O ministro Armindo Monteiro e as minas de cobre do Bembe.
Nos anos 30 o Norte de Angola ainda estava isolada.
O ministro das Colónias de Salazar, Armindo Monteiro, visitou Angola no longínquo ano de 1932, quando a colónia vivia uma crise económica sem precedentes. O mercado do sisal entrou em declínio e
as actividades económicas não tinham crédito para os seus investimentos.
As importantes minas de cobre do Bembe, que alimentavam uma unidade fabril local que produzia canhões e artefactos em bronze, viviam estranguladas devido às dificuldades para escoar a produção.
Nem sequer existia uma estrada de ligação ao concorrido porto do Ambriz e muito menos ao Nzeto (Ambrizete), cujo administrador pedia há muito a construção de um quebra-mar e de uma ponte cais,
para ser o verdadeiro porto do Norte de Angola.
Armindo Monteiro partiu de Lisboa para Luanda na manhã do dia 23 de Abril de 1932, à frente de uma numerosa comitiva. Desembarcou no porto de Luanda no dia 9 de Maio, depois de uma passagem por
São Tomé onde também era preocupante a crise do cacau. No dia 21 de Maio partiu para o Norte de Angola. Depois de um almoço na Fazenda Tentativa (Heróis de Caxito) apanhou uma jangada na Barra do
Dande que o levou até aos Libongos, Tabi e Veso. A primeira paragem foi no porto do Ambriz, então um dos maiores centros económicos do litoral Norte.
O ministro das Colónias ia acompanhado de jornalistas da Imprensa angolana. Aqui ficam os seus nomes para a posteridade: Leão Assunção Gomes, do jornal “União Nacional” e que veio a dar lugar ao
“Diário de Luanda”. Joaquim Faria do “Comércio”, onde se manteve até aos anos 60, e António Augusto Dias, um dos mais famosos repórteres da época, que representava o “Província de Angola”, hoje
“Jornal de Angola”. Este diário fez uma cobertura exaustiva da visita do ministro, sempre “em cima do acontecimento”. Na época era propriedade do Banco Nacional Ultramarino e de grandes
companhias agrícolas que viviam grandes dificuldades.
No Ambriz, Armindo Monteiro foi recebido nos Paços do Concelho e o presidente da Câmara, no discurso de boas-vindas ao ministro, teve o cuidado de referir a “grave crise mundial que também chegou
a Angola”.
O comerciante Venâncio Silva, presidente do Clube Recreativo do Ambriz, fez do ministro “sócio honorário número um” da única instituição desportiva e cultural da vila. Mas os elogios e
agradecimentos ouvidos nas fazendas do Tabi e Libongos e as gentilezas com que foi cumulado no Ambriz mudaram completamente no Nzeto (Ambrizete). O presidente da Câmara ousou receber o ministro
das Colónias com palavras duras: “não temos estradas, não temos cais e precisamos de água em abundância que nos livre da contingência das chuvas para nos encher as cacimbas que é a única água que
hoje temos”.
A situação no Nzeto era tão grave que o presidente da Câmara disse ao ministro Armindo Monteiro: “há nesta circunscrição e nos limítrofes centenas de indígenas que não podem pagar os seus
impostos porque não têm com quê, nem encontram trabalho remunerado. De preferência, empregar-se-ia essa gente nas obras do porto, e assim se lhes facilitaria do pagamento do Imposto Indígena.
Dava-se-lhes por um lado e recebia-se uma boa parte por outro”.
Era este o pensamento que suportava as relações do colonialismo e aquele administrador pelo menos foi sincero perante o ministro das Colónias. Mas foi a seguir a este episódio tão revelador da
brutalidade das relações no colonialismo que a situação aflitiva das minas do Bembe foi revelada. Elas forneciam ferro e cobre para a siderurgia que fabricava canhões de bronze e outros
artefactos. À volta da exploração mineira nasceu um artesanato importante que usava o ferro, o cobre e o bronze como matéria-prima.
Pontes de paus e picadas
As minas do Bembe estavam em plena produção mas o cobre, o ferro e toda a produção siderúrgica ficavam retidos na vila porque no tempo das chuvas a picada ficava intransitável e as pontes feitas
de paus amarrados uns aos outros eram levadas pelas enxurradas.
Para atravessar os caudalosos rios M’bridge e Loge, existiam duas jangadas que ameaçavam ruína. Os carros carregados de minério raramente se atreviam a fazer a travessia no tempo das chuvas.
O gerente da Companhia das Minas de Cobre do Bembe, Camilo Rodrigues, foi recebido por Armindo Monteiro no Nzeto. E apresentou ao ministro das Colónias as suas reivindicações: construção imediata
de pontes definitivas sobre os rios M’bridge e Loge. E num memorando “atrevido” ele fazia esta exigência escrita no caderno reivindicativo: “é preciso que na estrada do Ambrizete (Nzeto) ao
Ambriz desapareçam essas perigosas pontes e pontões feitos de pequenos paus amarrados”. E mais adiante foi directo ao assunto: “queremos uma grande reparação na picada para o Bembe.
Aqui surgiram as primeiras divergências regionais. O Ambriz queria uma ponte sobre o rio Loge para dar mais “vida” ao porto. O Nzeto queria a ponte na localidade porque a baía natural da vila
proporcionava “um excelente porto de mar, desde que fosse construído um cais com dinheiros públicos”.
