Sob o ponto de vista linguístico, os bantú são o resultado provável do cruzamento, ao longo de milénios, entre hamitas, hotentotes e bosquimanos. Não admira portanto a presença, por vezes, de
alguns contrastes físicos entre os sub-grupos que constituem os grupos bantú, de onde resultam alterações sensíveis produzidas, ao longo de séculos, devido à permanência em zonas tão opostas como
o deserto, a savana, a floresta ou a montanha.
No Caso dos kongo, integrados no grande grupo sócio-linguístico bantú, em finais do século XIII e princípios do século XIV, ressalta a emergência do reino do Kongo, cujo título era o
‘mani’, palavra de radical bantú que quereria dizer o mesmo que o ‘mwana’ dos xonas ou o ‘mwene’ dos mutapa, tal como a palavra inglesa ‘king’ é parente da alemã ‘könig’. No entanto, a nós (pela
nossa experiência de conhecimentos linguísticos kikongo e kimbundo) quer-nos parecer, compulsados por sinónimos dos dicionários, especializados naquelas línguas, o seguinte: o rei não autorizaria
ninguém a aplicar a palavra Eu (mono), mas sim a palavra Senhor que traduzida daria mwene, cujo significado se prende com o poder advindo do sagrado tal como Luís XIV fora entronizado rei-Sol,
daí a aplicação dos dois termos, por exemplo, ‘Monomutapa’ e ‘Mwene Mutapa’. Trata-se de um ponto de vista etimológico e linguístico.
Só no final do século XIX, após a ocupação europeia, os grandes movimentos migratórios dos bantú foram dados por findos. A localização onde permanecem a maior parte dos seus sub-grupos é
portanto relativamente recente. Foi numa destas as zonas que se implantaram os agricultores kongo. Mas quais os traços de origem destes grupos de agricultores-caçadores? A zona dos grandes lagos
é o maior ecossistema do continente Africano, assente numa bacia lacustre, abrangendo mais de vinte lagos. Esta zona é o terminus de uma ‘rota de povoamento africano’, a chamada ‘Rota do Nilo’,
que nasce no lago Vitória e vai desaguar no delta do Damieta, em Alexandria. As civilizações africanas atingiram o seu apogeu no século XIV e XV, os “ferreiros” negros sabiam trabalhar o ouro, o
cobre, o bronze e mesmo o ferro, este último, desde o ano 1000 da nossa era.13
Três grandes rotas de povoamento tiveram lugar no continente africano: uma, percorrida por árabes provenientes da península da Arábia; outra por cabilas (povos nómadas que andam com o seu gado
caprino e quando se acaba o pasto mudam-se para onde este existe) e outra, por povos de pele escura. Podem distinguir-se, entre estes, quatro grandes grupos: os negro guineenses que habitam a floresta da Guiné (África Ocidental), os negro sudaneses, habitantes de toda a
área de estepe da zona sub saariana, entre o deserto do Saara e as savanas da Guiné e ainda o norte dos Camarões e existem também os nilóticos que
habitam as zonas do Alto Nilo, entre eles os Nuba e finalmente os povos de língua bantú, habitantes das zonas de florestas dos Camarões até ao sul de África. Este tipo de abordagem não parece,
segundo opinião do reputado historiador Arnold J. Toynbee, ser satisfatória para os estudantes das universidades africanas: “Aos olhos do negro africano, o visitante ocidental que citou
inocentemente o Egipto como um país africano que deu um contributo importante para a história do mundo ter-se-á incriminado a si próprio por aceitar a “hipótese hamítica”.14
Será preferível atribuir-se a estes povos a indicação de grupos sócio-linguísticos de língua bantú. O singular e o plural das palavras nestes povos é antecedido por prefixos e não por sufixos.
Todos estes povos têm um radical que pode ser pronunciado de maneiras diferentes, existindo dialectos diferentes, possuidores de construções gramaticais diferentes. Para usarem a prefixação e
sufixação, que identifica o plural e o singular das palavras, utilizam para o singular o prefixo mu e para o plural o prefixo ba e todos eles utilizam uma mesma palavra radical para designar
cabeça ou gente: o radical ntu. Por isso, estas palavras nunca podem ter um s no final porque a prefixação já indica singular ou plural. Os próprios grupos de pigmeus são integrados nos povos de
língua bantú.
13 Dumont, René (1965) A África começa mal. Publicações Dom Quixote. Lisboa, p.23
14 Toynbee, Arnold (1964) África Árabe África Negra. Arcádia. s/d, p. 10
Os povos negros agricultores penetraram na floresta e atingiram a zona dos grandes lagos, aí se foram implantando ao longo das várias migrações, havendo ainda hoje zonas desabitadas. A zona dos
grandes lagos é um ecossistema diversificado. Morfologicamente, encontramos aqui desde áreas de planície às grandes depressões com mais de 300 metros de profundidade (abaixo do nível do mar),
planaltos propícios a criação de gado e altas montanhas como o Kilimanjaro, o Monte Kénya e o Rovenzóry. Em função da própria geografia encontramos, entre a zona tropical e o equador, a floresta
virgem, a floresta arbustiva na média altitude e a estepe, a savana e a tundra nas grandes altitudes.
