Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (3)
Por Dr José Carlos de Oliveria.
Antes da remodelação radical introduzida nos métodos de ocupação do Congo e iniciada em 1911‑1912, a tolerância relativamente à
intromissão portuguesa nos negócios da região era conquistada através de presentes, de aguardente e de transigências de toda a espécie face à real autoridade exercida pelos potentados locais.
Contudo, e face à nova situação introduzida por essa mesma remodelação dos métodos de ocupação, a colonização portuguesa em Angola vinha agora opor‑se à tolerância do indígena para com a
autoridade portuguesa. Porém, a carência de efectivos humanos para exercer essa mesma autoridade e para concretizar a ocupação efectiva é assim apreciada por António Jorge Dias (1957:
71):
“Infelizmente a falta de gente mantinha‑se, porque a emigração para o Brasil continuava e continua ainda hoje a levar‑nos uma grande parte
dos nossos excedentes demográficos metropolitanos. Só casos excepcionais, como a colonização de Moçamedes feita por elementos portugueses repatriados de Pernambuco contrariam a regra. A nossa
ocupação em África pode dizer‑se que era só costeira, pois as explorações levadas a cabo por alguns exploradores não tiveram repercussão nenhuma. A supressão das ordens religiosas, que se seguiu
à revolução de 1820, impediu que as missões continuassem a exercer a sua acção civilizadora […] Pode dizer‑se que a exploração sistemática dos territórios africanos do interior, sob o ponto de
vista agrícola e comercial, só começou a fazer‑se a partir do fim da 1ª Grande Guerra. […] Em Angola, a ocupação tem‑se feito aos arrancos segundo a iniciativa dos governos. Algumas dessas
tentativas falharam em parte, por falta de estudo, como foi a fixação dos madeirenses agricultores na Huíla, sem terem mercados que lhes comprassem a produção. Esta população acabou por se
degradar social e economicamente e hoje ocupa um status social semelhante ao do indígena. Outras foram bem sucedidas e serviram de estímulo a novas tentativas.”
Este conjunto de situações adversas aos intentos da administração colonial portuguesa justificava‑se por uma conjuntura, especialmente de
ordem geopolítica internacional, nomeadamente a questão do Mapa Cor‑de‑Rosa e da “Batalha do Congo” (a luta entre as grandes potências pela ocupação da Bacia Convencional do rio Zaire ou
Kongo)5. Para além do mais, toda a situação nos remete para o principal acontecimento político do primeiro quartel do século XX: a Primeira Guerra Mundial. Nesta altura, Portugal, um
país pequeno e essencialmente agrícola, foi confrontado, nas suas colónias, com uma situação profundamente adversa a que não eram alheias mudanças constantes de ministros do ultramar (mais de
cinquenta ministros foram entretanto nomeados). Armando Cortesão dirigia a Agência Geral das Colónias, quando pronunciou, na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1925 o discurso O Problema
Colonial Português, do qual Pierre Daye (1929:60) destaca “(…) cette interrogation effarante: «Comment peut‑on admettre qu’un pays de l’importance coloniale du nôtre ait vu se succéder,
en quatorze ans, cinquante et un ministres des colonies?»”. Não nos admiremos pois da constante mudança de Governadores‑gerais em Angola.
É neste oceano nebuloso que a nova administração colonial tenta navegar. Os seus denodados esforços esbarravam com profundos entraves,
nomeadamente as mudanças ministeriais que implicavam a política das colónias e obrigavam a uma constante rotação de Governadores‑Gerais. Citamos, de seguida, alguns dos factos enumerados por
Roberto Correia (2000 e 2001) relacionados com os kongo e que, naturalmente, afectavam os zombo.
