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14 Nov

Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (22)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #Fragmentos históricos do Uíge.

 

Por Dr José Carlos de Oliveira.

 

 

Os “Últimos Filhos do Império Colonial” entre os Zombo(4)

 


Cabe aqui uma apreciação que nos parece ser a propósito para o nosso estudo: o ângulo de visão dos zombo face ao processo integrador da administração colonial portuguesa. Pelo nosso estudo se depreende que nunca se consideraram portugueses. Todas as tentativas de aculturação esbarraram sempre com o conceito que tinham da sua “terra”, da terra dos seus antepassados. Acerca deste conceito nos referimos já, com pormenor quando em secção própria, dissertamos sobre a Estrutura Política Zombo – Reflexões Sobre o Termo e Espírito NKU’U, daí que possamos extrair como ponto de orientação o facto de ter sido inviável converter os zombo em portugueses.

 
A política Administrativa seguida na fronteira zombo, entre 1960 e 1961, só contribuiu para agravar as tensões entre colonizadores e colonizados. Foi difícil, mesmo muito difícil, à administração ultramarina nesta zona, especialmente ao Intendente (administrativo com competência de governador de distrito) residente, em Maquela do Zombo, conciliar especialmente os interesses da Polícia Internacional e Defesa do Estado, do Comandante da 5ª Companhia de Caçadores Indígenas, do comando do Batalhão de Caçadores 88 e da 81ª Companhia de Caçadores Especiais.

 
Os elementos das elites zombo colocados propositadamente “à mão” dos administrativos portugueses começavam a obter informações vindas de dentro das casas dos responsáveis pela administração, segurança e defesa na zona de Maquela do Zombo (aproveitando muitas vezes os descuidos das esposas ou filhas dos responsáveis, sobre questões melindrosas) onde os zombo trabalhavam como lavadeiros, cozinheiros e frequentemente serviam à mesa as visitas oficiais à Intendência. Estavam bem treinados, pelas frequentes vezes, que foram sujeitos a interrogatórios, tanto na Administração do Concelho, como na PIDE (Policia Internacional e Defesa do Estado) já sedeada, em Maquela do Zombo, desde 1957 ou 1958.

 
Provavelmente só o Intendente de Maquela do Zombo estaria a par das visitas que os inspectores‑gerais faziam àquela zona, vindos expressamente de Lisboa. Estamos a lembrar‑nos que, mais ou menos dois meses após a independência do Congo ex‑Belga (Setembro de 1960) passou por aquela Intendência o antropólogo António Jorge Dias e sua esposa Margot Dias. Outros inspectores foram destacados para a zona de Cabinda, como foi o caso de José Hermano Saraiva e mesmo João Pereira Neto. Este deslocou‑se ao Uíje, por volta de Julho do mesmo ano. E a fronteira de Maquela do Zombo era na altura tão sensível às questões da independência do Zaire que este Neto, (1964:271) se refere à forma muito responsável como a política ultramarina se vinha debruçando há anos sobre o assunto:
“(…) Com as modificações na divisão administrativa operadas pela Lei Orgânica no Ultramar Português, as atribuições dos governadores de província passaram a competir aos governadores de distrito, tendo passado os intendentes a chefiar as repartições distritais de administração civil e a dirigir as intendências que foram criadas nas zonas onde a política indígena oferecia especial interesse (…)”.
 
Referia‑se Neto ao controle das seguintes zonas, que na mesma página coloca em rodapé:
“(…) Existiam quatro intendências em Angola em 1960: a Intendência do Congo, em Maquela do Zombo, a Intendência do Zaire, em Santo António do Zaire, a Intendência do Cunene, em Forte Roçadas; e a Intendência do Cuando Cubango, em Serpa Pinto.(…)”

 
A obtenção de informações sobre o movimento das populações e de indivíduos estritamente ligados a grupos subversivos eram obtidas através de favores concedidos a alguns privilegiados zombo. Quantas vezes, os informadores se viram obrigados a denunciar pobres inocentes. Se os não denunciassem, perdiam o emprego e a confiança dos chefes administrativos. Quantas vezes, por razões meramente particulares e egoístas, não denunciaram os seus rivais de vata ou senzala, sabendo que os estavam a mandar para as prisões. O seu papel junto da administração civil era objecto de grande simulação e dissimulação.