O ministro não se comprometeu com ninguém mas percebeu que as infra-estruturas em Angola eram uma ficção. Mesmo na área em que existiam minas de cobre, metal muito valioso na época, nem sequer
existiam pontes nem estradas e o porto do Ambriz não era mais que uma desconjuntada ponte cais.
Linha de telégrafo
Na época, Maquela do Zombo era a capital do distrito do Congo. A vila do Uíge dava os primeiros passos mas não passava de uma aldeia habitada por degredados. O governo da colónia tinha construído
uma linha de telégrafo entre Maquela e o Ambriz, que por sua vez estava ligado a Luanda. Camilo Rodrigues também exigiu do ministro uma linha telegráfica para as minas do Bembe, sob pena de terem
que fechar: “como a viagem de vossa excelência é de afirmação do império, ousamos pedir-lhe uma estrada, pontes e o telégrafo” disse Camilo Rodrigues.
Pouco adiantou porque o governo geral de Angola tinha os cofres vazios e o ministro, ao perceber que o Estado Novo era uma ficção, de figura de proa da União Nacional, o partido fascista de
Salazar, tornou-se seu opositor e regressado a Lisboa, ameaçava roubar o lugar ao ditador. De castigo foi para embaixador de Portugal em Londres.
Durante a II Guerra Mundial fez tudo para Salazar entregar a Base das Lajes aos ingleses mas ele tinha um compromisso com os nazis e não aceitou. Dada a insistência do embaixador que de fascista
passou a anglófono, o ditador demitiu-o e assim acabou com o seu rival.
Na reunião com as forças vivas do Nzeto, Armindo Monteiro ouviu também os queixumes dos fazendeiros e comerciantes. Manuel de Almeida Vidal, um dos maiores produtores de café do Norte de Angola,
reforçou o pedido da construção de estradas e pontes e deu boas razões para que o ministro ouvisse a voz da sociedade civil. Naquela época, só o Bembe e a Damba exportaram, num ano, a partir do
porto do Ambriz, mil toneladas de café. Mas como não havia estradas nem pontes, não valia a pena comprar mais café aos fazendeiros e aos pequenos produtores, porque era muito difícil fazer chegar
as mercadorias ao único porto do Norte.
O fazendeiro Martins dos Santos, que mais tarde se tornou corretor de cafés em Luanda, disse ao ministro: “o preço do frete é mais elevado do que o preço que se pagou ao produtor o seu café”. E
numa intervenção espontânea acrescentou: “queremos dizer ao senhor ministro que esta povoação do Ambrizete (Nzeto) não tem água nem luz”.
Viagem ao inferno
Armindo Monteiro não imaginava o que esperava a sua comitiva a partir do Nzeto. O repórter António Augusto Dias falava mesmo numa “viagem ao inferno” por picadas intransitáveis, pontes de paus,
crateras imensas que engoliam as viaturas. O ministro visitou o Negage, pernoitou em Camabatela, já no Kwanza-Norte e no dia seguinte foi para Samba Caju. A comitiva do ministro seguiu
penosamente para o Lucala onde chegou já de noite. Na vila ferroviária, o ministro ouviu dos colonos um pedido: faça chegar o comboio a terras de Ambaca. Ele disse que sim, para não ouvir mais
pedidos e queixumes. Mas ao chegar a Luanda, teve de ouvir muito mais.
Numa recepção no salão nobre dos Paços do Concelho, o presidente da comissão administrativa da Câmara, Francisco Roseira, disse ao ministro: “queremos resolver os problemas da água e da luz mas
não temos dinheiro”. O governador-geral, coronel Eduardo Ferreira Viana, confirmou a penúria e pediu os bons ofícios de Armindo Monteiro junto do governo da “metrópole” para Luanda resolver a
maka da água e da luz. Os nossos problemas nesta matéria moram muito longe.
Mas Francisco Roseira, um luandense originário de São Tomé, afrontou o ministro, quando no seu discurso pôs o dedo na ferida da crise: “a metrópole, julgando que fazia a colonização, outra coisa
mais não fez do que burocratizar”. Na sessão da Câmara de Luanda, em nome da comunidade negra, falou Sebastião Costa que alinhou o seu discurso pelo de Roseira: “em Luanda, morre-se de sede!”
Estamos a falar do ano de 1932. Há ainda muitos luandenses vivos que nasceram nesse ano. E muito antes. Alguns até se devem lembrar da visita de Armindo Monteiro a Angola.
No dia seguinte e antes de regressar a Lisboa, o ministro das Colónias foi surpreendido com uma manifestação no largo do Palácio. A reportagem do “Província de Angola”, assinada por António
Augusto Dias, refere que usaram da palavra, em nome do povo de Luanda, Luiz Botelho de Vasconcelos, Luiz dos Santos Júnior e José Cristino Pinto.
No seu regresso a Lisboa, Armindo Monteiro ainda teve tempo para tomar algumas decisões importantes que ajudaram Angola a sair da situação de penúria em que se encontrava. O ministro foi sensível
aos queixumes dos “nativos” e dos colonos.
Percurso político
Antes de ir para o governo de Salazar, Armindo de Stau Monteiro foi professor universitário. Integrou um dos primeiros governos do Estado Novo, em 1929, como subsecretário de Estado das Finanças.
Depois foi ministro das Colónias, ministro dos Negócios Estrangeiros e em 1936 foi para o exílio dourado em Londres, como embaixador de Portugal no Reino Unido.
Acabou os seus dias como um dos mais acérrimos opositores ao ditador Salaza.
Artur Queros/J.A