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23 Nov

Laços Etno-Históricos dos Kongo e dos Pigmeus (6)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #Fragmentos históricos do Uíge.

 

 

Por Dr José Carlos de Oliveira

 

 

Jose Carlos de Oliveira l

 

Um dos estados com relativa importância nesta zona geográfica foi o reino de Luango, que compreendia povos avassalados, habitados por antepassados dos actuais fiote e bavili. Para leste do rio Luango, o reino dos anzico era povoado por bateke (antepassados dos kongo) e baiaka; para o sul era o reino de Ndongo cujo rei usava o título de Ngola. O reino do Kongo estava dividido em quatro províncias governadas por quatro príncipes filhos da irmã do rei.

 Entretanto já os pigmeus tinham enveredado, sob a influência dos bantú, entre eles os kongo pela prática da agricultura, todo o processo de vida mudou passando a vigorar o direito tradicional africano com todas as versões que se lhe conhece tendo como fonte, a vontade dos ancestrais. As partes não são os intervenientes directos nos actos jurídicos, mas as respectivas famílias, representadas pelos chefes, que em nome delas se arrogam os direitos e as sujeitam às sanções.


17 Altuna, P. Raul de Asúa (1985) Cultura Tradicional Banto.Secretariado Arquiodiocesano Pastoral. Luanda, p.14
18 JOHNSTON, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson & Co. Londres. 2º Vol., pág. 522


 Por esta época, o dispositivo técnico-económico dos babinga da zona ecótona já não estava baseado só na caça e na recolha. Tinham iniciado o consumo crescente de alimentos que implicavam um alargamento de trocas com os bantú e, muitas vezes, o aparecimento de uma pequena agricultura que, a par e passo, com o processo de sedentarismo, se acentuava, dependendo, por vezes, do lugar de fixação. A estratégia de cooperação deixou espaço para uma nova situação social, colocando os babinga sob a estreita dependência dos agricultores aos quais estavam ligados, por violentos actos de submissão.
 Variadíssimos trabalhos trataram os bambuti, (ou wambuti, tratamento usado no seio do povo). Destes trabalhos faremos continuamente referência, utilizando como fonte os estudos apresentados no seminário do professor Balandier, ressaltando os de P. Schebesta e C. Turnbull pela sua importante contribuição. Os bambuti tinham uma técnica muito rudimentar. A prática da troca com os seus vizinhos sedentários walesi permitiu-lhes obter o ferro para o fabrico de machados, lanças, o que explica a personagem chave desta relação: o ferreiro. Ambos os povos passaram a participar de festas e rituais comuns, especialmente as que se referiam à preparação do casamento duma mulher pigmeu com um bantú, sendo a jovem apresentada a toda a aldeia pelo próprio pai. O vestuário de panos começou a fazer a sua aparição, em especial como dote das iniciadas que encetavam a nova forma de vida. Ao contrário deste sub-grupo, os babinga, localizados mais a norte, nunca tinham sido estudados em profundidade e de forma sucessiva. Surgem unicamente os ensaios, segundo M. L. Demesse19, de Poutrin (1911-1912) com as suas preciosas investigações de antropologia física, a que podemos acrescentar os de R. Hartweg (1946) e ainda a obra do padre Trilles (1932), que percorreram caminhos dispersos e confusos de, por vezes, discutível cientificidade, estando desta apreciação isentos, segundo a mesma, os trabalhos de campo dos sociólogos A. Hausser (1953) e G. Althabe (1956).
 Esse estudo mais aprofundado sobre os babinga foi executado por M. L. Demesse (1954). Assim, em termos culturais, sabemos que a mestiçagem física antecede a mestiçagem cultural. Os pigmeus não foram programados de modo a definir a sua natureza humana, foram, são e serão um produto cultural, mesmo em diversos aspectos, na sua configuração física, no controlo das suas funções orgânicas e no comportamento social. Pelo que já foi exposto, não poderá conceber-se uma natureza humana fora da influência social, do seu relacionamento com os outros. Até os pormenores do ambiente físico, nos primeiros anos de vida, desde a habitação aos aspectos da paisagem circundante, ao clima, entre outros aspectos, modelam o indivíduo para o resto da vida.


