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21 May

Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (58)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #Fragmentos históricos do Uíge.

 

Por Dr José Carlos de Oliveira.

 

 

 

 

A Comerciante das Praças, no Comércio Tradicional Zombo (3)

 

 
Estas populações vivem essencialmente da agricultura e das consequentes trocas. A partir de Setembro, com o início das chuvas, já as mamãs procedem regularmente às sementeiras que se estendem a Janeiro com especial relevância para a cultura do amendoim e do feijão por se tratar de culturas tradicionalmente de rendimento, sendo daqui que retiram parte do seu proveito nos mercados. No caso da cultura da mandioca, base do seu sustento, já se notam muitos progressos que aliás estão bem patentes na primeira fotografia. Uma outra cultura e fonte de rendimento das mamãs é a venda de banana, que constitui também uma base da sua alimentação. Em outros contextos que não o de Maquela do Zombo, a banana deixa de ser um recurso precário, para ser um lucrativo negócio.

Os preços dos principais produtos transaccionados começam a estabilizar, como por exemplo a fuba de bombó que provém essencialmente dos mercados do Uíje, Songo, Kangola e Negage8. Se contudo aparece alguma chuva, facto que conduz à quebra do processamento da mandioca, é sabido que as mamãs tratam imediatamente de inflacionar o produto. Esta transformação da mandioca em fuba é realizada semanalmente. Tem a ver especialmente com agregados dos residentes e retornados (da República Democrática do Congo) com mais de duas campanhas agrícolas realizadas.

No espaço do quintal de casa voltaram a criar galináceos em quantidade suficiente. Porém, as famílias estão ainda muito carenciadas da tradicional criação de caprinos e suínos, negócio do foro dos homens. Nas suas frequentes deslocações semanais à procura de alimentos de que carecem, levam geralmente pequenas quantidades da sua auto‑produção para venda ou troca, embora estas transacções resultem em receitas muito limitadas. Todavia conseguem produzir o suficiente para a sua alimentação.

Algumas mamãs menos afortunadas, dedicam o seu dia de trabalho àquilo a que chamam biscates, como por exemplo à produção do carvão. Quando se levantam por volta das 05H00 da manhã, mal enxergam um palmo à frente do nariz, devido à cerrada neblina matinal, partem para as suas pequenas lavras (hortas) a fim de tratarem do seu amanho e no regresso trazem lenha que serve, não só para cozinhar os alimentos, mas também para a produção de carvão. Tudo isto coadjuvadas pelas filhas adolescentes que tomam conta dos irmãos mais novos, ajudam a mãe nos afazeres do lar e especialmente na lavagem da roupa da família, fardo bem pesado para estas mulheres ainda meninas.

– 4.º Finalmente, chega‑se ao grupo das catorzinhas (leia‑se adolescentes). A este grupo vamos dedicar especial atenção. Levantar‑se às 5 da manhã, ir com a mãe buscar o seu balde de água à cabeça, todos os dias, sem um ai de lamento é imprescindível. Ir com as mamãs e com elas dividir o trabalho e tudo isto com os homens da casa a conversarem no quintal é muito árduo. As mulheres novas já não aceitam esta indiferença dos homens. Lá porque nasceram com um nome de linhagem reconhecida entre os seus, não trouxeram riqueza que ateste a sua ascendência; afinal e frequentemente, a única herança que o pai lhes deixou foi o nome da família. À luz da cultura kongo estas atitudes dos homens, aparentemente, nada têm de reprovável. Curiosamente, na Europa, especialmente no meio rural, ainda se observam algumas similitudes. Numa conversa a que assistimos em 2005, um alto responsável do Ministério da Cultura angolana ouvia constrangido um seu conterrâneo lamentar‑se que a mulher não o amava ao que muito secamente aquele respondeu “não tens vergonha? Quem tem que nos amar são as mulheres, tu não tens que te lastimar”.
 
Dizíamos então que a catorzinha enfia as suas chinelas de borracha sintética nos dedos dos pés e percebendo as violentas dificuldades da mãe e esforça‑se por dar a sua preciosa colaboração. Os bens de sua mãe são às vezes duas ou três bacias que comportam os utensílios da cozinha, a ferramenta que lhe garante o pão do dia‑a‑dia. No fundo, só transportam o medo da vida que até 2002 viveram. Ainda decorrerão muitos anos a dormirem em sobressalto ouvindo os sons dos tiros das metralhadoras e dos obuses. Por isso, desejam muito um homem por perto, provavelmente não para as proteger (têm muito menos medo deles que dos outros) mas mais para avisar os intrusos que o lugar em casa está ocupado.
 
Não se lastimam por os verem sentados, mas algumas destas mamãs enchem‑se de coragem, rangem os dentes, como fazem os homens e partem, abandonam tudo, umas desesperadas vão sozinhas, outras ainda com forças que vão buscar não se sabe onde, deixam marido que tem patrão e está bem como está. Pegam na filha adolescente e nos filhos pequenos e partem para longe, para os subúrbios das grandes cidades, aceitando qualquer biscate por onde possam recomeçar a viver. São ‘adoptadas’ por outras mulheres do mesmo subgrupo étnico. Muitas vezes começam por transportar água, escondendo que estão a levá‑la para outrem. Se questionadas dizem simplesmente que a vida está difícil, que quem tem posses pode pagar a quem as sirva. Começar por ter comida é muito importante. Sonham com a vida e com o tipo de vestuário que algumas mulheres novas usam, passeando‑se nos locais mais concorridos pelos homens que ostentam sinais visíveis de riqueza e que mandam os filhos estudar para a Europa. Estas razões de fortuna e de infortúnio, fazem com que as adolescentes comecem a rejeitar vivamente a árdua vida que levam na casa materna e frequentemente o inevitável acontece. Ficam grávidas por esta altura sem disso se aperceberem. Nem sequer se questionam por terem a falta do período menstrual. Passam muito mal, os namorados não aceitam a sua gravidez e até arranjam medicamentos tradicionais para elas abortarem. Esta situação torna‑se aflitiva, obriga‑as a esconderem o facto, que passa despercebido à mãe mas não à avó. Quando o bebé nasce é entregue àquela (à sua mãe). No dizer de uma jovem mãe Só estou com a criança para lhe dar chucha. Diga‑se que os namorados, uma vez passado o susto, acabam por se aproximar do seu filho e gostar da ideia. Então ‘amigam’ e a criança fica em casa da avó materna.
 
É difícil perceber estas catorzinhas e o seu esquema. O que a seguir dizemos continua a ser o nosso ângulo de visão de observador participante. No Zombo e logo em todo o distrito do Uíje as mulheres são mães muito cedo, engravidam assim que são púberes. Não se pode ajuizar este problema com ligeireza. As catorzinhas aprendem muito cedo a viver de uma forma adulta, sendo frequentemente pressionadas pelos homens e pela família e depois muito simplesmente no seu dizer, aconteceu. Muitas vêem que as relações sexuais servem especialmente como meio de, ao serem mães, terem alguém que no seu dizer ‘me tome conta’. Se umas têm como companheiro o pai da criança, outras nunca mais o vêem e ainda outras nem sequer sabem quem é o pai da criança. Com este cenário o pai acaba por ser o avô, ou seja o Nkaka.

 
Começa bem cedo o trabalho de casa

 

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