Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (2)
Por Dr José Carlos de Oliveria.
Posto isto, temos muitas dúvidas que, pelo menos nesta situação e no que se refere aos interesses estratégicos, a divisão de África pelas
potências ocidentais se tenha traçado ‘a régua e esquadro’. Porventura poderemos esquecer os sacrifícios feitos, ao longo de décadas, por estes homens altamente qualificados (e suas mulheres) em
prol de uma cuidadosa ponderação sobre elementos antropo‑geográficos relevantes para as resoluções tomadas no âmbito da delimitação de fronteiras a que nós hoje estamos habituados a citar como
tendo sido traçadas ‘a régua e esquadro’? Parece‑nos que não.
É com as vantagens e desvantagens desta leitura sobre os assuntos referentes à delimitação de fronteiras que identificámos documentos que se
relacionam com relatórios do exercício de governadores do distrito do Congo, relatórios de capitães‑mores, mais tarde em funções como Residentes, ou administradores de concelho ou de
circunscrição. Isto no que respeita ao tempo em que se iniciou a ocupação efectiva, que consideramos ser o espaço de tempo que medeia entre o início do primeiro quartel do século XX e o seu
final. Alguns documentos tinham a classificação oficial de secretos e até eram cifrados. Agora desclassificados, podem ser consultados. Exibem ainda a chancela do Governo‑geral ou do Governo de
Distrito bem como de batalhões operacionais que a partir de Junho de 1961 fizeram a reabilitação dos eixos viários da Damba até S. Salvador do Kongo, passando por Maquela do Zombo.
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O teatro de operações da ocupação efectiva criava as maiores dificuldades às forças militares portuguesas. A este propósito, lembramos um
factor importantíssimo e que só ficou aparentemente resolvido a partir de 1961: o fardamento pesado e inadequado, as pesadas botas dos militares portugueses e o penoso arrastar das peças de
artilharia que denunciavam, ao longe, a sua aproximação.
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A observação das sociedades em presença leva‑nos a defender que o motor do advento dos portugueses, como minoria dominante da história do
Kongo ao Kunene desde o último quartel do século XIX ao princípio do último quartel do século XX, foi caracterizado por desníveis de tecnologia, em especial pela invenção e operacionalidade da
mais mortífera arma de guerra de então: a metralhadora3. Acrescente‑se ainda o sistema de comunicação morse, que abalou profundamente a supremacia e eficácia da comunicação
Kongo (em geral pelo tambor e estafetas) e a fotografia, enquanto nova fonte de informação militar.
No início do século XX, a Sociedade de Geografia de Lisboa pretendia inculcar, na política colonial portuguesa, uma maior racionalidade e até
cientificidade que pudesse assegurar e salvaguardar os interesses nacionais nas colónias, tal como Ângela Guimarães (1984: 226) afirma:
“Uma administração cientificamente organizada, dirigida por funcionários de elevado nível cultural e participada pela adesão
de determinadas camadas da população africana chamadas a um nível superior. Os restantes elementos das populações dominadas, depois de afeiçoados à propriedade e ao trabalho livre deveriam
tornar‑se competentes produtores e consumidores prevendo‑se uma estratificação com uma elevada média de técnicos auxiliares e uma vasta população de trabalhadores braçais. Uma exploração
económica de tipo moderno, tendo por base a realização de infra‑estruturas necessárias […] Defendia intransigentemente a integridade de todo o território nacional e o controlo pelo Estado de
todas as grandes empresas e empreendimentos.”
De um lado, estavam os colonizadores imigrantes, mais ou menos integrados na civilização da técnica e da ciência aplicada, dominados pela
economia monetária e largamente dependentes dos investimentos exteriores. Estes tentavam mobilizar os recursos locais para a construção de infra‑estruturas inexistentes e para colectar ou
produzir não só os produtos para exportação, mas também aqueles destinados ao incipiente mercado interno. Do outro lado, estavam os kongo, divididos em subgrupos com estruturas políticas
de tipo tradicional e organizados predominantemente para a auto‑suficiência. Os seus membros utilizavam técnicas agro‑pecuárias meramente empíricas, baseadas sobretudo no esforço físico humano. A
colecta e a produção destinavam‑se, na sua quase totalidade, ao consumo, num tipo de economia classificada de ‘subsistência’.
A organização social dos kongo não favorecia a diferenciação, já que o lugar e a função que o indivíduo ocupava na comunidade eram geralmente
determinados pelo nascimento e pela tradição4. O desenvolvimento geral das comunidades tradicionais enfrentava obstáculos não só de cariz económico, social e político, mas também
mágico‑religiosos. Graças à magia e aos rituais, fórmulas, amuletos e talismãs procurava levar‑se as forças sobrenaturais a agir em determinado sentido. Isto verificava‑se, sobretudo, no caso da
guerra. O facto do indivíduo se habituar a tudo e de esperar pela eficácia da prece, da súplica, do objecto mágico ou do capricho dos espíritos dos antepassados adormecia o seu sentido crítico e
constituía causa de estagnação intelectual.
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Com a colaboração de Associação dos
Bazombos "Akwa Zombo, AKZ"
e-mail: joão_daves@yahoo.fr