Governadores‑gerais de Angola no período de 1909/1915
No governo de José Augusto Alves Roçadas (de 16/12/1909 a 26/10/1910)
“Agosto – Povos de Mandimba, Canda e Mateca invadem S. Salvador do Congo para exigirem ao Residente (administrador), Antunes
dos Santos, o não pagamento do imposto, como estava acontecendo com outros povos.” (2000: 392)
“Dezembro – 31 – O total da população de Angola seria de: 12 000 brancos, 9 500 mestiços e mulatos e cerca de 3 milhões de negros (e outras raças). […] Na área de S. Salvador do Kongo havia
apenas 100 europeus. O Distrito da Huíla, por sua vez, tinha então mais de 3 mil brancos.” (2000: 397)
No governo de Manuel Maria Coelho (de 18/1/1911 a 26/2/1912)
“Maio/Junho – Os Zombo entram em conflito com os soldados da guarnição.
Faria Leal e, depois o governador de distrito, José da Silva Cardoso, concentram as forças em
Maquela do Zombo. Estava em jogo, além do problema da cobrança do “imposto de cubata”, a distribuição
das zonas de aliciamento dos carregadores. Para tal, decidem fazer uma ocupação militar de alguns pontos‑chave: em Kibokolo, Bembe, Madimba e
Damba, os quais foram protegidos por forças militares e fortins. Houve um entendimento com as populações, não sendo necessário entrarem em lutas. Com isso normalizara‑se o comércio e os deslocamentos das caravanas, havendo mesmo certos progressos. Algumas povoações, então designadas “residências”, passaram a ter
uma influência e utilidade mais efectiva. Todavia, por outro lado, aumentavam os contrabandos de armas e munições, em trocas com borracha, que por sua
vez também começara a vir de contrabando do Congo Belga! Mas, no meio de tudo isso, uns e outros iam praticando o tráfico de escravos, às vezes sob a capa de “contratados” e muitos com a
colaboração e conivência de algumas autoridades portuguesas e dos seus auxiliares nativos, manobrados por comerciantes e “especialistas do ramo”, pois todos “comiam” uma certa percentagem desse
bolo, por cada cabeça comercializada!” (2000: 404)
“Julho – 1 – Kiditu foi “empossado” e não coroado, tendo o apoio de Álvaro Buta.” (2000: 405)
No governo de Manuel Moreira da Fonseca (de 26/2/1912 a 07/03/1912)
“Fevereiro – 26 – Encarregado do governo. Foi capitão‑mor do Bailundo em 1903. Março – Demissão do
Governador‑geral, Coronel Manuel Maria Coelho, por ser opor ao trabalho forçado e por ter expulsado diversos transgressores.” (2000: 411)
No governo de António Eduardo Romeiras de Macedo (de 07/03/1912 a
17/6/1912)
Março – 19 – O ministro inglês propõe o adiamento da chegada da
Comissão luso‑inglesa para se juntar à luso‑belga, na demarcação das fronteiras de Angola.
Abril – 11 – Circular nº 19‑J, do governo geral aos governadores de
distrito, pelo Chefe do Estado‑Maior, Major Manuel de Oliveira Gomes da Costa, para que a penetração pelo interior se fizesse pelas linhas comerciais, as quais seriam fortificadas com postos
militares.
“Abril – 26 – O Ministro dos Negócios Estrangeiros comunica ao governo inglês a forma e as condições da Missão
de demarcação das fronteiras de Angola.” (2000: 412)
José Mendes Ribeiro Norton de Matos (de 17/06/1912 a 03/1915)
“1913 – Fevereiro – Afonso XIII, rei de Espanha, avisa o governo português que ocuparia o seu território no caso da Alemanha
e a Inglaterra, partilharem as colónias portuguesas.” (2001: 21)
1913 – Setembro – 16 – Decreto sobre o Trabalho Indígena.
