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22 Dec

O novo herói da Damba tem nome: Dr Paolo Parimbelli.

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #Coisas e gentes da Damba

 

 

Por Luís Fernando


Luís Fernando

 

A Fistula e o seu mago

 

Tem uma aversão profunda às luzes da ribalta e está cheio de histórias em que muitos o tentaram entrevistar mas simplesmente se negou. Agarrou-se a um estranho ritual de vida num lugar que deliberadamente escolheu como seu oásis, quase no meio do nada, realimentando a esperança de centenas de mulheres desesperadas e as suas próprias, de estreitar a margem da dor e do sofrimento, fazendo o que pode com um bisturi nas mãos. É italiano, conta 41 anos de idade, uma espécie de descobridor de mundos encravado no ponto cartesiano de sua escolha.

 

Para viver quase com a devoção de um monge medieval, equilibrando-se entre o retiro introspectivo e a necessidade de trabalhar para salvar vidas.

 

Fá-lo com as mãos, que são de uma magia celebrada por todos, dos governantes que o estimam, as pacientes que o idolatram e os raros jornalistas, como nós, que tiveram a sorte de o encontrar em dia bom para lhe arrancarem algumas palavras. Poderia estar fechado no bloco de operações ou, como nos contaram, incomodado com a probabilidade de lhe vasculharem a vida familiar, sobre a qual nunca aceita falar, em circunstância alguma. “Não, não é importante a minha história de vida nem eu como pessoa. Vamos falar da fístula, que tem muita coisa para se saber”, pediu-nos delicadamente. Até sorriu para tornar a negativa mais romanceada, caminhando com a pressa que é, deu para ver, a sua imagem de marca no pátio pedregoso do Hospital Municipal da Damba.

 

Este homem assustadoramente magro, uma mistura de adolescente crescido com cientista de laboratório, não lhe faltando sequer o cabelo encaracolado que remete, por contraposição, ao espigado Albert Einstein, chama-se Paolo Parimbelli e é com quase toda a certeza o habitante mais referenciado da pequena vila. A sua história corre mundo e o seu trabalho mudou, muda e continuará a mudar a estrutura de inúmeras fa mílias angolanas. Do ponto de vista da sua estabilidade emocional, mais do que qualquer outro.

 

Porque se tornou imprescíndível

 

O Doutor Paolo Parimbelli colocou se na primeira linha dos médicos mais solicitados em Angola por actuar num domínio onde, pelos vis tos, a competência disponível não parece muita.

 

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                                                       Dr. Paolo Parimbelli

 

Procuram pelos seus serviços mulheres de diferentes lugares do país que lidam com uma das patologias mais constrangedoras de que se tem conhecimento, a fístula, que em termos simples se de fine como um buraco que mete em comunicação a bexiga com a vagina, tonando a mulher incontinente. Ou seja, ficase perante um caso em que a paciente perde a faculdade de controlar o seu fluxo urinário, e ela ,a urina, cai para o chão ou molha a roupa. “A primeira causa da fístula é a falta de um trabalho obstétrico qualificado no momento do parto”, começa por explicar-nos o especialista, que trabalha em Angola há 10 anos, nos primeiros tempos integrado na equipa médica da ONG italiana CUAMM e desde 2009, contratado pelo Ministério da Saúde.

 

Com uma simplicidade que permitiu em dois tempos à equipa de O PAÍS perceber os meandros da doença que tornou a Damba num local de peregrinação como Benguela para os problemas oftalmológicos, o médico-cirurgião precisou que “a fístula é provocada pela permanência da cabeça do feto por tempo a mais no canal de parto, o que provoca uma má  circulação de sangue por ali e os tecidos da mãe registam uma necrose, ou seja, morrem. Daí o buraco, que não se forma na mesma proporção em todas as parturientes”.  

 

Mão generosa que chega da Zâmbia


No Hospital Municipal da Damba onde o especialista italiano presta serviço, é o único cirurgião, o que quer dizer que todos os casos são por ele tratados. Pode, a partir deste facto, imaginar-se a extrema de pendência e o terrível retrocesso que seria uma eventual saída do médico daquele hospital, por uma razão qualquer.

 

Para já e cenários de crise à parte, o Dr Paolo Parimbelli recebe uma vez por ano a ajuda de um colega irlandês, o Dr Michael Breen, que reside em permanência na Zâmbia e faz incursões, com o mesmo fim, em países como o Uganda, a Etiópia e o Malawi.

 

A Angola, concretamente à vila da Damba, o especialista da Irlanda vem para temporadas de mais ou menos 20 dias, período aproveitado para um workshop onde transmite a sua vasta experiência. “O Doutor Breen vem operar os casos mais complexos. Em 2011, operou 39 pacientes em 3 semanas e este ano esteve connosco em Maio, e cuidou de 79 angolanas”, revela o entrevistado de O PAÍS, que explica que no tratamento da fístula chega a haver duas, três , quatro a cinco intervenções cirúrgicas a uma mesma paciente, dependendo da complexidade do seu caso. Mesmo assim – esclarece – nem todas se curam. Ficámos a saber, do médico, que a estimativa da taxa de sucesso oscila entre 70 e 80 por cento no Hospital Municipal da Damba, que fica nos mesmos parâmetros reportados ao nível da literatura médica internacional. “Portanto, estamos bem”, diz.

 

Todos os caminhos


Desde que em Outubro de 2009 começaram os tratamentos de fístula no Hospital Municipal da Damba já foram operados 211 pacientes, algumas delas mais do que uma vez, pelo que o número de mulheres atendidas não tem de corresponder necessariamente ao número de intervenções cirúrgicas. De referir que a fístula só se trata por via da ida ao bloco de operações.  As estatísticas revelam os seguintes números, de acordo com a proveniência das pacientes: 51, Kwanza Norte;  90, Uíge; 64, Luanda; 1, Huambo; 1, Bengo; 4, Malange.

 

O tempo médio de permanência no hospital fixa-se entre os 15 e 25 dias, que é o período necessário para a consolidação da sutura. A operação à fístula, explica o médico, não é mais do que fechar o buraco por onde se escapa a urina.

 

Ideias de suicídio


Na conversa com a reportagem de O PAÍS, o responsável pelo tratamento da fístula no hospital da Damba deu a conhecer que as mulheres que sofrem os estragos da doença apresentam-se à consulta num estado psicológico devastador. “Só pensam em suicidar-se. Se não todas, mas quase todas!”, referiu.   

 

Fez saber por outro lado que 134 do total que acorreram ao centro foram abandonadas pelos maridos, “que não conseguem viver com uma mulher incontinente”. 

 

São raros os casos em que há solidariedade familiar em volta da vítima, observou, sem eufemismos. Pior do que isso: “Imagina a mulher que começa por perder o filho no parto; de pois se torna incontinente; mais tarde é o marido que a abandona ou os parentes que a rejeitam, muitas vezes com acusações de feitiço pelo  meio”. 

 

As consequências sociais da fístula são aterradoras, como pôde O PAÍS perceber, na didáctica conversa com o médico italiano que se foi instalar na Damba.

 

“A doença está acoplada à pobreza, porque a mulher com fístula raramente pode trabalhar, ninguém se aproxima delas, nem se fala de ter uma vida sexual normal. Elas próprias afastam-se porque com a urina que escorre pela vagina não se sentem confortáveis”, disse-nos.

 

                                                              Artigo editado sob título: A fistula e o seu mago.

 

 

                                                                                                           Fonte: O Pais.

 


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