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Portal da Damba e da História do Kongo

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Página de informação geral do Município da Damba e da história do Kongo


Faria Leal e os “Ingleses”

Publicado por Muana Damba activado 19 Enero 2015, 14:40pm

Etiquetas: #Fragmentos históricos do Uíge.

 

Por Dr. José Carlos de Oliveira

 

Jose Carlos de Oliveira l

 

“… «De todas as ciências» diz Mundy, «a mais perigosa seria a do controlo do pensamento dos povos, pois permitiria governar o mundo inteiro».

 

Por esta fotografia pode-se avaliar o tipo de missionários ao serviço da rainha Vitoria, e mais, a tecnologia de ponta ao seu serviço, não esquecendo os meios financeiros de que dispunham, sem comparação possível com os disponibilizados aos exploradores portugueses. Note-se a sofisticada aparelhagem de filmar já então utilizada.

 

Trabalhos de Campo do missionário G. Grenfell, 1906.

 

Antes do mais uma nota: comecei a visitar a Missão Baptista de Quibocolo, nos finais de 1954, tinha então dezasseis anos. Era para lá que ia caçar rolas com uma pequena caçadeira de 9mm. A missão estava cercada de imensas palmeiras, abacateiros, mangueiras e outras árvores de fruto. No seu perímetro as lavras (hortas) de amendoim, eram submetidas a constantes visitas de rolas e perdizes.

 

Meu pai, para “compensar” a minha tristeza pelo facto de me ter enviado no final do curso de ajudante de guarda-livros, (assim se chamava o Curso Complementar de Comércio) para a povoação de Quibocolo onde residiam quatro europeus (3 homens e uma mulher), sendo que o mais letrado tinha a segunda classe, deu-me então a dita espingarda. Jovem como era, não tinha a menor consciência que ao percorrer os caminhos para as matas, podia, por exemplo, deparar com um leopardo ou uma pacaça (búfalo) ferida. Feliz-mente nunca aconteceu, mais tarde, já adulto, sim.

 

Durante esse ano iniciei as visitas ao “mfumu” Grenfell, primeiro admirei o invulgar respeito que os bazombo mais velhos lhe dedicavam. Descobri então que existia um livro muito importante para as gentes da missão: a bíblia e curiosamente escrita em kikongo. De seguida tive uma ideia. E se começasse a aprender a ler e escrever a língua nativa, o kikongo? Quem sabe se assim começaria a vendar mais artigos da loja de meu pai e a comprar mais café, feijão e amendoim? A resposta não se fez esperar: os velhos começaram a tratar-me por “muana m’pelo” filho de missionário católico ou protestante... Foi assim que ao longo da vida fui entrando fundo, na filosofia “ apócrifa “ kongo.

 

Voltando a Faria Leal, foi o mesmo obrigado a admitir que as missões religiosas faziam um trabalho prestimoso inclinando-se mais para apreciar os missionários batpistas que os católicos. Não era um jacobino ferrenho que desejasse a abolição de todas as ideias religiosas. Bem pelo contrário, são dele as seguintes linhas:

 

“… somos de opinião que a falta de religião em massas pouco instruídas e mal educadas é um passo para a dissolução social…”

 

Como se pode depreender por este artigo, foi muito difícil ao Residente encontrar um equilíbrio entre os diversos clãs com acesso directo ao poder tradicional. Aliás, o rei perdeu grande parte do seu poder, quando o governo português, por influência do missionário António Barroso, lhe conferiu uma renda de 30.000 reis mensais. Nessa altura os últimos poderes temporais do rei ficaram drasticamente diminuídos. Já não cobraria o imposto pago pelas duas missões e pelos comerciantes.

 

A autoridade dos conselheiros do rei também se ressentiu, e muito, o que permitiu uma maior pressão das igrejas sobre os povos kongo. A luta pela hegemonia do controle de adeptos à catolicidade e ao protestantismo foi crescendo, verdade seja dita que o ensino da língua portuguesa foi ganhando terreno, especialmente entre os alunos das duas missões. Esta mudança de pensamento fez com que Faria Leal reconsiderasse algumas das suas apreciações acerca da maneira das missões religiosas educarem os povos, embora continuasse a pensar que a luta religiosa muitas vezes surda, outras vezes mais acesa, continuaria a ser o seu maior problema administrativo.

 

Festa da inauguração da primeira pedra da escola baptista.

 

“A esses missionários estrangeiros devem os nativos do Congo uma parte da sua educação e muitos civis e militares portugueses neles teem encontrado sempre o auxilio que lhe teem solicitado nas ocasiões em que o desamparo, a que tem sido votado o serviço de saúde, os tem obrigado a recorrer à sua medicina, muito principalmente depois que se encontra no Congo o distinto médico Mercier Gamble, ao serviço da mesma missão”.

 

Aqueles tempos eram prolíferos em lutas religiosas (hoje também). Quando exauridos, os missionários se cansavam de infernizar mutuamente a vida, entravam em negociações, estabeleciam áreas de influência e então havia tempo para “limparem as armas”. A esmagadora maioria dos missionários eram gente jovem, na flor da vida, as mulheres portuguesas ou estrangeiras que os acompanhavam aguentavam menos as doenças endémicas. Engravidavam sabendo que a morte as espreitava a todo o momento. Não tinham a quem recorrer a não ser aos serviços de saúde da missão baptista que, diga-se em abono da verdade a todos assistia sem olhar a cor ou religião, porém os interesses das potências coloniais faz com que esta solidariedade esmoreça ou mesmo desapareça. É a época dos elefantes se zangarem.

