Im memoriam: João Miguel Nzenguele (1936 - 1994)
Por Sebastião Kupessa
A sua morte trágica deixou os seus próximos em particular e os mindambas em geral, numa indeferença total. Hoje, João Migulel Zenguele, completa 14 anos desde que o seu coração deixou de bater para sempre, passando para eternidade. O site da Damba vai honrar a memória de um dos seus ilustres filhos.
Damba e Zuawu Dya Nzengele ( seu apelido em kikongo ) eram tão ligados que só a morte os separou. Em todas cidades onde ele viveu, era a incarnação da Damba, as suas residências foram Damba em miniatura. É impossível esquecer o velho Nzengele, como era conhecido na Damba e o seu contributo no desenvolvimento da Damba. É difícil, para quem viveu na Damba, não recordar este homem, cuja a presença fascinava pelo charme, elegância, pragmatismo, generosidade e hospitalidade. Damba era a sua casa e os seus habitantes, a sua verdadeira família, sem exageros! Diz o nome do teu pai, da tua mãe ou do teu luvila, ele vai te dizer quem és tu!
João Miguel Zenguele, em Luanda, em 1992.
Preferiu viver na Damba, apesar de possuir casas nas cidades do Uíge, Luanda, Benguela, Mbanza Kongo e Kinshasa. Exprimia-se em Kikongo, a sua língua, não osbtante o domínio dos idiomas português, francês e lingala. Na presença dos seus convidados, mesmo europeus, não tinha complexo de comer com as mãos, parente um prato tradicional delicioso, convidando-os a o imitar, apesar de possuir talheres dourados. A sua música preferida, era o masikilu do velho Diampanga no bairro Kiyanika, dançando com "Nkasu mu luketu" ondulando as suas ancas, na presença mesmo dos filhos, apesar de estar na possessão dos aparelhos musicais modernos daquele tempo. Um homem que vivia a sua tradição no seu tempo, sem ter vergonha da sua identidade kongo e sobretudo mundamba. A sua canção preferida,"Tuka kuna Nkusu, luta kuna Madimba, yi yani ndioyo Nzengele", o seu hino pessoal, fazendo a referência da sua origem do Nkusu a Madimba. Para os querem ver um dia Damba caminhar rumo ao desenvolvimento, ele é um exempro a seguir.
Para quem sai de aldeia Sala depois do Wembo, para Kinsakala, na estrada principal do Negage para Maquela do Zombo, no desvio do caminho que vai para as aldeias Kombo e Luzuanda, à esquerda, há vestígios de uma aldeia que já não existe mais desde 1945, Nkonzo, é onde nasce João Miguel Nzenguele (Nzengele em kikongo) no dia 25 de Setembro de 1936. Esta aldeia será deslocada para o lugar onde se situa hoje o campo de aviação. Com a construção deste, a aldeia será despovoada de novo para se fixar de outro lado da estrada, mudando de nome para Manga, onde ele residia antes de 1961 e depois de 1975 à 1986. Assim a aldeia Manga é ligada a Regedoria Mabubu, onde nasceu a sua mãe Helena Masala Mazakilwa Mputu ou simplesmente Mazekilwa ma Lamputu, filha do Soba-herói da Damba, Namputu ( ver Hoje faz 100 anos que as terras da Damba foram acupada pelos portugueses. ) e neta de uma das raras mulheres influentes do século 19, no Nkusu a Madimba, Mafuta Ma Nsaku. O seu pai, Miguel Nzenguele Mazina ( Nzengele a Mazina ) , um dos homens ricos da região, natural de Lêmboa, mas o seu pai é de Mabubu, um dos últimos comerciantes do famoso Nzila Bazombo, proprietário de caravanas que fazia comercio com as regiões do Baixo-Congo, do Sanza Pombo, das Lundas, dos Dembos, do Ambriz, etc, onde em muitas destas localidades, possuia propriedades.
João Miguel Zenguele foi um dos primeiros alunos na Damba a frenquentar a escola primária de Damba, em princípio dos anos 40, antes de prosseguir a formação profissional na cidade do Uíge em princípio dos anos 50. Mais tarde volta na Damba para gerir os negócios do pai.
Em princípio de 1960, contrái o matrimónio com Nkumba Isabel André, do meio ambiente católico de Damba, numa memórável cerimónia presidida pelo conhecido Padre Camilo, Sebastião Makanda e a sua esposa foram padrinhos.
Em Junho de 1961, Miguel Nzenguele Mazina (não confundir com o filho) e os seus dois filhos, João e Domingos, foram denunciados à PIDE, de serem os responsáveis moral da insurreição dos nativos da Damba sob bandeira da UPA. Acusados de terrorismo pelos portugueses, ausentes na Damba, uma verdadeira caça ao homem foi organizada para encontrá-los. Foram localizados numa aldeia perto do Negage no caminho para Sanza Pombo, depois de serem interpelados, imediatamente foram fugilados sem julgamento, com a excepção do João, que escapou antes da interpelação. Os corpos inertes do "Nzengele a Mazina" e do seu filho Domingos (irmão menor do João), serão expostos aos aldeões, para servir de exempro, antes de serem removidos e transportados ao destino desconhecido, até hoje. Apesar da PIDE procurar em todas as casas da referida aldeia, João que encontrou refúgio numa cubata de uma senhora, uma solidariedade pouco comum neste período, não foi achado.