“1913 – Setembro – Tropas portuguesas avançam para o Pombo e o Sosso, mas encontram bastante resistência da
parte dos Bakongo, o que não esperavam, tendo sido morto o Capitão Praça. Foi o início da grande revolta
do Congo, onde se verificava uma enorme anarquia política‑militar.” (2001: 25)
“1913 – Outubro – Verifica‑se uma mais acentuada procura de trabalhadores em Cabinda, com destino às fazendas de S. Tomé. Em
consequência disso cria‑se um certo vazio nessa região, o qual foi tentado suprir com trabalhadores do Congo (zona sul), ou indo mesmo estes
directos para S. Tomé. Em seguimento dessa solução, o próprio chefe do posto, Paulo Moreira, sucessor de Faria Leal, manobrou bastantes sobas da região para fornecerem umas largas centenas de trabalhadores, num total de 1 500, para seguirem sob contrato para
aquela ilha. Todavia não teve grande apoio, conseguindo apenas convencer alguns voluntários por se tratar de trabalho remunerado. Esse fracasso foi
devido em parte à influência da Missão Protestante instalada naquela região.” (2001: 26)
“1913 – Novembro – 22 – O soba dissidente, Álvaro Buta, que havia sido
afastado das suas funções, protesta contra o facto do chefe (D. Manuel Kiditu), ter sido subornado nessa transacção dos trabalhadores, pelo que devia anulá‑la, devolvendo o dinheiro já recebido.”
(2001: 27)
1913 – Dezembro – 11 – Buta, reforçado, entra em S. Salvador
para manifestar o seu desagrado, sendo ouvido por todos os europeus ali residentes. Foi seu intérprete o catequista Miguel Nekaka. Exigiu a demissão de
D. Manuel Kiditu e a cessação do contrato dos trabalhadores para Cabinda e S. Tomé.
“1913 – Dezembro – 12 – O “chamado rei” não se fez esperar; despiu as vestes reais e refugiou‑se no
Congo Belga, para desagrado dos portugueses, mas com certa conivência do chefe Moreira.” (2001:
28)
1914 – Janeiro – Anulados os recrutamentos para S. Tomé, Norton de Matos segue para Quifuma. O chefe Moreira, revoltado e desagradado, manda prender diversos ex‑colaboradores. Seguem algumas forças de Maquela do Zombo e instalam‑se na fortaleza com a população. Norton demite o chefe Moreira.
1914 – Janeiro – 25 – Início dos ataques efectuados por Buta e seus apoiantes.
“1914 – Janeiro – Chegam reforços de Maquela do Zombo.” (2001:
30)
Durante o ano, existiam épocas favoráveis e desfavoráveis para a luta que se travava entre o chefe Buta e as autoridades portuguesas.
Para aquele, era importante que o capim estivesse muito alto para poder aproximar‑se das tropas portuguesas sem que estas dessem por isso. O mês em que tal se verifica é normalmente o mês de
Janeiro. Assim, e para além do capim estar muito alto, era uma altura de intensas chuvas que impediam os portugueses de progredir no terreno, dada a sua logística e tipo de material utilizado na
campanha. Por isso, se compreende que os militares portugueses se apressassem a resolver a contenda durante a época da ausência das chuvas (o chamado cacimbo dos meses de Maio a Agosto)
época em que se fazem as grandes queimadas na savana e, durante a qual, se podia vislumbrar de muito longe qualquer movimento suspeito. Como se pode verificar pela fotografia que a seguir
reproduzimos, o capim ainda está a crescer, pelo que facilmente se podia ver ao longe o resto da coluna militar (que podia bem ser uma caravana mercantil).
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A logística, enquanto grande problema militar no norte de Angola, não constituía problema algum nesta altura do ano. No caso de haver
deserções de carregadores, estas só poderiam dar‑se durante a noite. O perigo de um ataque era também muito remoto. Os ‘rebeldes’ kongo não se expunham. Eram demasiado conhecedores dos riscos que
corriam para tentarem qualquer investida. Esperariam pelo nevoeiro cerrado da manhã, que se verifica todos os dias nesta altura do ano. Por outro lado, tinham conhecimento de que, na coluna,
vinha uma nova arma dizimadora de homens: a metralhadora. Os seus informadores eram as populações das vata e como estas eram carregadores na coluna, mantinham‑nos a par de todos os
movimentos.
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Com a
colaboração de Associação dos Bazombos "Akwa Zombo, AKZ"
e-mail: joão_daves@yahoo.fr