
Lagoa do Feitiço
Fotografia: Jornal de Angola
A Lagoa do Feitiço tem uma história que faz arrepiar os mais ousados. Ngungo Indua era o nome de uma aldeia que ficou submersa devido a uma “chuva miúda”, muito branda. Hoje só é visível um grande lençol de água parada. Ninguém vê vestígios de casas mas elas estão lá e guardam fantasmas que aparecem nas manhãs de cacimbo e nas noites em que chora a hiena.
Os mais velhos dizem que a aldeia ficou submersa pela “chuva miúda” e muito branda, há muitos séculos, antes mesmo da chegada dos portugueses ao Reino do Congo. O silêncio na
Lagoa do Feitiço é absoluto. A paisagem parece uma obra de arte pintada por um génio desconhecido. Quem quiser conhecer esta maravilha da natureza tem de ir ao Dambi a Ngola, na Aldeia
Viçosa, município do Dange-Quitexe.
Isaac João Capita, o sekulo da aldeia Dambi a Ngola, despejou vinho, maruvo e gasosa na lagoa para alegrar o casal de sereias que lá habita. E fez uma prece: “eu vim informar que
trouxemos aqui os nossos visitantes. Eles querem conhecer e descobrir a tua história, por isso trouxemos o maruvo, o vinho e a gasosa, para vos alegrar e para que permitam a estes
viajantes realizar o seu trabalho sem problema”.
O sekulo conta à reportagem do Jornal de Angola a história da Lagoa do Feitiço: “tudo aconteceu quando uma manhã, na aldeia do Ngungo Indua, onde viviam centenas de pessoas,
apareceu um homem defeituoso.
Do seu corpo escorria água e pus. Ele cheirava muito mal e estava com sede. Mas como todos sentiam nojo dele, fecharam-lhe a porta na cara, ninguém lhe deu água”.
Os adultos fecharam a porta ao viajante doente. Mas duas crianças, um rapaz e uma menina, que estavam sozinhos em casa, prontificaram-se a atendê-lo como devem ser atendidos todos os
viajantes: com amizade. Os meninos serviram-lhe água num copo limpo.
Depois de beber a água ele disse que estava satisfeito mas deixou a seguinte recomendação: “quando o papá e a mamã chegarem, avisem-nos para recolherem todas as vossas coisas e irem
para a montanha do Kituto”. Assim aconteceu. E quando veio a “chuva miúda e muito branda, a aldeia desapareceu. A montanha do Kituto fica a cinco quilómetros desta lagoa. Isto aconteceu
mesmo, não é mentira”, disse Isaac João Capita.
A grande nuvem
Os pais das crianças chegaram e ouviram a mensagem. Embora com relutância, transportaram toda a mobília, porcos, galinhas e cabras para a montanha do Kituto. O viajante recomendou para
que não dissessem nada a ninguém, e assim fizeram. “Quando chegaram à montanha viram formar-se uma grande nuvem e a chuva começou. Era uma chuva miúda que caiu apenas em cima da aldeia.
Casas, pessoas e animais desapareceram para sempre na lagoa que se formou. As pessoas que viviam na aldeia, mas que no momento em que a chuva caía estavam distantes, regressaram a
correr como se tivessem sido chamados de emergência e também morreram afogados”, disse o sekulo.
Kipita kya Nzambi, pai das crianças, nem queria acreditar no que estava a ver.
Lagoa do Feitiço
José Dinis, um fazendeiro português, levou a família e os seus capatazes à lagoa. Ali ficaram fazendo um piquenique. Comeram e beberam alegremente até ao momento em que apareceu um
velho que vivia numa aldeia vizinha da lagoa. O ancião alertou o fazendeiro para o perigo que corriam.
“O fazendeiro não acreditou. Pegou numa moeda e atirou-a para a lagoa dizendo em voz alta que queria ver um milagre. Não passaram muitos minutos e apareceu, de repente, uma menina
morta. Estava dentro de um caixão que flutuava sobre a água. O fazendeiro ficou assustado e fugiu para casa”, conta o sekulo.
Mas à noite a desgraça bateu-lhe à porta. A filha morreu sem mais nem menos. Foi a partir daí que o fazendeiro atribuiu o nome de “Lagoa do Feitiço” à aldeia submersa. “Antigamente nós
chamávamos esta lagoa Ujia ya Mbuila. Já engoliu muita gente”, disse. Um dia os mais velhos da aldeia que está na montanha Kituto reuniram-se para resolver o assunto e foram ao local:
“os velhos levaram muita comida e bebida para pedir perdão às sereias por todo o mal que os nossos antepassados fizeram, para que nada mais aconteça”, contou.
O casal de sereias
A aldeia tem uma associação constituída por 178 agricultores que aguardam financiamento. A única escola do ensino primário não tem capacidade para acolher todas as crianças em idade
escolar.
Por falta de transportes públicos, quando as crianças terminam o ensino primário, são obrigadas a andar a pé, até ao Quitexe, onde dão continuidade aos estudos. Deve ser efeito da Lagoa
do Feitiço. Mas a reconstrução nacional vai chegar e Dambi a Ngola e então até as sereias ficam contentes.
J.A