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20 Aug

O meu encontro com o Prof. Dr. Manuel Alfredo de Martins Morais.

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #Entrevistas

 

Por Sebastião Kupessa.

 

É de conhecimento dos visitantes do nosso site que o Prof. Dr. Manuel Alfredo de Martins Morais exercera funções de Administrador do Concelho da Administração da Damba (hoje Município da Damba) entre 1945 e 1953, por ser autor do livro auto-biografíco intitulado "Do Meu Bornal de Recordações" , publicado pela editora Internacional, em 1998, cujos os extratos do tempo passado nesta localidade, são reeditados no presente espaço electrônico, sob o título " Damba, 1945-1953 "

O prof. Doutor Alfredo Manuel de Martins Morais nasceu em 1918 na cidade de Castelo Branco. Diplomado pela antiga Escola Superior Colonial (1939), licenciou-se em Ciências Sociais e Política Ultramarina em 1958. Com o doutoramento em Ciências Sociais, no ramo de Antropologia Cultural no ISCSP na Universidade Técnica de Lisboa em 1986, foi docente de várias cadeiras na área de Ciências Sociais. Para além da função que nos interessa exercida na Damba, exerceu outras na administração ultramrina Angolana, antes de ser nomeado pelo Dr Adriano Moreira, antigo ministro do Ultramar do Salazar, para o Secretário Geral ( o n° 2) do Governo Ultramarino de Angola entre 1962 e 1967, nos tempos dos governadores-gerais Venâncio Deslandes e Silvino Silvério Marques, além do cargo de Inspector Superior da Administração Ultramarina. É Autor de muitas obras literárias entre as quais : "Contacto de Culturas no Congo Português", em 1958; "A influencia do português no Quicongo", em 1958; " As migrações de indíginas no ultramar português", em 1958; "O mel na medicina popular", em 1986; "Malpica do Tejo. Povo pobre nobre", em 1986.

 

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Dr. Martins Morais, à esquerda, em visita a Quitexe em 1962, como S.G do Governo de Angola. (Foto de João Garcia)

 

Chega na Damba no dia 31 de Março de 1945 em substituição do Administrador Bicudo Costa, imediatamente metou-se no trabalho, como ele próprio escreveu : " Por já ter prática do exercício de função burocrática, adquirida na Câmara Municipal de Castelo Branco, depressa me adaptei ao cargo e me iniciei na sua parte mais melindrosa e mais atraente: O contacto com a população Africana ". Com isto beneficiou os serviços da tradutora Ngwa Longo, e dos Sobas Kabata Nfuta do Kiyanica e do Kiala Kia Ntalo do Mabubu como assessores. Por ser contemporâneo do Minguiedi Nakunzi, Kiala kya Zinga, Ndualu Mbuta, os patriarcas da Damba, cujas fotografias estão expostas ( ver galerias de fotos da Damba e os ANADAMBAS) , o site da Damba aproximou-se do homem, para uma pequena conversa.

 

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José Neves Ferreira, Dr A. M de Martins Morais e "Muana Damba", em São Pedro de Estoril.

 

Com o peso da idade (ele tem 93 anos) mas bastante lúcido, que o Doutor Martins Morais nos acolhe na sua residência do São Pedro de Estoril, acompanhado de Artur Méndes, de Maria Luisa e José Neves Ferreira. Ele recorda com muitas saudades o tempo que passou na Damba.

 

Muana Damba : O que representa Damba para o Dr Martins Morais?

M. A. de Martins Morais : Damba foi a primeira terra em Angola onde eu fixei a minha residência, que recordo mais e amo muito. Angola terra onde eu trabalhei por vários anos e fui um certo tempo, secretário geral do governo ultramirino de Angola.

Então o Sr. conheces bem Damba?

Claro, diz-me a aldeia onde nascestes e ou vou te dizer onde situa-se.

Eu sou de Mbanza Mabubu.

Mbanza Mabubu, perto do Kinkosi? no meu tempo, o soba era Kiala kya Ntalu, meu conselheiro nas relações com os nativos.

Falando dos sobas da Damba, no teu tempo havia muitos, que são verdadeiros patriarcas, é o caso do Ndwalu Mbuta, Daniel Malungo, etc, porque designas, nos teus escritos, o soba Nakunzi como soba-Maior?

Porque ele era o verdadeiro Fumu a si (Mfumu'a nsi), entre os nativos era ele que se consultava nos problemas de extrema importancia. Apesar de ser velho e cego, o seu poder e autoridade era considerável sobre todo território da Damba. Mas o Ndwalu Mbuta, Soba do Nkuso que tratava os assuntos correntes. No Wando havia o soba Daniel Malungo e o outro soba que se chamava Luvumbo.

 

Damba - Sobas

Já que conheces Damba, podes dizer-nos onde vivia o Nakunzi?

