Por Dr José Carlos de Oliveira
Apesar do poder ser difuso, uma figura emerge e a sua função está assente sobre as qualidades cinegéticas, uma parte da autoridade pertencia e ainda pertence ao antigo caçador de elefantes que
era, simultaneamente, um dos chefes do acampamento e guardião da floresta. Aliás, é conhecida a expressão ‘onde estiverem os elefantes estão os pigmeus’. Em termos de sobrevivência, tinham na
caça, nos cogumelos e no mel, apanhados durante o dia, a dieta mais que suficiente. São os filhos do Toré como dizem os pigmeus bambuti do Ituri. Os pigmeus andaram sempre ligados a dois
elementos: ao mel e ao elefante. No caso do mel, são recolectores (praticando esta recolha durante o período das chuvas). Nessa altura, todas as manhãs, grupos de homens acompanhados de mulheres
e crianças já aptas para a entreajuda dirigem-se à zona onde sabem haver colmeias. O mais rápido do grupo avista o enxame no meio da folhagem das árvores, por vezes, a quarenta metros de altura e
mais. De seguida, começam os preparativos habituais, as mulheres entrelaçando vimes, preparam os cestos de malha larga destinados à captura da colmeia, acendem uma fogueira e soprando provocam o
lume, rapidamente produz-se o fumo que sobe em direcção à colmeia. O chefe do grupo sobe ligeiro à árvore agarrando-se às lianas, levando consigo o machado. De repente, soam as machadadas e o
favo de mel solta-se, caindo no tapete almofadado das folhas no solo. O chefe do grupo desce imediatamente. No regresso, a colecta será dividida em partes iguais. A coesão do grupo depende da
‘lei da partilha’. Não vale a pena acumular, amanhã encontrarão outro enxame, não necessitam de provisões. Esta flexibilidade permite o precário estacionamento, limitandose às flutuações da caça,
da colecta e da água, dentro do determinismo geográfico. No que concerne aos elefantes, quando os abatem são evidentemente caçadores, constituindo o elefante um desafio da própria natureza. O
pigmeu que entrar no grupo de caçadores de elefantes adquire um estatuto próprio. Usam diversas formas para matar o elefante, dependendo do grupo. Assim, uns preferem atacar o elefante à azagaia,
tentando cortar-lhe depois os tendões das patas traseiras. Caído o animal, cortam-lhe a tromba, provocando a hemorragia fatal. Outros grupos não o enfrentam, fazem grandes batidas, conduzindo-o a
um determinado local onde está disfarçada uma cova; o elefante na sua correria cai, ficando indefeso, abatem-no então com pequenas zagaias utilizando setas envenenadas por veneno feito a partir
de raízes, cujo efeito é letal e paralisa o coração. Assim, preparam essas setas que são feitas de nervuras de palmeiras, extremamente leves, com alguns milímetros de espessura, colocando folhas
na parte traseira de modo a equilibrar a direccionalidade da seta.
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Fotografia nº 2 - Grupo de pigmeus bambuti 12
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Como é sabido estas populações passam dias a fio, estudando a melhor altura e espaço para capturarem os elefantes, por isso, ao andarem na sua pista, mantiveram durante séculos e séculos, o seu
sistema nómada que não permitiu o aperfeiçoamento da sua tecnologia rudimentar. Viviam e ainda vivem em pequenos acampamentos, construindo, ao longo de um só dia, as suas cabanas de finos troncos
revestidos de folhas. Quanto ao casamento fundado sobre o sistema de reciprocidade directa, designado assim por ‘cabeça por cabeça’, implicava que o homem ao escolher uma mulher de outro
acampamento, oferecesse em compensação uma mulher da sua própria família a um homem do acampamento da sua esposa. A sua organização familiar e social, em consequência do seu contacto e
posteriores relações com os bantu, passaram da monogamia à poligamia e de um sistema de autoridade tradicional, fundado sobre os valores cinegéticos, a uma chefia imposta pelos agricultores,
deixaram para traz a mentalidade fortemente comunitária de recolectores de alimentos; o interesse do grupo anteriormente subjugava o interesse individual. A vida obrigava-os a minimizar os riscos
da morte. Era na socialização que as crianças aprendiam a ser pacíficas, conforme o objectivo cultural do grupo, preferiam tudo que envolvesse a tendência à associação, à entreajuda e à
solidariedade. Nos povos caçadores-recolectores, a defesa dos interesses de cada grupo e a determinação do espaço físico não se faz obrigatoriamente com recurso à guerra. Os direitos de
propriedade eram subestimados e os de uso da terra também.
12 JOHNSTON, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson & Co. Londres. 2º Vol., pág. 502
A zona ecótona da floresta equatorial (a orla da floresta) com a floresta de galeria permitiu a instalação dos povos bantú e, desse modo, entraram em contacto com os povos pigmeus. Ao longo dos
séculos, e através da sua nomadização até à fixação em determinados locais favoráveis à sua existência e reprodução foram-se aclimatando, adaptando-se a novos nichos ecológicos ou a novas
condições ambientais. A aclimatação não é mais nem menos do que um processo de adaptação de indivíduos a novas condições, passando por modificações fisiológicas, quer dizer do metabolismo,
condicionado pela sua carga genética.
Este tipo de envolvimento florestal compreende o encontro com a floresta virgem, propriamente dita. Nas margens do seu perímetro encontram-se certos espaços planálticos, fazendo parte da
bacia do Zaire, seguidos, por vezes, de vales profundos e húmidos onde a vegetação continua a ser a floresta muito parecida com a floresta chamada virgem. As diferenças estão na estrutura das
árvores, menos altas, o espaço entre elas mais aberto, em especial na sua orla, e a amplitude da floresta não passa de dezenas de quilómetros. Assim sendo, este tipo de floresta torna-se mais
habitável, a fauna mais numerosa com exemplares de grande envergadura. A obscuridade alterna com grandes espaços de luz, clareiras naturais onde a mosca tsé-tsé não habita. Estas florestas são
sobretudo numerosas na região que se estende, entre a zona atlântica e a bacia do Zaire propriamente dita, existindo de permeio uma zona de árvores enormes em densa floresta que é a zona do
Maiombe do Niari e do Kuilo. Consoante o regime de chuvas vai escasseando, assim a vegetação vai rareando, dando lugar à savana e ao matagal (aquilo a que chamamos ‘floresta arbustiva’).
As considerações etno-históricas que se seguem, não pretendem ser mais do que um esboço de enquadramento para a compreensão das relações dos diversos grupos bantú com os grupos de pigmeus,
disseminados pela floresta equatorial. Um dos ramos bantú teria penetrado no Kongo, por volta do século XIV, torneando o rio Zaire, pela sua margem direita, e só parou quando avistou o Oceano
Atlântico. Fixaram-se entretanto em toda a região, menos na floresta dos pigmeus, miscigenando-se com as populações que foram avassalando, rodeando as nascentes do Zaire e subindo os vales dos
seus grandes afluentes.