Os climas vão do quente e húmido, próprio da zona equatorial, até climas temperados da zona planáltica a climas quentes e secos das zonas das estepes e até climas frígidos das grandes
altitudes. É na zona interlacustre onde talvez possamos encontrar populações de vária ordem, todas elas negróides, umas de origem negra especificada com uma grande antiguidade e outras mais
recentes. Para a sua ocupação situaremos primeiro, cronologicamente, quatro grandes convulsões verificadas no espaço interlacustre, quatro grandes migrações, e dirse- á convulsões porque qualquer
destes fenómenos migrantes modificou por completo as instituições que existiam e que prevaleciam nesta zona.
Esta polivalência da área serviu de pólo de atracção de implantação demográfica, não conflituosa; havia espaço para todos, não se disputava território, e sobretudo não havia gado, eram
povos agricultores, não necessitavam de grandes espaços para desenvolver a sua economia e isto manteve-se até ao século oitavo. Cada povo tinha o seu próprio chefe era independente de outro povo,
apesar de viverem num conjunto limitado por esse espaço interlacustre. A coexistência não implicava o conflito. Mas aproximadamente no século oitavo surgiu aqui a 1ª grande revolução, com uma
migração maciça para esta zona. Sobre que povos foi criada esta instituição política? Sobre povos negro sudaneses, negro nilóticos e negro bantú. Esta zona até ao século onze foi povoada por
grupos negróides de origens diversas, desde os da área sudanesa, semi-deserta aos povos negro nilóticos todos eles agricultores, e povos de língua bantú como eram os baganda e os fipa entre
outros15. Isto significa que existiam na zona, povos com unidades linguísticas diferentes relacionados uns com os outros e que foram sendo integrados no seu processo linguístico
dentro desse grande grupo, os bantú. Os próprios pastores bakuezi só passaram a utilizar este prefixo depois de integrados nesta área linguística, originariamente eram conhecidos pelos kuezi ou
luezi, assim designados pelas populações existentes na zona. Os pastores desdenham a agricultura, mesmo quando as mulheres a praticam. O proprietário do gado conhece um por um, todos os animais
do seu rebanho, passam horas a examinar-lhes os cornos e as bocas celebrando-lhe canções em seu louvor. Se um animal morre o desgosto é tão grande como se de um filho se tratasse. O leite é
recolhido pelos homens em vasilhas de madeira ou em cabaças, sendo lavadas com urina de vaca e defumadas diariamente por cima de uma fogueira de bosta.16
15 Informação obtida aquando a frequência do Curso de Antropologia Cultural, na disciplina de quarto ano de Sistemas Culturais, ministrada por
Fernando Chambino.
16 Paulme, Denise (1977) As Civilizações Africanas. Publicações Europa-América. Lisboa, p.70
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Fotografia nº 3 - O contraste de um kongo e ensikongo18
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Acerca da origem dos povos bantú, muito se tem escrito e as mais variadas opiniões têm sido formuladas, porém uma verdade ressalta, os bantú em permanente rota de migração provêm duma
extraordinária explosão demográfica, atravessaram a floresta equatorial e chegaram a terras do Kongo no princípio da era cristã.17 Os povos que tem ao longo da história de África
demonstrado mais vocação unificadora são os pastores, embora se encontrem alguns reinos entre os agricultores. É evidente que para isto colabora também a geografia, enquanto o agricultor vive na
floresta o pastor vive na savana e na estepe e a floresta em vez de ser um elemento físico de coesão é um elemento físico de dispersão.
O homem com gado precisa de muito mais espaço para se implantar do que esse mesmo homem sem gado, ao precisar de se alimentar faz ali a sua área de cultura, mas se tiver gado, a área de cultura
existente só dá para dar de comer a uma cabeça e isso tornava insuportável a vida aos agricultores que então abandonaram a região com um gado mais pequeno dirigindo-se para parte sudeste do lago
Shade, percorrendo as margens do rio Shari e do Logone, os dois rios que definem a parte sudeste do lago Shade e avançaram para a região interlacustre. Durante três séculos do século VIII ao
século XI, foram integrando povos, integração
política suportada por diferentes indicadores, a homogeneidade linguística sobressaía de entre eles como uma similitude cultural, foram colocados no espaço ao nível de chefatura, visto que até
então os povos anexados eram segmentários, viviam em áreas ao nível de chefaturas dispersas, e daqueles milhares de chefaturas existentes no lago Shade, constituíram três, das quais a mais
importante era a de Mugangaíza (curiosamente pode significar em kikongo mu- nganga–iza “O mágico está entre nós”). Pela primeira vez, apareceu uma organização política definida, não ao nível de
estado tradicional, mas de um poder médio, surgiu o local onde o chefe vivia que era a capital da chefatura, povoação a que chegaram seguindo o curso do Ubangui, atravessaram o Zaire, Angola e
chegaram ao Atlântico. Foram caminhando sempre em direcção ao sul, e na sua passagem escravizaram os pigmeus e os bosquimanos.