Os Zombos na Tradição, na Colónia e na Independência (10)
Por Dr José Carlos de Oliveria.
A “Capitania‑Mor de Maquela do Zombo”
Os homens europeus, que enfrentaram condições profundamente adversas, para a sua instalação, no que os kongo consideravam as terras do
Ntotila, eram gente violentamente obrigada a uma tenacidade que hoje temos dificuldade em imaginar. Se for da opinião de alguns que as guerras sustentadas no final da época colonial foram também
difíceis, respondemos simplesmente que não olvidem que, no início do século XX, não existiam as infra‑estruturas dos quartéis; a logística; os helicópteros para evacuar feridos; as enfermarias; o
Raio‑X; a penicilina; os quininos e até a motorizada quanto mais o próprio automóvel. Em 1961, os militares da 5ª Companhia de Caçadores Indígenas, sedeada em Maquela do Zombo, demoravam viajando
em viatura Unimog, seis a sete horas até ao posto de Sakandika (que distava de Maquela cerca de cento e setenta quilómetros) e ao chegar, tinham a casa do chefe de posto para os abrigar.
Os primeiros militares que formaram a 2ª Companhia Indígena, sedeada na mesma vila em 1912, tiveram em conta a escolha estratégica do local,
ou seja, a instalação do mesmo orientada para a melhor panorâmica em relação aos povos que mais os preocupavam, ou seja, os zombo e ao mesmo tempo, procuraram as veias de água potável mais
próximas, factor incontornável para a instalação de uma pequena unidade militar. Tiveram também de construir os primeiros abrigos rudimentares, utilizando os carregadores angariados na região,
que com as suas próprias técnicas indígenas, não só facilitavam o andamento dos abrigos como estes eram os mais operacionais e que finalizados, se resumiam a autênticas cubatas de chão térreo.
Meses depois, seriam substituídas por casas com paredes de taipa cobertas a colmo. Demoravam em marcha forçada (sem impedimentos de qualquer ordem como por exemplo ataques inimigos ou chuvadas
torrenciais), entre quatro a cinco dias, para perfazer o mesmo percurso, com uma agravante de terem de levar todo o material às costas e, se alguma vez transportavam uma peça de artilharia, na
melhor das hipóteses, contavam com uma mula e imediatamente tinham que se preparar para abivacar (isto é, preparar as tendas para permanecer os dias que fosse necessário no local), para depois de
recuperadas as forças seguirem até à zona da instalação da capitania‑mor do Kuango.
Passemos agora a uma fotografia deveras relevante para a compreensão do papel do militar, em Maquela do Zombo.
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Em primeiro lugar devemos considerar o modo como a população em geral, hoje‑em‑dia observa o fenómeno do militar. Para os homens e mulheres
portugueses, cuja idade ronde entre os 45 e os 65 anos aproximadamente, esta fotografia concerteza lhes recorda algo que lhes foi muito familiar. Entretanto, o restante povo português através da
televisão tem tido certamente ocasião de apreciar pequenos documentários acerca da guerra do ultramar (1961/1975). Porém, entre os primeiros portugueses citados e os segundos vai uma diferença
abismal. Uns viveram mais ou menos dramaticamente os acontecimentos, outros não deram por isso, a não ser por noticiários da comunicação social, televisão, jornais e rádio. Mesmo entre os
primeiros, se deve distinguir o militar que ficava no quartel prestando serviços de manutenção, e o militar no palco das operações de combate.
Em segundo lugar, passemos a uma análise pormenorizada da dita fotografia: primeiramente, os homens que constituem a pequena coluna estão de
costas para o capim, olhando em frente como quem perscruta algum movimento, o que indicia que o seu ângulo de visão do sítio onde se encontram será mais abrangente. Reparemos secundariamente que,
o militar indígena à direita, e em primeiro plano, parece não confiar e volta o seu olhar para aquilo que se passa nas suas costas. Em terceiro lugar, se observarmos bem a fotografia, daremos
conta que o espaço, a determinado momento (mais ou menos cinquenta metros), se torna nublado. É exactamente a este nevoeiro, que em Angola se chama cacimbo(a), e que como veremos mais adiante o
inimigo a coberto da neblina avança e dispara, à distância de poder acertar no alvo.
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Na fotografia acima, os soldados e o respectivo comandante (o único europeu) posam para a fotografia em traje de cerimónia. Embora não seja
muito claro, os soldados usam sandálias (provavelmente feitas de pele de búfalo) em vez de sapatos. A razão para que tal aconteça é porque a sua forma do pé jamais caberia em qualquer sapato e,
por outro lado, provocar‑lhes‑ia tanta dor que os impediria de progredir no terreno. Ainda observando a fotografia, sabemos que a podemos localizar no Kuango, portanto em terras dos vizinhos
yakas. Ora, a estatura do yaka não difere muito da do zombo e a deste por sua vez pouco ou nada da do muxikongo, e a acrescentar a este dado, o fácies dos soldados não nos parece familiar. A
explicação estará no facto de, nessa altura, se ter deslocado do sul de Angola para esta região, a força expedicionária que estava combatendo os kuamato, nos antípodas da região do Congo, que
tinham a vantagem de se encontrarem bem rodados na guerra e, ainda por cima, o estarem a operar em terra estranha, permitia ao operacional não se confrontar com problemas que se relacionem com o
acareamento com vizinhos e amigos.
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Pela fotografia acima, algo se torna patente logo à partida: a ordem do espaço, o aprumo do militar e a higiene visível na limpeza dos espaços
circunvizinhos e isso reflecte as preocupações da administração colonial que, nesta altura, já começava a colocar em prática (isto é tornando‑as operacionais) as noções teóricas dos Guias de
Saúde que entretanto se foram publicando. Aqueles que viriam a constituir o “Povo Angolano”, melhor dizendo a “Nação Angolana”, ainda hoje, podemos afirmar que a integração dos povos, depois de
algumas transformações abruptas, não está totalmente concretizada na afirmação de Nação Angolana.