Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama
A casa sempre foi o núcleo de toda a sociedade humana. Portanto, o casamento, como ensinam as palavras aqui analisadas, obriga o rapaz a planificar o lar onde viver com a sua futura esposa. Entre
os Kimbùndu, Côkwe, Kôngo, Nyaneka e os umbundu, as palavras próprias para dizer casa (inzo, nzo, onkhandyo, humbu, ngânda, etc) indicam que o princípio da família REQUER ANTES DE MAIS UM lUGAR,
UM LAR BEM SEGURO. uma vez assegurado o lar, pode-se achar a noiva que, para adquiri-la, deve obrigatoriamente entregar o dote, isto é, uma série de cerimónias. Na verdade, o casamento é uma
instituição não somente antiga, mas também acompanhou as migrações de povos, sobretudo quando duas pessoas de diferentes povos se devem casar. E, sendo o casamento um acto simbólico ou uma
dimensão precária da migração, é evidente que a palavra seja, por conseguinte, portador de histórias das migrações, e conquista de terras já ocupadas pelos outros povos. Eis a razão pela qual o
casamento é uma questão de cerimónias – kwela, ele quer um casamento normal, um casamento especial. Contudo, essa união não se realiza de um só golpe, uma vez que leva tempo. Muitas vezes, nos
Kôngo, Côkwe e, sobretudo, nos umbûndu, os pais faziam casar seus filhos antes de eles nascerem.
Isto significa O LUGAR SEGURO que põe em evidência as cerimónias quando os protagonistas (os noivos) ainda não existem, sendo meros projectos. Jan Vansina escreveu que lûnda significa AMIZADE,
porque dois povos diferentes faziam – depois de tantos anos de batalhas com ou sem vitórias – pacto e tornavam-se um só povo, tal seria o caso dos lunda, se lermos a história a partir das
palavras.
Em princípio, o facto ou o acto de fundar de um país, quer seja mediante a ocupação pacífica de um espaço vazio, quer seja através da conquista de terras já habitadas, relaciona-se com o
casamento. Quando um povo ocupava uma terra (nos Côkwe, Kimbùndu, Kôngo, umbûndu), a primeira coisa era administrar os cultos dos antepassados destas terras com os novos imigrantes, porquanto o
acto legitimava os ocupantes e facilitava as uniões. Isto era o casamento entre os conquistadores e os espíritos ancestrais da terra ocupada. Ora, quando encontrava um povo já implantado, além
dos pactos de amizades, a realização das cerimónias entre os conquistadores e os espíritos presididas pelos chefes de terras (do povo conquistado), foi sempre um dos primeiros actos a cumprir.
Isto significa unir os recém-chegados com os espíritos das terras. Neste último caso, foi sempre a preocupação dos conquistadores passar pelas cerimónias a fim de evitar doenças e outras
calamidades que pudessem enviar os espíritos autóctones.
Parafraseando esse ponto, fazemos intervir Virgílio Coelho que traz mais luz a respeito daquilo que afirmámos mais atrás: «é sabido que as fronteiras de um país ou de um Estado são, geralmente,
demarcadas por elementos que são afeitos à natureza (rio, lagos ou lagoas, montanhas, florestas, etc.). Mas há casos em que as marcas dessas fronteiras se estabelecem pela produção de discursos
elaborados por outros povos que vivem em espaços limítrofes ou contíguos ao território em questão ou então pela produção da informação por outros povos vindos do exterior, como é o caso, dos
conquistadores portugueses.» «No vocabulário produzido pelos túmùndòngò», continua o autor, «há, pelo menos, uma palavra que inicialmente serviu para designar a unidade dos distintos grupos de
imigrantes que se viriam fixar na região da Màtàmbà e que, mais tarde, formaram as primeiras linhagens fundadoras, sob o mando do Ngòlà à Mùsùdi, do “reino do Ndòngò”. Essa palavra é o
designativo tùmbà, tùmbù ou ditùmbù (plural: matùmbui) que significa, justamente, parente, conhecido, aderente”. O seu verdadeiro significado pode ser apreendido a partir do nome composto
Kímànàwèzè (ou Kímànàwèzè) kya Tùmbà à Ndàlà, que significa dignitário que une os seus parentes, os conhecidos e os aderentes e, ainda, amigo do amigo, constituindo, assim, o princípio da unidade
linhageira e, sobretudo, um modelo de conduta e um modelo cultural».
Este «Kímànàwèzù kya tùmbà à Ndàlà foi o primeiro ocupante das terras que se situam entre-os-rios Wàmbà e lúkàlà. Essa personagem, com o poder de “deus sobre a terra” (Màwèzè ou Nàwèzè), detentor
do título Tùmbà à Ndàlà e que tinha por função estabelecer as relações de amizade e de convivência entre os homens (os primeiros grupos a ocupar a terra) e os “génios” ou “deuses” tutelares da
natureza, visando contribuir e garantir a harmonia e sobrevivência de ambos os mundos, é um sacerdote (Kílàmbà, plural: ílàmbà) com esses dons especiais».
Extrato do livro: " As origens do Reino do Kongo " editado por:
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