João M. Zenguele deixa a referida aldeia, com a cumplicidade de alguns habitantes, vai percorrer quase 170 km, a pé, terrorizado e triste, escondendo-se de vez em quando, travessando vales, rios, montanhas, até chegar à Damba, três dias depois. Encontra toda regedoria de Mabubu ( Manga Mbanza, Vombo e Kinkossi) queimada ( ver Batalha da Damba (3) . A sua casa e do seu pai, foi particularmente bombardeada pela aviação portuguesa, vinda do Negage e de Luanda. Dirige-se aos poucos habitantes que restavam na aldeia, para saber o paradeiro da sua família. Estes invejosos, sabendo que o pai dele já estava morto, vão lhe denunciar aos combatentes da UPA, de ser um Mundele-Ndombe (!), considerados naquele tempo como colaboradores dos portugueses. É torturado severamente, no qual alguns habitantes, parentes na sua maioria, vão participar, estes vão formar uma fila indiana, onde cada um batia até cansar, mesmo desmaiado, continuavam o atormentar. Só deixaram a tortura, quando tiveram a impressão de que estava morto. Foi neste estado que foi recuperado e reanimado pelos crentes católicos, onde ele era crente, como a sua mãe. Mas tarde dirá comentando este episódio particular triste da sua vida, "Yayi nsi tunanga, nsi a maketo" o que quer dizer o mundo que vivemos, é um mundo dos invejosos.
Detestado pelos seus, procurado pela PIDE , cheio de feridas, não tinha outra alternativa perante a morte certeira que o esperava, João Miguel Zenguele vai abandonar a sua Damba querida, para procurar o refúgio no Congo Belga. Nestas condições dificeis, vai caminhar de novo uma distancia de cerca de 150 Km, até passar a fronteira de Angola com ex Congo-Belga.
Tempos depois, chega em Leopoldville, onde é acolhido pelo seu tio , Sanda Martins, um dos nacionalistas angolanos, empresário e futuro fundador da FNLA, em 1962, com Holden Roberto e Jonas M. Savimbi ( ver Sanda Martins-Homenagem ) . Este, solidário com seu sobrinho, vai aloja-lo e confiar-lhe a gerência de uma estação de serviço, uma das suas propriedades.
Em 1964, vai emacipar-se do tio para fundar a sua própria empresa de produção, distribuição e venda de madeira, designada de ETS Nzengele Mazina, em honra do seu pai mártir. Em 10 anos, a sua empresa vai conhcer prosperidade fenomenal e e terá representações em Makelele na comuna da Bandalungwa, Pascal no Kimbanseke, Q 5 , Q 6 no Ndjili e no Kasangulu no ex Baixo-Zaire, empregando dezenas de trabalhadores, na sua maioria angolanos. João Miguel Zenguele, alcunhado de "Jean-Jean", será um "Golden Boy" e um dos homens ricos de uma das Comuna de Kinshasa onde habitava, N'djili.
Ao longo do seu exílio no actual RDC, ele será um dos doadores financeiros dos movimentos da luta de libertação Nacional, vai mesmo obrigar um dos seus irmãos, com a idade de combater, a participar na guerrilha para libertar Angola, Landa, seu nome, vai morrer em combate perto do Luvo, depois de ser recrutado em Kinkuzu. João Miguel Nzenguele vai jogar um papel importante no enquadramento dos angolanos refugiados no Ex Congo Belga. Um deles será N'fulumpinga Landu Vítor, futuro membro do Comité Central da FNLA e fundador do partido político PDP-ANA, conhecido por Sitting pelos habitantes do N'djili. É por isto, será eleito, em 1994, membro do comité central deste partido, a título honorário e em reconhecimento. No seu funeral, foi enterrado com a bandeira deste partido político com assento no parlamento angolano na primeira legislatura. Será destacado como membro de muitas associações dos refugiados angolanos no Ex-Zaire, vai frequentar a família Teta, da qual vai conservar relações de amizade privilegiada, um deles será o padrinho de baptismo dos seus filhos gémios.
Em Agosto de 1975, regressa definitivamente em Angola e vai fixar-se na Damba no lugar onde há 14 anos antes, a sua residência havia sido destruida. Deixando a sua empresa e luxosas residências em Kinshasa, para recomeçar a vida na sua Damba natal.
Em Janeiro de 1976, vai fazer parte dos notáveis da Damba que vai acolher calorosamente a delegação do MPLA, cujo o braço armado acabava de entrar na Damba e dias depois vai emprestar o seu camião para o transporte e logistica de tropas do Mpla, na luta contra os maquisard da FNLA. O camião vai explodir na comuna de Nsoso, acionando uma mina anti-tanque, no qual morre um cubano. Mas a colaboração com o MPLA não termina ali, como o Comissariado Municipal da Damba (Administração) não tinha condições para albergar as delegações que vinha de Luanda e do Uíge, João M. Zenguele oferecia as suas residências no Bairro Manga, para hospedar os visitantes, o que vai permitir ter laços sólidos de amizades com todos commissários provinciais que passaram no Uíge e na Damba durante a primeira década depois da independência.
Na Damba vai fundar a empresa Nzenguele e filhos, que será especializada na distribuição em grosso do peixe seco, adquirido nas províncias de Namibe (ex Moçamedes), Benguela e Kwannza-Sul; de materiais de construção; na criação do gado caprino e suíno com cerca de 500 cabeças cada; na produção da farinha de mandioca, com um moinho mais moderno na Damba naquele tempo ( 500 kg/hora).
O seu projeto da construção de um hotel moderno com dezenas de quartos em face da pista aviação da Damba, será interrompido pelo o ataque e a ocupação da Damba pelas tropas da UNITA, em Fevereiro de 1986 e vai fixar a sua residência em Luanda, onde vai conseguir um alvará comercial para a província do Zaire, tornando-se, agente económico activo, desta provincia, no início dos anos 90. Desta vêz a sua empresa vai especializar-se na venda, não só dos bens alimentares como também dos bens industriais.
João Miguel Nzenguele morre,em Luanda, no dia 21 de Abril de 1998, com 61 anos de idade.