O Rei do Kongo, “Ntotila” - O Kongo dya Xingongo e dya Gunga
Por Dr. José Carlos de Oliveira
O título, Kongo dya Xingongo, não é conhecido nos estudos académicos sobre o reino do Kongo, porém, chegou à minha mão, ao compulsar documentação que sabia de antemão ser importante.
Deparei com o termo, nas leituras que fiz das conferências de José Heliodoro Faria Leal na Sociedade de Geografia de Lisboa, acerca do exercício do seu cargo de Residente português, em
Banza Kongo, desde 1896 até aos anos de 1912.

Mapa do antigo reino do Kongo e áreas circundantes (Cuvelier)
“ (…) Qual não foi, porém, a nossa admiração, quando a 4 de Abril fomos informados de que o povo queria pôr Manoel Fernandes Comba, Lombo, fora dos muros (morada dos reis) e que queria para rei
Manuel Martins Quedito, tendo chegado a acôrdo para a sua nomeação os dois grupos catolicos e o grupo de protestante. Marcou-se uma fundação geral para o dia 5 e o povo avisado pelo chingongo
(gongue, chocalho com que os sobas convocam a gente) compareceu na residencia pelas dez horas da manhã. (…)
Presumo tratar-se do lumbembe referido por José Redinha: “ (…) No número de peças privativas dos chefes, e em muitos aspectos simbolistas da sua autoridade e presença, contam-se
alguns instrumentos musicais. E assim, embora sem significado de insígnia ou emblemática, devemos considerar uma conhecida e muito divulgada peça, espécie de sineta geminada, constituída por duas
campânulas de ferro achatadas, ligadas entre si. Incorporam estes instrumentos por um semi-arco do mesmo metal, tudo constituindo uma peça solidária. No leste angolano é designado Lubembe. É
percutida por com um ponteiro de madeira, alternadamente nas duas campânulas… Anuncia a aproximação do chefe (…).”
Admito também, embora seja avesso a extrapolações simplistas, que o termo ‘Xingongo’ (Chingongo) se prenda com a forma como os missionários, ao longo dos séculos, quiseram verbalizar e
fazer passar a sua mensagem para o povo, (com o consentimento das hierarquias tradicionais do Kongo) uma vez que, estes povos se iriam confrontar com dois sons diferentes para as suas
fundações (reuniões de extraordinária importância), o do Gongo e o de Gunga, neste caso o chamamento do nosso conhecido sino das igrejas cristãs.
O reverendo Weeks (1911:133) diz-nos que o Kongo Dya Gunga, era o espaço físico reservado às missões religiosas, onde os missionários tinham as suas escolas, os seus dispensários de
saúde e os seus próprios dormitórios. Situado num extenso planalto, cerca de quatrocentos e cinquenta pés, acima das terras circundantes (mais ou menos, mil e quatrocentos metros). Lateralmente
ao planalto, corre o rio Mposo, e de outros dois lados apresentam-se repentinamente dois vales profundos, sendo que, do lado restante, o terreno ondula suavemente até à Banza do
rei. Penso que este termo dya gunga, conhecido em português por Kongo dos Sinos, é um bom exemplo de como estas populações
encontravam razões analógicas para aplicar nomes às coisas e mesmo às pessoas; tal como nós o fazemos, por vezes, quando alcunhamos alguém, fazemo-lo relacionando-as com o que fazem na vida,
assim podemos facilmente aceitar o termo
Toda esta trama humana se desenvolvia num cenário físico onde os europeus apesar de dizimados pela sede, pela fome e pelas doenças tropicais, assim que uns morriam, outros se lhes seguiam nas
mesmas e profundas agruras e privações. Porém, o espírito das gentes dos descobrimentos acabava por se impor, especialmente pela mão de mercenários, condenados, gente da pior espécie à mistura
com missionários, muitas vezes e, a um só tempo, comerciantes, guerreiros e funantes, (os célebres maskates do Brasil) enfim, pau para toda a obra. Este rosário de penas levou à
coexistência, nem sempre pacífica, de duas mentalidades profundamente distintas, colocadas, frente a frente numa relação de dominação-subordinação, motivadas por relações complexas de problemas
políticos, culturais e sócio económicos.