 
Um caso (entre alguns) do nosso conhecimento vem a propósito: José Manuel Kiassonga Petterson cujo nome indicia estar relacionado com a Baptist Missionary Society, sedeada no Kibokolo. Era pessoa da confiança e empregado da casa do intendente de Maquela do Zombo, em 1960. No final de 1961, era já o Ministro da Informação do GRAE, Governo da República de Angola no Exílio, com sede na central do Fuesse, junto à povoação “Sacrossanta da Kibenga” uma das linhagens mais antigas dos kongo. Será que o intendente não percebia a evolução dos perturbadores acontecimentos que se anunciavam? Perante os documentos que estudamos, entendemos que sim. Os governadores de distrito, tinham directrizes sobre o assunto que mantinham absolutamente secretas. O que estes responsáveis não faziam ideia nenhuma era do furacão que se aproximava e a situação tremendamente delicada que, em termos de política do governo central, lhes era reservada. Os altos responsáveis metropolitanos estavam espantados que ‘Angola ainda não estivesse a arder’ para aproveitar a frase que Hitler proferiu antes de entrar, em Paris, na Segunda Grande Guerra.

 
Esta secção não podia terminar sem uma alusão a uma figura muitas vezes ignorada e desprezada. Sem a sua experimentada autoridade (começava quase sempre por aspirante e até mesmo como escriturário) as relações entre europeus e os indígenas teriam atingido (na maioria das vezes, por culpa dos europeus) proporções bem graves. Um exemplo que deve de ficar registado sem que tal signifique menosprezo por outros é o caso do chefe de posto Farinha, que esteve à frente do posto de Kibokolo, durante muitos anos. Comecemos por lembrar a forma como deixava que o seu cabo de cipaios o orientasse nos mambu, assuntos em que a população do Kibokolo solicitava que definisse, através da sua acção de juiz, quem era o culpado. O chefe Farinha, muitas vezes fingia não ter percebido bem o assunto. Quando isso acontecia o cabo de cipaios fazia com que a fundação, a dita queixa, fosse de novo relatada. A paciência do chefe de posto não se esgotava, sabia perscrutar tanto o que ia no íntimo do seu ajudante como dos representantes das famílias envolvidas na questão. Conhecia‑lhes os usos e os costumes, por norma, acabava por encontrar uma solução (aparentemente) pacífica. Sabia que depois já na vata, o problema se estenderia por muitos dias, devido ao facto de exercerem a justiça (ao mesmo tempo) dois chefes: o chefe tradicional mfumu a nsanda, representante do poder matrilinear, e o chefe representante do governo português mfumu a luyalu. As funções das duas autoridades não se sobrepunham, mas os conflitos gerados pela competência face aos destinos dos contratos dos trabalhadores e a consequente situação da família do mesmo eram motivo de acesas discussões. Por consequência, a dinâmica desse processo laboral gerava também gravíssimos problemas à administração do governo, em Maquela do Zombo.

Via‑se assim o chefe de posto (quando era competente) a ser muitas vezes injustamente punido por acções para as quais não tinha sido preparado na Escola Superior Colonial, em Lisboa. Tinha de actuar por intuição, recordando lições captadas na administração do concelho. Para conhecer a mentalidade das populações necessitava de tempo, e aqui, mais uma vez, o cabo de cipaios era de incontornável importância. Quando era posto perante problemas que envolvessem especialmente comerciantes europeus e populações zombo, tinha de ter em conta os princípios e maneiras de agir de cada um dos intervenientes. Quantas vezes dava uma ordem para ser transmitida ao soba, que lhe vinha depois dizer que “Sim senhor, está tudo direito senhor chefe”, e ao verificar o resultado da ordem chegava à conclusão que nada tinha sido executado, ou (muitas vezes por simulação) estava tudo, ao contrário, do estabelecido. Voltava o chefe Farinha a explicar tudo de novo como se nada tivesse dito antes. Uma das questões mais importantes eram as que se prendiam com a família zombo. Certas atitudes que, na Europa, são à primeira vista tidas como criminosas, não são mais do que o resultado do conceito que o zombo tem da sua família, julgando‑se superiores a todos, nada aprendendo, segundo eles, por exemplo, com os muxikongo ou mayaka. Dos povos do norte de Angola deve ser aquele que mantém mais vivas as suas tradições. Subjugados, só depois da primeira Guerra Mundial, vivendo numa fronteira planáltica com rápido acesso ao ex‑Congo Belga, actual República Democrática do Congo, não admira que, pelo que a nossa exposição tem revelado, que continuem altaneiramente senhores.

 

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