MASSACRE DA BAIXA DE KASSANJE
Por Patrício Batsikama
A ruptura histórica na revolta dos agricultores perante o sistema colonial caracteriza-se por quatro
aspectos: (I) a reprovação pelos Angolanos as imposições socioeconómicas coloniais: isenção de impostos e abolição de trabalho forçado estaria na base dessa revolta; (II) o rompimento de
Ultramarino português para colónia era nítido: a opinião internacional (ONU, sobretudo) começará a considerar Angola (e outras colónias portuguesas) como nação diferente de Portugal: estava
traçado o caminho para independência de Angola; (III) fala-se de massacre de mais de mil pessoas (as estatísticas são várias e variáveis), quando na verdade, muitas famílias (pequenas “tribos”)
desapareceram por completo. Será possível pensar a genocídio? As etnias Kahêmba[1] (que não são Lûnda, nem Ambûndu nem Pênde desapareceram por completo em Angola, salvo ainda algumas famílias no
Congo democrático); (IV) a confirmação da identidade (africanidade ou angolanidade).
Baixa de Kassanje: sua geografia humana. O que chamamos Baixa de Kassanje compõe-se por mais de dez aldeias: Mulûndu, Ntêka dya Nkînda, Yôngo’a Mulându, Nkâmbu Nsunginje, Wôlo dya Nkôsi, Nzûnge, Kanzaje, Santa Nkômba, Nsi’a Ndele, etc.
Estrutura Social angolana colonial Importa salientar que nos tempos coloniais a estrutura social angolana era da seguinte forma: 1) Portugueses: (i) aqueles que, nascidos católicos e em Portugal,
eram colonos e seus filhos nasciam na Metrópole (dificilmente na Colónia). Tinham direito a cidadania expresso na detenção de Bilhete de identificação; (ii) os litigiosos judiciários que viam
“cumprir sua cadeia” em Angola onde faziam novas famílias. Apesar de possuir Bilhete de identificação este documento não era reconhecido na Metrópole; 2) Reinóis: (i) são portugueses que nasceram
no Reino Unido de Portugal (ultramarino) de pais portugueses (quer com portuguesas quer com angolanas); (ii) descendentes dos primeiros (nativos) que eram limitados a desempenhar algumas funções
apenas (operários, trabalhos forçados para os menos formados, e auxiliar administrativo para aqueles que tinha um nível de escolaridade liceal); 3) Indígenas: (i) Assimilados são aqueles
indígenas que aceitavam
a civilização portuguesa como modo vivendi e tinham acesso ao Bilhete de Identidade, o que per-
mitiam acesso ao trabalho (operário ou auxiliar administrativo); (ii) Não-Assimilado: aqueles que recusavam o modelo civilizacional portuguesa quer pelas convicções, quer pelas influências
religiosas
(protestantes) quer pela distância ao centro administrativo colonial.
É nessa realidade que as ocorrências de 4 de Janeiro vão se passar. Os camponeses aqui eram, na sua
maioria, os Não-assimilados por duas vertentes; (i) por convicções religiosas. Estamos aqui numa região
que a Cotonang (empresa de Algodão angolana) influencia os valores belgas que, por um lado, são
católicos, mas por outro são protestantes. Importa salientar, também, as razões que deveriam estar
na base dessa revolta: 1) O impulso pela leitura que, muito provavelmente, terá partido de Congo de-
mocrático (por causa dos belgas que exigiam que os camponeses estudassem para no mínimo saber assinar e sobretudo aumentar o arrendamento dos seus trabalhos;2) As situações socio-económicas na
região. Os indígenas pagavam impostos com valores exage-rados (250 a 350 escudos) e que eram calculados na base dos interesses coloniais.[2] Por ser Não-assimilados (não possuir Bilhete de
Identificação) eram submetidos aos trabalhos forçados;3) A descolonização do Congo belga. O caminho-
-de-ferro de Katanga (Shaba) serviu de meio para refúgio dos belgas que, muito deles, passaram por Angola antes de busca comodidade nos outros países ou na Europa. Cotonang sendo uma empresa
com
capitais belgas, os Belgas buscaram suas redes de comunicação para sair do Congo independente. Era
motivador o Angolano ver o “civilizado” belga fugir “Lumumba”, e o facto nutriu as esperanças de uma
independência (fim do trabalho forçado).
As revoltas em Angola: 4 de Janeiro de 1961 Em Outubro de 1960 registaram-se as primeiras
resistências dos produtores de algodão. A demanda era exigente (na parte do colono), e a produção medíocre (na parte dos colonizados). Importa aconselhar alguns livros, e vamos “comentar” cada
um:
1) Nunes, António, Angola 1961. De Baixa de Kassanje a Nambuangongo. O seu autor era Tenente
coronel António Lopes Nunes dá-nos um excelente relato, cheio de pormenores, sobre os lugares
e as famílias massacradas. Isto por um lado. Por outro, especifica o tipo de armamento utilizado para
massacrar o povo de Baixa de Kassanje. Baseando nos seus relatos, e tendo em conta alguns relatórios coloniais, veremos que desapareceu – nos dias de hoje – o grupo os Kahêmba em Malange, nem na
vizinha Lûnda encontramo-los. 2) Mateus, Dalia Cabrita, Angola 1961. A autora debruça sobre o ano de 1961 que registou as revoltas quer de 4 de Janeiro quer de 4 de Fevereiro quer de 15 de Março.
A autora faz questão de reconstruir síntese de cada data e sublinhar as consequências.
Esta autora já tinha publicado um outro livro que dá conta dessa História social no seu livro sobre
Massacre em África. Importa salientar que ela faz uma nova leitura sobre o assunto, questionando al-
gumas teses sobre as paternidades políticas dessas revoltas. A discussão em si é interessante, embora ultimamente surgiu muitas críticas sobre o livro. 3) Vaz, Camilo, Angola 1961. A Verdade e os
Mitos O livro de Rebocho Vaz conta o comportamento da “companhia dos caçadores especiais” em relação aos
massacres na aldeia de Viçosa, Kolua… O seu texto é interessante por aportar luz sobre a anatomia social massacrada, a tipificação do armamento utilizado. De lembrar que ele teve Medelha Militar
de Palma de Ouro, logo o seu depoimento deve ser considera do, mas com uma crítica histórica.
Existem vários sobreviventes e filhos destes que têm testemunho. Hoje com a Recolha da Litera-
tura oral é possível reconstruirmos o cenário. Além disso, podemos confrontar os dados com o que existe nos arquivos quer angolanos quer portugueses.
Consequências
Com “4 de Janeiro de 1961” começa a instabilidade do sistema colonial no plano económico e diplomática, e ipso factum, estava aberta a linha das revoltas dos independentistas angolanos. De forma
cronológica podemos referir as seguintes rupturas: 1) 1961: nasce a luta armada para Libertação de Angola; 2) 1962: reorganizam-se as organizações independentistas e muito delas saem do anonimato
ou na clandestinidade; 3) 1963: internacionalização do “caso Angola” nos circuitos nternacionais (no âmbito da Guerra Fria) e os apoios já eram visíveis que em África (para os países já
descolonizados) quer no Ocidente (E.U.A., U.R.S.S., Cuba, etc.)… e a China já apoiava timidamente a causa angolana; 4) 1964-1967: Guerra generalizada em Angola: (i) pequenas revoltas nos postos
administrativos; (ii) confronto entre comandos portugueses e guerrilheiros angolanos; (iii) as discussões na ONU e OUA destacam o “caso Angola”.
Fonte: Folha 8