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09 Aug

Os Clãs Zombo ou Bambata no antigo Reino do Kongo (1)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #Fragmentos históricos do Uíge.

 

 

Por Dr José Carlos de Oliveira


Dr_Joao_Carlos.jpg

 

 

Resumo

 

Os Zombos

 

Este subgrupo étnico, também conhecido por Bazombo, Bambata (Ba Mbata), foi considerado como a elite mercantil da região de M’Bata e parte integrante do célebre Reino do Kongo . O seu chefe ancestral, Nsaku Ne Vunda ou Mani Mongo exerceu durante séculos o poder terreno sob o manto sagrado matrilinear da kanda Nsaku. A sua privilegiada localização geográfica, entre o Norte de Angola e o Sul da República Democrática do Congo está implantada num extenso planalto situado entre 1000 a 1100 metros de altitude e esta prerrogativa terá estado na base da escolha das íntimas relações que vieram a estabelecer-se entre o mítico Nimi a Lukeni, o"mwana" de Nsaku (leia-se o primogénito) e a autoridade mítica do grupo Kongo. O seu chefe Mani Vunda era o legítimo herdeiro do poder religioso e o principal eleitor dos reis.

Usaram e usam ainda, o poder religioso como suporte fundamental do seu mando, porém, com uma singularidade: sublimaram esse mesmo poder no controle das rotas comerciais entre o rio Zaire ao Norte e o rio kuanza ao Sul.

Foram e continuam a ser parceiros comerciais privilegiados entre outros, de portugueses, holandeses, franceses, belgas, ingleses, alemães, americanos e ultimamente de russos, cubanos, chineses e até coreanos.

Os Zombo souberam aproveitar das situações diplomáticas e comerciais em que intervieram (e continuam a intervir), assumindo-se agentes activos privilegiados entre os povos do interior e do litoral das bacias do rio Zaire e Kuanza. A sua apetência pelo tráfico de todo o tipo de mercadorias afectou profundamente a sua existência. O ambiente natural e a sua cultura imediatista, relacionada com o comércio de longa distância, levaram a que sejam considerados como comerciantes natos, daí, a sua sedução pelo comércio desde a mais tenra idade.

Palavras chave: Angola, Congo, reino do Kongo, independência, comércio internacional, diplomacia, poder religioso, comércio local, elite mercantil, contrabando, clãs, colonização, magia e religião.

 

Preâmbulo

 

Aquando da conclusão da dissertação de mestrado ‘O Comerciante do Mato’ tornou-se claro que muito tinha ficado por dizer, acerca do povo zombo. Houve que deixar passar o tempo suficiente, Lumbu ka fuidi ko Lumbu , ‘o dia de hoje não mata o dia de amanhã’ dizem os kongo .

Para tornar acessível o estudo da vida dos zombo foi necessária uma deslocação a Angola, à província do Uíje, a expensas próprias, numa altura em que grassava na região a epidemia da doença de Marbourg (2005). Embora nos tivessem sugerido que não havia necessidade de voltar ao terreno, decidimos fazê-lo (por feitio do autor) e ainda porque o material etnológico existente carecia de alguma actualização objectiva, bem como de ajustes de trabalho de campo.

Em boa hora tomamos a decisão porquanto os elementos recolhidos especialmente em entrevistas, festividades religiosas e conversas informais nos nzandu ( as praças ou feiras rurais da hoje, província do Uíje) ) com a particularidade de terem sido gravadas, filmadas e fotografadas permitiram uma exploração e análise posteriores. A recolha de dados abrangeu, tanto quanto possível, actualizações dos zombo, que se pretenderão correlacionar e sintetizar face ao passado, presente e o caminho para o futuro, daí que a proposta de dissertação de doutoramento Os Zombo e o Futuro (Nzil’a Bazombo): na Tradição, na Colónia e na Independência continuasse a fazer todo o sentido.

O assunto faz parte de mais de 55 anos de permanência entre os zombo, trinta dos quais passados com indivíduos da comunidade zombo residente em Portugal. Intercalem-se vinte anos de vida académica dedicada aos Estudos Africanos com nota especial para o povo zombo.

Bastariam as razões citadas para justificar a escolha do tema, que acabaria por ficar mais reforçado quando percebermos quanto o sub-grupo Zombo iria beneficiar com esta contribuição indo ao encontro do aprofundamento e actualização do seu modo de agir e pensar, ou seja, a sua cultura.

O objectivo é saber como conseguiram os zombo manter-se líderes mercantis incontestados, ao longo de séculos de história e especialmente como ultrapassaram as últimas vicissitudes de guerras que duraram mais de quarenta anos. Foram senhores da rota de negócios kongo durante a fase do mercantilismo entre as três potências regionais envolvidas: o reino do Kongo, depois os Ngola, seguindo-se-lhes a Matamba. Acrescente-se o significado que representa a dinâmica de quinhentos anos do contacto das culturas, zombo e portuguesa.

Duas ferramentas viriam a revelar-se indispensáveis (embora já o soubéssemos não prevíamos o alcance). A primeira, a aplicação do uso do nosso suficiente conhecimento da língua kikongo que, tanto em entrevistas, como em conversas informais, ao longo de duas décadas, permitiram uma maior compreensão dos laços que ligam os zombo à cultura portuguesa. Aquando das peregrinações que fizemos a Angola, mais propriamente ao distrito Uíje em 1991, para o seminário da nossa licenciatura e 2005, resultou numa muito oportuna actualização da actual vida zombo onde esse traquejo da língua escrita, lida e falada ficou bem patente.

O conhecimento da língua beneficiou não só da tarimba da minha vida(1), bem como do apoio de dicionários (legado de missionários tanto católicos como protestantes) que ajudaram à compreensão das relações da língua kikongo com o kimbundo assim como do português. Sem esta particularidade muitos conceitos se teriam tornado incompreensíveis.

Moreira assinalou mesmo (1993:19) que Malinowski após um período de aprendizagem tomava notas de campo em trobriandês, mas ao mesmo tempo, confessava:“…a dificuldade consiste em preencher rapidamente as lacunas de explicação mediante dados contextuais… um conhecimento completo de qualquer língua indígena depende mais de uma familiarização com as normas sociais e organizações culturais do que da memorização de grandes listas de palavras ou da compreensão de fundamentos gramaticais e sintácticos da língua nativa.(2)

Da segunda ferramenta fazem parte os arquivos fotográficos, os filmes e as gravações, alguns deles testemunhos histórico-sociológicos dos factos políticos, económicos e religiosos que se foram desenrolando. O seu estudo permitiu, sem sombra de dúvida, aproximar ângulos de visão e de opinião, por vezes divergentes, dos diversos intervenientes no espaço cultural zombo.

 

 

(1) Dicionário da Língua Portuguesa 5ª edição, Porto Editora. Estrado de madeira sobre que dormem os soldados destacados para guardas. Tarimbeiro, diz-se do oficial que subiu todos os postos desde soldado raso. Pejorativamente indicia sujidade, indivíduo grosseiro.

 

(2) Moreira, Carlos Diogo A Experiência do Trabalho de Campo, ISCSP, 1993, pag.19

 

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