Os Zombo na Tradição, na Colónia e na Independência (1)
Por Dr José Carlos de Oliveira
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Do Advento da Civilização Técnica e da Ciência Aplicada à Consequente ‘Situação Colonial’
Sempre que duas sociedades entram em contacto, existe certamente, de ambas as partes, um aperfeiçoamento de que ambas virão a comungar.
Todavia, o nosso caso tem a ver com sociedades detentoras de níveis tecnológicos distintos. Este desnível tecnológico acarreta grandes perigos, de vária ordem, para a plena realização deste tipo
de contacto de culturas. Cabe aqui citar Neto (1964:18) quando este afirma:
“Os exemplos de contacto em causa nas sociedades modernas mostram‑nos que os grupos intervenientes têm, além de desiguais níveis
tecnológicos, desiguais expressões demográficas, coincidindo, normalmente, a menor expressão demográfica com o mais aperfeiçoado índice tecnológico.”
No caso das relações seculares entre os zombo e os portugueses, também tal se verificou: os portugueses sempre foram uma minoria detentora de
outro tipo civilizacional e de conhecimentos técnicos mais aperfeiçoados que lhes permitiram obter resultados favoráveis aos seus propósitos.
Relativamente ao conceito ‘situação colonial’, este deverá ser aqui entendido tal como Coissoró (1957:12/13) o define:
“O fenómeno colonial, hodiernamente, torna‑se assim objecto de uma investigação particular, de que a nossa boa doutrina já deu conta
quando, abstraindo‑se do binómio puramente formal «Metrópole‑Império colonial» procura fracturar a realidade colonial – por si polimórfica – alicerçando‑se nas estruturas básicas de cada relação
colonial, terminologicamente definida por situação colonial.”
No caso da delimitação de fronteiras que tiveram por base a bacia do rio Zaire foi preciso um entendimento científico entre as potências
ocupantes (o governo português e o rei Leopoldo da Bélgica) para que se percebesse a quem se deveria atribuir as responsabilidades do território que viesse a ocupar. Para que tal se conseguisse,
utilizaram‑se métodos geográficos dos quais faz parte a carta geográfica que a seguir reproduzimos. Esta é testemunho primacial do resultado (e a um só tempo, a causa) de uma série de factos
histórico‑políticos internacionalmente relevantes para o futuro dos zombo e de todas as sociedades presentes neste espaço histórico‑geográfico, das quais destacamos a sociedade portuguesa que com
eles tem vindo a compartilhar o mesmo espaço geopolítico.
Trata‑se de um mapa assinado por comissários autorizados pelos governos português, inglês e belga e diz respeito à localização de pontos
geográficos estratégicos para a conclusão da documentação que viria a regulamentar os parâmetros da delimitação de fronteiras entre Angola e o antigo Kongo Belga, hoje República Democrática do
Congo. No lado esquerdo do documento, está representada a região do rio Kuango, o vértice da fronteira noroeste de Angola. Em toda a carta são visíveis os traçados dos percursos feitos
a pé por exploradores investigadores que, após demoradas visitas aos potentados e baseados nesses passos, viriam a prestar as melhores informações para a definição da delimitação das fronteiras
luso‑belga. Isto viria a ter um papel profundamente relevante para a Convenção de Berlim de 1884/1885.
Ainda no âmbito do processo de delimitação das já referidas fronteiras, não fazemos ideia de quantos investigadores dedicados a estas
questões da antropologia política, social e económica conheceram ou conhecem estas paragens1. Nós conhecemos essas gentes e os lugares e sabemos quantos perigos corriam aqueles que
se intrometiam nos negócios económicos e políticos do Kiamvo. Por isso, ao compulsarmos a obra já referida sobre George Grenfell sabemos que antes de este se dirigir ao Kiamvo,
Mwene Puto Kasongo, consultou o Governador‑Geral em Luanda a fim de preparar, no terreno, o percurso da sua viagem de barco até ao Dondo, tal como tinha acontecido trezentos e
cinquenta anos atrás com Paulo Dias de Novais. A partir do Dondo, fez o percurso em caravana até se encontrar, ao fim de cerca de oito centenas de quilómetros, com o grande chefe
Kiamvo. Algo nos diz que os contornos da viagem foram cuidadosamente preparados por Grenfell e pelo não menos relevante investigador e explorador português Henrique de Carvalho,
acompanhado pelo Major Sarmento.
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Segundo Johnston (1908: I: 199), a expedição foi levada a cabo com protecção militar suficiente. Inteligentemente, tal como
sempre, o chefe Kiamvo já devia vir a acompanhar de longe a caravana dos europeus, medindo o seu grau de perigosidade e, portanto, “Fortunately Kiamvo, decided to accept these
overtures”. (Johnston 1908: I: 199). A finalidade desta expedição era tão delicada e complexa que os seus responsáveis no terreno resolveram ir acompanhados de duas senhoras: uma, a esposa
de George Grenfell; outra, a esposa do Major Cândido Sarmento. Aqui estamos perante outro facto singular: a esposa de Grenfell integra‑se perfeitamente no ambiente social local, devido à cor da
sua pele e aos profundos conhecimentos sobre os habitantes das terras do Kiamvu. De facto, Mrs Grenfell acompanhava há já doze anos a maioria dos passos diplomáticos e evangelizadores
do marido. O facto de as mulheres acompanharem os seus homens teve e tem um grande significado nestas paragens. Para os habitantes locais, era sinónimo de que estes brancos não vinham ‘raptar’
as mulheres locais sem a autorização do chefe da vata.
Com a colaboração de Associação dos Bazombos "Akwa Zombo, AKZ"
Email: João_daves@yahoo.fr