 

Era o tempo das razias entre os europeus flagelados pela mosca tse tse, (transmissora da doença do sono), ou do mosquito anopheles causador da mortífera malária e de outros parasitas portadores de outras doenças endémicas. Por exemplo, a esposa do missionário Comber pouco sobreviveu à sua chegada (1879), o mesmo missionário faleceu em 1887, o missionário Dixon, chegado em 1881 foi trucidado pelos boxers, juntamente com sua esposa em 1901, Alexander Cowe faleceu poucos meses após a sua chegada em 1885, Phillips Davies chegou ao Congo em 1885, faleceu em 1895, Samuel Silvey, começou a servir em 1886, faleceu em 1889, e tantos outros47. O próprio Faria Leal esteve muito mal em 1904 e foi o médico inglês Mercier Gamble que o salvou de uma morte quase certa. Diga-se que este missionário se dedicou afincadamente ao estudo e tratamento da doença do sono, tendo conseguido alguns resultados completos no tratamento pelo atoxil.

 

O médico Gamble na enfermaria do novo hospital,1904.

 

Esta é uma das razões estruturantes do êxito que as missões baptistas conseguiram no Norte de Angola. Em todas as vatas (aldeias) da zona de acção das missões baptistas, nos anos 50 do século passado, havia uma escola rural, muitas com telhado de zinco, dirigidas por um competente catequista Kongo que, ao mesmo tempo era um temível agente subversivo contra o Estado Português. A partir de meados dos anos 50 do século passado tornaram-se líderes dos partidos tribalistas, sendo que a União das Populações do Norte de Angola, (UPNA) mais tarde UPA foi o que mais catequistas recebeu no seu seio.

 

Aliás, James Grenfell, observou que a mudança da cultura Kongo beneficiou muitíssimo com a educação que as missões baptistas lhes prestavam. As mulheres consciencializaram-se da sua dignidade e valor para a família tradicional, a poligamia era “suavemente” desencorajada (tal proibição nunca surtiu efeito entre os bantú) e, se bem me parece, em todos os povos do mundo. Tudo depende do poder económico dos homens para sustentar uma família alargada mais ou menos “legítima”. Nos tempos que vão correndo o casamento passou a ser uma questão de custo/beneficio, tornando-se o contrato do enlace muito precário, dependente do estatuto económico da mulher ou do homem.

 

Voltando ao ensino escolar e às práticas da assistência médica prestada, as mulheres começaram a compreender o benefício trazido ao seio da família pelas curas verificadas o que originou mudanças face ao respeito guardado ao “nganga” curandeiro tradicional. Os novos enfermeiros Kongo, não aprenderam só medicina, aprenderam também bases da política subversiva.

 

“O povo Kongo tinha já um interesse ardente em política. A morte de um rei originava sempre uma luta pelo poder entre os clãs antes de um novo rei ser eleito. Eles tinham um sentido profundo de justiça, que no passado, tinha implementado a resistência à opressão portuguesa e que faria o mesmo no futuro. A democracia das reuniões da igreja baptista criou uma comunidade activa e participativa que tendia a aumentar a consciencia política de um grupo mais lato entre a sociedade Kongo e mais tarde a sociedade Zombo".

 

Esta nota é suficientemente elucidativa para se perceber a decisão do responsável do governo português da pasta do Ultramar em optar pela expulsão do revº David Grenfell e seu pessoal (Julho 1961) bem como a posterior destruição da maioria das instalações das missões no Norte de Angola

 

Saída da comitiva de propaganda protestante de S. Salvador

 

No meu tempo, a comitiva já não tinha este aspecto, mas ainda apreciei algumas vezes, a experiente e dedicada enfermeira Edna Staple a passar por nossa casa, a pé, com dois ou três auxiliares, em visita sanitária aos povos da serra da Kanda. Diga-se que as autoridades sanitárias portuguesas estavam envolvidas, aliás com muito êxito, no problema da erradicação da doença do sono, situação que obrigava a uma logística de muito maior envergadura, mas para isso a governação era portuguesa.

 

Não admira que a politização das elites Kongo, em especial do movimento Nguizako pelo lado dos católicos e a génese do pensamento politico dos Bazombo (Alliazo) pelo lado dos protestantes dessem origem ao movimento Kimpwanza (independência) que passou a ser discutida, secretamente, em cada Vata de cada Banza (aldeias de cada vila). A ideia era expulsar os portugueses, através do terror, em dois ou três meses. Diga-se, de passagem que os responsáveis portugueses pela politica ultramarina esperavam um incêndio tipo “Paris já está a arder” previram o fortíssimo morticínio causado pela UPA, o que não esperavam foi a resistência da população portuguesa durante os primeiros três meses. Essa reacção provocou o início do êxodo dos kongo para a zona bakongo da então República do Zaire. Dizia Savimbi (o líder angolano da Unita) que “Quando os elefantes se zangam quem sofre é o capim”.

 

 

 

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