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26 Feb

Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (38)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #Fragmentos históricos do Uíge.

 

Por Dr José Carlos de Oliveira.


 

 

Muito recentemente, quisemos ouvir a esposa de um antigo professor da Missão Baptista do Kibokolo, que estava destacado na Vila do Bembe, quando esta foi atacada pela primeira vez.
 
“Os rapazes (com idade entre os catorze e dezasseis anos) armados de catanas entraram‑me pela casa adentro. Ouvimos um grande alarido, agarrei no candeeiro Petromax e fomos até à encosta tentar perceber o que se passava. «Vai‑te deitar senhora, leva os teus filhos (o meu filho mais velho devia ter 11anos) nós ficamos a guardar, ficamos aqui na sala». Pedras começaram a cair em cima do telhado de lusalite. Peguei na caçadeira de meu marido e comecei a rezar. Não desejava matar ninguém, mas se fosse necessário, para defender os meus filhos, usaria a espingarda. O clarear do dia chegou e eu não disparei a arma. Não sei com que intenções me guardaram, soube depois que estava destinada a um homem importante da missão. O que mais me ficou guardado na memória foi a expressão dos miúdos que me vigiaram, os olhos vidrados, semicerrados, posso dizer maus. Cheiravam a ‘Kaxipemba’, a aguardente de cana‑de‑açúcar. Mesmo que quisessem disfarçar não podiam. Percebi que alimentavam a transmissão de um ódio antigo, de um ódio que tinha muitas décadas. Aqueles rapazes eram os mesmos por quem o meu marido tinha lutado contra o chefe de posto, subtraindo‑os ao contrato9, e fazendo com que fossem bons alunos. Eram mesmo bons alunos, aprendiam com facilidade. Também sabia que o ódio não era só dedicado aos brancos mas também aos Baxikongo, aliás o sentimento era recíproco. Havia uma profunda rivalidade entre Bazombos e Baxikongos. Tudo isto pela preferência que os missionários tinham por certos auxiliares de pastor. Alguns iam mesmo para a Europa estudar. Recordo‑me especialmente de um rapaz extraordinário chamado Makondékua da BMS do Kibokolo. Recordo‑me de me dizerem, mais tarde, que só iam com destino a países do leste.
Dias antes, tinha recebido um telegrama do meu marido por intermédio do chefe de posto e entregue por um cipaio. Dizia mais ou menos isto: ‘Vem‑te embora com os nossos filhos e traz dinheiro’.
Entretanto, apareceu o mecânico da vila, olhou‑me furioso, pedi‑lhe que me fizesse o favor de me levar com as crianças ao Toto, que distava do Bembe, cerca de 30 quilómetros e onde havia um campo de aviação. Voltou‑se para mim rancoroso e disse: Quem fez esta guerra foram vocês os protestantes, ensinaram os miúdos e agora eles andam a matar pessoas. Porém, e apesar do ódio, teve pena de mim e levou‑me com os meus filhos. Não sei como coubemos todos na cabine incluindo a mulher dele. Na missão, ficaram duas enfermeiras inglesas e o seu director. Mais tarde, refugiaram‑se no Congo ex‑belga, em Kimpese, um pouco antes da missão ser destruída. Fomos metidos, à pressa, num pequeno avião da D.T.A. Durante o trajecto, o capim ardia, o avião voava muito baixo, vi perfeitamente, aqui e além, corpos junto às povoações comerciais. Vi fazendas a arder, mais corpos abandonados na estrada e até no capim.
Chegados a Luanda, a nossa igreja mandou‑nos para Portugal. Diziam que a guerra ia acabar em breve. Mais tarde, visitámos os nossos antigos companheiros da missão em Inglaterra. A enfermeira inglesa que falava correctamente português, disse‑me que perdoasse mas tinha‑se esquecido de falar português, por isso falámos em inglês. Tempos depois, soaram‑me aos ouvidos uns ‘zum zun’s da responsabilidade de David William Grenfell, director da Missão Baptista do Kibokolo, em todos os acontecimentos. Jurei nunca mais falar inglês. Anos depois, soube que um cónego católico, mestiço, Manuel das Neves, guardava catanas debaixo do altar e era um alto responsável da UPA, mas não foi só ele, o Padre Joaquim Pinto de Andrade também esteve envolvido. Afinal não eram só os protestantes os responsáveis, os católicos também não o foram menos, comecei a tentar novamente falar inglês.”
 
Passaremos agora a narrar o que, em 1995, David José nos relatou acerca da fuga de sua mãe, levando consigo então o David, com 10 anos aproximadamente. Devemos acrescentar que bastava olhar para o David José para se saber não estar na presença de um homem qualquer, tinha uma firmeza de carácter fora do comum.
Meu pai era um homem muito rico ‘tinha 17 malas cheias de colchas e ngudikamas’, além da sua fazenda de café. Sabemos que todos os zombo e povos adstritos convertiam o dinheiro que ganhavam, em colchas e cobertores, era a história antiga da riqueza dos panos. Fugimos sem nada, a minha mãe sabia o caminho, fazia‑o muitas vezes a passar panos de contrabando. Os guardas‑fiscais portugueses jamais conheceram aquelas passagens. Tínhamos muito medo de ser apanhados pelos militares portugueses, eles só viam o lado do combate, estavam ali para lutar contra o inimigo. Estavam ali mais para cumprir do que ter consciência dos actos que praticavam. A disciplina militar é das mais duras que existe. (…)
Quando fugimos de Angola em direcção a Moerbeke (já do lado do Congo Belga e a cerca de 90 quilómetros da fronteira) fizemos a viagem sempre de noite, sempre pelo capim. Lembro‑me um pouco de Maquela (lâmpadas florescentes). Demos com um controle militar mas a minha mãe mentiu dizendo que ia visitar um tio. O que nos mantinha era a força da comida africana ‘unkiabun’, isto é, segurar os intestinos, Funje, feito de forma a que não cozesse e amassado como se fosse pão de padaria, pondo‑se um pouco de farinha crua por cima, embrulhava‑se e cozia‑se de novo, e punha‑se ao sol. Dura vinte dias. Com essa ração, podíamos andar mais de trinta dias, comia‑se como se fosse funje de casa. Também havia a ‘kikuanga’, a diferença é que esta mastiga‑se. São ambas ração de combate. Do lado de Moerbeke, no Congo ex‑Belga, estava já a UNICEF, era lá que o director da missão protestante nos esperava. Ali, aprendi a 1ª frase ‘Shop Shop’ – ‘comida’ – deram‑nos um cartão de refugiados. Recebemos também uma guia que nos permitia entrar na capital, em Kinshasa, onde tínhamos parentes.

 
 
O último testemunho que apresentaremos de memória refere‑se ao português ‘Joaquim do Kusso’. Em 1953, foi abrir uma sucursal comercial em Sakamo (kusso), a cerca de 70 quilómetros da Damba e outros tantos da povoação de Kibokolo, na bifurcação entre os concelhos de Maquela e Damba. Iniciada que foi a guerra, o administrador da vila da Damba mandou que a população comercial do Sakamo recolhesse urgentemente à vila, integrando‑se no reforço da sua protecção.
 
 

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