O seu nome completo era Mingiedi Nakunzi, residia no KiyaniKa. Mingiedi é a congolização do nome Miguel, em português.

 

Soba Ndomingiedi NAKUNZI

Então o Minguedi Nakunzi era o Soba do Kiyanica?

Era mais que isto, era o Mfumu a Nsi da Damba. No kiyanica o Soba era Nfula Kabata, o sobrinho dele. Nakunzi era um hábil negociador, foi ele que obrigou os primeiros portugueses de passagem na Damba, a pagar o imposto! Isto antes da ocupação. Para distinguir-se dos outros sobas, ele vestia, especialmente, a pele de animal que se chamava em Kikongo N'zuzi, cuja as cores eram semelhantes as do leopardo, penso que era um gato selvagem.

O Soba Nakunzi, obrigou os portugueses a pagar o imposto. Este imposto era pago em dinheiro?

Em dinheiro, mas também em pólvora, aguardente e vinho.

Fala-nos de outros sobas que o Dr. conheceu na Damba.

O soba Kiala Kya Zinga, tinha residência perto da Missão, no caminho para Mucaba. Este soba era muito exigente na observação de rituais tradicionais, dos quais, certos eram proibidos.

Proibidos?

Sim, com vinda da medecina moderna, não era preciso praticar por exempro o longo, que era a cerimónia de circuncisão. Mas o Soba Kiala Kya Zinga era muito ástuto, ao mesmo tempo simpático, continuava a praticar o longo às escondidas. Quando por exempro perguntava-lhe se continuava a praticar o longo, ele dizia sempre: "Não, Sr Administrador, desde o tempo dos antigos administradores que não se pratica mais o longo". Mas nós sabiamos que ele ordenara a coninuação desta prática.

Damba hoje tem quatro comunas (ex postos de administração) que são Camatambu, Pete (Nkuso), Lêmboa (Wando) e Nsosso (Ex 31 de Janeiro). Era assim no teu tempo?

Não. Damba naquele tempo tinha sim quatro postos, mas não os que você conta. Damba do meu tempo tinha os postos do Bungo, do 31 de Janeiro, de Camatambo e o posto da própria sede da Damba. Wando e Nkuso Mpete faziam parte do posto sede da Damba enquanto que Mucaba pertencia o posto do 31 de Janeiro.

Neste caso, foi o Dr. Martins Morais que ordenou a separação do Bungo e sobretudo do Mucaba de Administração da Damba?

Não fui eu, a seperação acontece depois de eu sair na Damba.

Como pode explicar o facto que uma regedoria como Mucaba dependendo do Posto do ex 31 de Janeiro, passa num instante, a categoria do Concelho de Administração (município)?

Com o café, actividade comercial era intensa no Mucaba, que mais tarde reuniu as condições para ser um concelho da adiministração.

O Dr. Martins Morais administrou Damba durante oito anos, o que fez de especial na Damba?

A construção da ponte sobre o rio N'Zadi, na via principal perto do posto do 31 de Janeiro, outra ponte sobre o rio Lucunga, que antes utilizavam a jangada para atravessia. A prolongação da estrada do rio Nkoje para a Lêmboa, sobretudo a constituição dos mercados para a comercialização do café.

No seu tempo, Damba produzia café?

Foi no tempo da minha Adiministração que Damba começou a vender café para Luanda e para outras províncias.

Damba, produzia quantas toneladas de café por ano?

Não lembro mais quanto, mas depois de mim, comercializou-se muito café na Damba.

O Dr. escreveu que não acreditavas na histórias do kintuki, quer dizer, segundo legenda contada na Damba, são ndoki (homens feiticeiros) transformados em leopardos para matar ou molestar os homens. Portanto havia provas...

Foi no posto do 31 de Janeiro que houve mais vítimas de leopardos, mas que não se tratava de maneira nenhuma de homens transformados em leopardos por procedimentos mágicos, mas sim, de felinos famintos, que atacavaam seres humanos por falta de animais que serviam de alimento natural. Provas?... não havia provas nenhuma, o meu lavandeiro chamado N'finda, do Kiyanica, levou-me na aldeia para constatar provas, que eram pegadas de leopardos que mais adiante se confundiam com as dos homens. No Mucaba, segundo os habitantes que não se podia caçar pacaças, porque eram ndoki e por consequência, invulnráveis às balas de Kanhangulos. Mas acabamos com o mito, quando eu pessoalmente numa caçada, com alguns funcionários da administração, abatemos pacaças, a euforia nas aldeias foi total. Gritavam "ndoki wele, ndoki wele ", o que quer dizer em kikongo, o feiticeiro foi.

Para terminar, o que recorda em especial na Damba?

O povo da Damba, em que saúdo e não esquecem que tenho uma filha muana Damba, chamada Ana Maria.

Muito Obrigado Dr. Martins Morais.

 

 

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