia do sudoeste angolano, Carlos
Estermann escreve: “No seu vocábulo, os bochimanes que habitam ao norte e a leste da área tribal são os Ova-ngôngolo, termo que parece ser adaptação fonética da palavra Kung, por que eles a si
próprios se designam”.
Com efeito, numa primeira vista parece estarmos diante de uma questão meramente fonética. basta notarmos que a expressão ngôngolo, também tem o mesmo valor semântico que !Kung nas
seguintes correlações: Ngongolo, entre outros significados, designa um “quintal circular”; da mesma forma, a expressão !Kung, particularmente na região que vai de !Kawundu (Namíbia:
!Kaudom) até a outra margem de Okavângu (Angola), remete à ideia de “nosso círculo comum” com o significado de “nossa aldeia comum”, ou ainda a “nossa unidade parental”.
Nessa amálgama de significações, convém sublinhar bem o sentido de “união” a que somos remetidos pois, mesmo existindo relações matrimoniais com os Kwanyama nalgumas circunstâncias, esse termo
designa entre eles uma “união” que não pode ser quebrada.
Os Nganza, uma das famílias de Khoi-San observam rigorosamente esta regra, princípio prático-existencial que se confunde com princípio vital essencial, que é: “tusânga bungudi vwa kwa ntalu. Tu
akimpalakani, lumbota-mbota mu ñlâmbu’a maza : ana fwâmbika, ana veteka; efûmbwa kana mfûmbilu, evetekwa kwa mpândi ye ñlôngo”, precioso tesouro; assim como os «lumbota-mbota» entrelaçados
a beira de um rio, as correntes podem envergar-nos mas jamais serão capazes de nos desunir”.
Na página 23 da sua obra, Estermann ilustra, a título de nossa tese que situa a origem do reino do Kôngo no Sul. Aliás, os Ngôngolo, isto é, os !Kung, proclamam energicamente serem
originários da “Nascente”8 (o que na sua língua constitui uma tautologia agradável), querendo dizer que seriam eles os primeiros habitantes em relação ao resto dos povos. Daí serem “rotulados” de
Ova-Kwankala9
e, de forma geral, por todos os Zimbabweyanos do Sul de Angola.
Contudo, tal como se viu, !Kung e Ngôngolo remetem ao mesmo significado“unidade” que subsidia o país inteiro. (=os antigos, os que nos precedem) pelos Ngangela, pois designam não só uma parte do
país, mas toda a exemplo, o plano do acampamento de Nameva: a volta dos abrigos há um cercado feito de ramos, alto e com duas aberturas, uma oposta à outra. Os abrigos estão dispostos segundo um
semicírculo bastante aberto. O quarto abrigo, a contar da esquerda para a direita, é o do chefe. Ao lado do sexto abrigo familiar encontra-se alguns paus espetados no chão: é o “dormitório dos
rapazes”. As
raparigas, mesmo grandes, dormem no abrigo dos pais.
Em seguida o autor desenha o acampamento de Nameva, que representaria todos os Bochimanes (sic), inclusive do país dos mesmos. Neste todas as casas são posicionadas tendo a “cabeça”
dirigida ao norte, e os “pés” ao sul (da nascente). Como o leitor há-de recordar, este dado remete ao nosso “Nsûndi tufila ntu, Mbâmba tulâmbudila malu” dos Kôngo, pressuposto central da
nossa tese que situa a origem do reino do Kôngo no Sul. Aliás, os Ngôngolo, isto é, os !Kung, proclamam energicamente serem originários da “Nascente” (o que na sua língua constitui uma tautologia
agradável), querendo dizer que seriam eles os primeiros habitantes em relação ao resto dos povos. Daí serem “rotulados” de
Ova-Kwankala e, de forma geral, por todos os Zimbabweyanos do Sul de Angola.
Contudo, tal como se viu, !Kung e Ngôngolo remetem ao mesmo significado“unidade” que subsidia o país inteiro. (=os antigos, os que nos precedem) pelos Ngangela, pois designam não só uma parte do
país, mas toda a unidade que subsidia o país inteiro.
Extratos do livro: A ORIGEM MERIDIONAL DO REINO DO KONGO.