Por Carlos Álves* .
A comparticipação dos dambas, nos actos gerais do terrorismo, é um tema que merece alguns momentos de reflexão. Viu-se já que eles não se precpitaram na prática de babaridades, como era exigido no manifesto do chefe. Desde o rebantamento do terrorismo, decorreu um mês sem darem sinal de si. Se as instruções preparatórias tinham sido as mesmas em todo território; se a ordem final foi a mesma, assim como o tipo de armas a utilizar; porque procederam de modo diferente ?
A resposta talvêz possa ser dada pela força anímica que os move. Os dambas têm história. Entre os grupos étnicos que habitam o antigo reino do Congo, eles distinguiram-se sempre dos demais, pela macieza dos seus costumes, e pelo seu apego ao trabalho, nos vários ramos de agricultura, artesanato e negócios. No tempo em que as relações dos seres da extstência se processavam muito ao pé da Natureza, eles seguiam já regras certas de vida morigerada, nos moldes duma civilização remota.
Os mindamba em 1951. (foto Morais Martins )
No trato familiar o homem era o chefe, aoi mesmo tempo o braço produtor dos meios de bem-estar. A mulher era a auxiliar, a mantenedora da lavra da comida, e da educação dos filhos. Na agricultura, os dambas produziam os géneros próprios da terra, em grande escala, cujas sobras levavam a vender nas "quitandas" (mercados) da região. O feijão da Damba, amarelo. gordo,seleccionado.fez carreira no comércio português, do tempo da ocupação onde era permutado por tecido e quinquilharias.
No artesanato, eles forjaram a enxada para amanho da terra, a catana para a roçagem da mata, a faca e toda uma teoria de utensílios para o uso doméstico. Nas suas forjas rudimentares fundiram metais e moldaram "malungas", argolas de várias bitolas com que as mulheres enfeitavam os tornozelos. Eram de arte e perícia, as aplicações de metais em embutidos, nas cadeiras de prestígios, nas bengalas e nos mais variados objectos de madeira.
Na olaria, manufacturam a panela, a sanga para a água, o prato, o cachimbo e muitos outros objectos de uso caseiro. Em questões de negócio, foram mestres. Vendiam nas quitandas todos os productos da terra e de seu fabrico, além da criação e carne fumada. Tinha grande aceitação a "cuanga" por eles fabricada, o pão da terra, amassaddo com mandioca fermentada, formadas em bolas, envolvidas em folhas de bananeiras e cozidas a vapor. De madeira trabalhada ofereciam pequenas esculturas, cachimbos, colheres, pratos e várias outras peças de uso corrente.
Como negociantes, bateram todas as outras etnias. No tempo do antigo Congo Belga, negociaram em câmbios, entre o franco belga e a moeda portuguesa de prata. Quanndo a produção de café começou a progredir, no Uíge, eles organizaram caravanas especiais para a compra de café, para irem buscar novo sortido de mercadorias, que ofereciam nos povos a preços mais baixos que os praticados pelo comércio estabelecido.
Atravessavam a tronteira sem dificuldades, no exercício do seu amplo negócio, livre de quaisquer encargos fiscais. Com estas andanças eles prosperamram, em prejuizo do comércio legal. O contrabando dos dambas teve a sua história. Os danos causados ao comércio e ao erário público, foram de tanta monta, que o governo de Angola, em defesa dos interesses da Província, tomou providências drásticas. Os jornais da época referiram-se ao caso, largamente, considreando-o como flagelo do Congo.
Em resumo: Gente com este perfil, dada ao trabalho e ao contacto permanente com outras gentes, poderá ter seus momentos de ira, mas não guardará no peito o ódio que perdura, nem o rancor. Isto talvêz explique a sua atitude no terrorismo, quando desistiu da degola de cabeças, e preferiu a guerra clássica de armas de fogo.
Esta é a conclusão lógica, aceceitável e ajustada às qualidades atrás descritas.
(*) Este texto foi retirado do livro "A Hecatombe" publicado em 1992 pela "Associação dos Amigos do Uíge". Carlos Alves nasceu em 1900 em Musserra, povoação comercial entre Ambriz e Ambrizete. Chegou ao Uíge em 1920 para gerir uma casa comercial e aí desenvolveu a sua actividade comercial e agrícola. Foi presidente da Câmara de Carmona (Uíge)de 1961 a 64 e deputado do partido único da ditadura à Assembleia Nacional. Faleceu em Portugal com a idade de 90 anos.