Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (31)
Por Dr José Carlos de Oliveira.
‘Ração de Reserva’
A cana‑de‑açúcar, cortada em segmentos de 20 a 30 centímetros (para mais fácil transporte do caminhante), é um suplemento alimentar
natural muito eficaz, não apenas para o rendimento físico, como também para a recuperação da massa muscular dos caminhantes. Possui importantes fontes de sacarose, sendo também, um elemento
natural de baixo custo, encontrada em todos os mercados kongo. Os restos da cana‑de‑açúcar, às vezes espalhados nas nzila, (neste caso carreiros de pé posto) sempre passaram
despercebidos aos observadores dos grupos de combate dos batalhões da ZIN (Zona de Intervenção Norte), que operavam nos trilhos de ligação à fronteira. Quem anteriormente visitasse os mercados
nzandu, verificaria que, no final do dia, os restos fibrosos da cana ficavam espalhados à toa pelo chão. Os caçadores profissionais, reconheciam pela forma apresentada por esses
detritos, há quantos dias, determinado grupo tinha passado por eles. Se aparentassem ter as fibras unidas e ainda húmidas, o grupo tinha passado nesse dia. Caso os restos se apresentassem secos,
mas ainda unidos, o grupo teria passado acerca de dois dias. Se, enfim, as fibras parecessem estar em vias de separar‑se, era sabido que tinham passado há cerca de uma semana.
O gengibre era e continua a ser utilizado tanto na cozinha tradicional como nas caminhadas de infiltração dos guerrilheiros. É um
produto de origem asiática e um remédio tradicional utilizado na medicina popular de todos os continentes. Porém, ainda são necessárias investigações detalhadas que comprovem cientificamente os
efeitos desta raiz. De qualquer forma, sempre fez parte da dieta do povo kongo, que acredita nele como estimulante para quem caminha e ainda um anti‑reumatóide. As suas propriedades terapêuticas
como chá feito a partir de pedaços do rizoma fresco, fervido em água, é usado no tratamento contra gripes e, em compressas quentes, é aconselhado pelas velhas curandeiras zombo (comerciantes
especialistas no ramo de toda a bacia do rio Zaire), para aliviar sintomas de gota, artrite, dores de cabeça e coluna, além de diminuir a congestão nasal e as cólicas menstruais. Sabemos, por
contactos posteriores, com japoneses que, na sua terra, o óleo de gengibre é utilizado nos tratamentos tradicionais e famosos para problemas de coluna e articulações.
Outro alimento, o gindungo, é o famoso fruto conhecido no norte de Angola, por ndungo. Os zombo utilizam‑no na culinária
como tempero mas acreditam que usado na carteira junto ao dinheiro atrai os bons negócios. É conhecido cientificamente por Capsicum. Os seus arbustos não atingem mais de um metro de
altura e os frutos são os pimentos ou pimentões, que constituem as variedades doces. As variedades picantes são as pimentas, também chamadas de piri‑piri ou malaguetas, sendo frequentemente
utilizadas em África, com fins medicinais e culinários.
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A banana é produzida, pela grande maioria dos agricultores africanos, em agricultura de baixa escala e de subsistência, ou seja, para
consumo próprio e venda em mercados locais. Este fruto não é sazonal, estando disponível durante todo o ano, pelo que pode ser utilizado nas estações mais susceptíveis de escassez alimentar,
especialmente nas alturas em que o produto de uma colheita já foi consumido e o produto da seguinte ainda não está disponível. É por esta razão que o cultivo da banana tem uma importância fulcral
em qualquer sistema de luta contra a fome. Acerca deste fruto, deixamos, como nota final, um facto passado durante uma fortíssima crise de paludismo que nos atacou, nos finais de Setembro de
1961. Tendo a 5ª Companhia de Caçadores Indígenas do Batalhão de Caçadores nº 3 sido integrada no Batalhão de Caçadores 92, vínhamos, desde a povoação do Bungo sendo medicados pelo furriel
enfermeiro com comprimidos de Camoquina, à razão de dois comprimidos/dia, durante 15 dias; quando chegámos a Sanza Pombo, foi‑nos receitada uma forte dose de injecções de Atebrina. Não
conseguíamos pôr‑nos de pé e qualquer golo de água era imediatamente rejeitado. Por sorte, um jovem médico, ao verificar a nossa delicada situação, restituiu‑nos a saúde com uma dieta de oito
dias de banana macaco – trata‑se de uma banana pequena (cerca de dez a doze centímetros) de um sabor inigualável, daí que sejam as escolhidas pelos macacos. O médico começou por segurar a pequena
banana e dizer‑nos que a devíamos chupar lentamente. Retemos na memória que, ao fim de uns dez minutos, tínhamos ingerido, quase sem dar por isso, uns três centímetros da banana. Meia hora
depois, o médico deu por terminada a refeição, com meia banana ingerida. Nesse dia, comemos exclusivamente uma banana. No dia seguinte, passámos a duas bananas. Ao terceiro dia, já comíamos,
embora não tivéssemos força para nos levantar, uma banana a cada refeição. Passada uma semana, já conseguíamos comer sopa de legumes. E foi assim que uma dieta de bananas, nos salvou,
provavelmente a vida.
Outro alimento de grande tradição social é a noz de kola, o reputado makesu ou luumisu lua kanda, dos kongo e dos kimbundo.
Possuindo um gosto acre e algo amargo, contém grande quantidade de cafeína sendo usada, por muitas culturas do oeste africano, tanto individualmente quanto em quaisquer reuniões sociais.
Frequentemente, ainda é usada cerimoniosamente e ofertada como sinal de afecto aos convidados. Divide‑se em gomos e, antes de cada refeição, é ingerida lentamente, misturando‑se com a saliva,
promovendo uma melhor digestão. A sua ingestão vai permitindo fazer a caminhada sem haver necessidade de beber água. Tem acção estimulante provocando a regularização da circulação. Além disso,
constitui um tónico revigorante e, até mesmo, um excitante do sistema nervoso e muscular, tendo ainda propriedades antidiarreicas, sendo aconselhada, em casos de anemia, de convalescença de
doenças graves, de problemas estomacais, em certas enxaquecas e, sobretudo, nas perturbações funcionais do coração.