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16 Apr

Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (54)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #Fragmentos históricos do Uíge.

Por Dr José Carlos de Oliveira.


 

A Escola do Padre Mariano

 
 
A primeira vez que ouvimos falar do padre Mariano Rampazzo, responsável pela missão católica de Maquela do Zombo, na paróquia de Santo António, foi em terras do Negage, em 2005. Foi através de outro padre católico, que não conseguia compreender como era possível estar, há quase trinta anos, em Maquela do Zombo e ainda estar vivo. Como é que, aparentemente, sem nada para dar, tinha ajudado tanta gente? Como tinha ajudado os zombo, a serem umas vezes da FNLA, outras do MPLA e ainda, outras tantas, da UNITA?
 
Acerca deste assunto, D. Francisco, bispo do Uije, disse‑nos, um dia: “Às vezes, para irmos onde Deus quer, temos de ir a cavalo no Diabo”. Por isso, não nos admiramos dos estratagemas operacionais, utilizados, de vez em quando, pelo padre Mariano. Não fomos apanhados de surpresa quando nos disseram que aquele homem, sem nada de seu, a não ser a veste de missionário, sem benefício algum particular, a não ser uma fé imensa para dar pão e paz às populações, chegou a transaccionar os melhores e mais rentáveis bens do mercado zombo (marfins, entre outros). Em boa verdade, sempre ouvi dizer: “Quem não tem cão, caça com gato.” Parece‑nos mais útil, empregar a frase deste modo: “Quem não tem cão come o gato.”, pela simples razão, de nunca termos visto ou sequer ouvido dizer, que também se vai à caça com gato. O mais que pode acontecer é que a fome aperte muito e se coma o gato. Teria sido isso que o sacrificado padre Mariano poderá ter feito alguma vez.
 
 
A última notícia que tivemos dele foi, já este ano de 2007. Devemos a informação a Tito Osvaldo Baião. Só os que viveram e vivem, por aquelas terras em tempo de guerra, avaliam estes gloriosos malucos que empreenderam uma inconcebível viagem. Vale a pena registar o seu depoimento, no livro Luanda‑Porto 2003 (2005: 19).4
 
“A Missão Católica de Maquela do Zombo tem também actualmente uma escola. «Como professor que sou», diz o Tito, «chocou‑me ver aqueles jovens, entre os 7 e os 15 anos, que ali estudavam com um único livro e um quadro negro onde o Padre Mariano e os demais professores diariamente escreviam o conteúdo das aulas e do livro» – exemplar único para seu uso; os alunos vão transcrevendo para o caderno, o que é escrito no quadro. É necessária uma grande vontade e uma grande esperança por parte dos jovens que ali se deslocam, alguns vindos de bem longe, para estudarem nestas condições. Recordamos a nossa estadia em Sosse onde vimos jovens que levavam uma enxada numa mão e na outra o banco e a sacola com caderno e lápis. Às condições deploráveis para estudar junta‑se o perigo das minas terrestres ao realizar os trabalhos agrícolas. Os dados referentes ao ano de 2002 registam no território angolano um acidente de dois em dois dias daí o triste recorde deste ser o país do mundo com maior número de amputados.

 
 
Estes ‘malucos motoqueiros’ registaram, no seu documento, que o único lugar onde havia protecção e condições para pernoitar era na missão católica (2003), que funcionou como porto de abrigo, ao longo da guerra, desde a independência até ao fim.
 
“ (…) A região mudou diversas vezes de poder, disputado pelo MPLA e pela UNITA. Nestas mudanças, a Missão conseguiu proteger as populações, que fugiam das suas aldeias correndo todos os perigos, nomeadamente das minas.
 
O padre Mariano é um herói incógnito. Recordou momentos tenebrosos que viveu. Chegou a ajoelhar‑se perante um general da UNITA pedindo que a sua Missão não fosse destruída. Ouviu pelo rádio (que captava as ondas na frequência em que comunicavam as forças do MPLA), as ordens dadas no sentido de bombardearem a missão; os dois pilotos brasileiros, mercenários ao serviço do exército angolano, recusaram obedecer às ordens, dizendo que “foram contratados para fazer a guerra e não para chacinar as populações civis”. Dizia o padre Mariano, na sua grande Fé, que tinha sido um milagre o que tinha acontecido: terem sido poupados”.5

 
 
Face às anteriores descrições, imagine‑se o que seria procurar água e comida para que, os milhares de refugiados que ali eram acolhidos, sobrevivessem. O padre Mariano ajudava também as equipas de desminagem da ONU a tentar inutilizar as minas escondidas, no solo, especialmente as colocadas entre o aeroporto de Maquela e a estrada que liga o posto fronteiriço (desactivado) de Banza Sosso e a fronteira. É com ele que os técnicos, seja de que área for, contam para prosseguirem no seu trabalho.
 
Cabe aqui registar que o hospital local está dirigido por duas Irmãs da Misericórdia. Como superiora, a Irmã Annunziatina (Giuseppina) Loro e a Irmã Angelina Sartori, verdadeiras especialistas em ortopedia, para além de outras especialidades médicas. Aliás, convém registar que as irmãs desta congregação estão a ajudar as populações da zona, desde finais do século XIX. Durante o tempo colonial, especialmente nos últimos quinze anos, conhecemo‑las muito bem, colaborámos inclusive na satisfação dos seus pedidos de ajuda humanitária face aos dramas das mulheres e meninas zombo.
 
Agora, compreendemos algumas situações que chegaram ao nosso conhecimento, na cidade do Uíje, no que se refere às tremendas e delicadas situações de confronto. Referimo‑nos ao pormenor do padre Mariano poder ouvir, através do seu transmissor‑receptor, as notícias, na frequência em que comunicavam as forças do MPLA.
 
Apesar de tudo o que ficou dito, existe uma vontade de ferro da parte dos missionários das mais variadas confissões religiosas. Grandes sacrifícios estão dispostos a fazer, levados pelos seus ideais de propagação de fé e lutam afincadamente para assegurar o mínimo dos níveis qualitativos, movidos por razões de prestígio para cada congregação, em particular, e pelo desejo de se aproximarem dos padrões europeus equiparados. Estes missionários apenas podem contar com a sua própria dedicação, com diminutas verbas, com subsídios de organismos oficiais e alguns particulares que oferecem o que podem como donativos. Finalmente, resta notar que as contribuições das próprias famílias dos alunos são insignificantes e muito irregulares.
 
 

 

 

 

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