19 Demesse, M. L. (1972) Enquête sur les pygmées de la République Populaire du Congo. Séminaire du professeur Balandier. Ecole Pratique des Hautes Etudes. Centre d’Etudes Africaines. Paris.

Aliás, as populações batwa do Ruanda são já o produto de antigas mestiçagens dos pigmeus com os bantú da orla da floresta, apelidados pelos babinga de “negros grandes”. Para compreensão do fenómeno das relações entre pigmeus e kongo, são de relevante importância alguns factores que se manifestam depois da chegada dos bantú à zona ecótona, ou seja, à zona de transição, que estabelece a ligação entre a floresta e a savana, permitindo a partilha de elementos de um e de outro ecossistema e, por conseguinte, o aparecimento desta cooperação. Os bantú necessitavam dos pigmeus para penetrarem na floresta, sendo os pigmeus atraídos pela mudança, embora houvesse sempre focos de resistência.

Mapa nº 4 - Género de vida dos indígenas da África Equatorial. Escala 1:20.000.000. 20/21


20 Zona onde a mandioca domina sobre os cereais na alimentação indígena; 2. Tribos de Artesãos; 3. Tribos de Comerciantes; 4. Limite ocidental da vida de pastorícia; 5. Limite entre a zona de cubatas rectangulares (a oeste e ao centro) e a zona de cubatas cónicas (a norte a este e a sul); 6. Trabalho de ferro; 7. Trabalhos de cobre; 8. Tecelagem; 9. Cestaria; 10. Objectos de barro.
21 LA BLACHE, Paul Vidal de e GALLOIS, L., Geographie Universelle, Vol. 12. Afrique Equatoriale, septentrionale e ocidentale (1ª e 2ª parte) - 1937-1939 - Congo Belge, pág. 73.


 Tradicionalmente, entre os bantú, a floresta era do rei. Aí, era impensável caçar ou cortar árvores, nem sequer lá penetrar. Sabe-se que muitos ritos de passagem africanos se fazem, ainda hoje, com cerimónias secretas em bosques sagrados, onde os iniciados nos segredos do sub-grupo, são os únicos mandantes. Estas similitudes são suficientemente perceptíveis se, como nos diz Mircea Eliade, atendermos às ligações místicas entre árvores e homens (árvores antropogenésicas), como receptáculo das almas dos antepassados. É de relevante importância o casamento das árvores presentes nas cerimónias de iniciação. Em muitas civilizações, a árvore, talvez devido à sua longevidade (algumas com mais de dois mil anos) aparecem como árvores da vida. É evidente que não se trata das árvores dos nossos quintais, mas de árvores simbólicas da vida.22
 Um dos aspectos mais característicos e, quase sempre, consequência secundária da sobreposição de diferentes sociedades no mesmo espaço, é a existência, em muitos grupos ou sociedades, negro-africanas, de chefes ou donos da terra, cujos poderes derivam das prioridades de instalação dos seus antepassados.
 Os kongo, parte dos antepassados dos grupos linguísticos bantu, que ocuparam parte de Angola e Kongo, como por exemplo, os mbundo, os ovimbundo, os lunda-chokue, entre outros povos, que se expandiram em diversos núcleos entre os Camarões e a Nigéria, bordeando a bacia do Zaire ou Kongo. Os kongo, imigrados para as terras Téké (margem norte do rio Zaire) atendendo à ocupação ancestral, as terras continuaram a ser consideradas como habitadas pelos espíritos dos antepassados da etnia primitiva. Para permitir a exploração dos recursos da terra às duas sociedades fixadas no mesmo espaço, especialmente sob a forma de agricultura, foram necessários diversos arranjos ritualistas, outras tolerâncias e acomodações, na estrutura social dos kongo e dos autóctones téké, de forma a não ‘irritar’ os antepassados e permitir a subsistência dos vivos.
 Assim, se podem resumir os laços etno-históricos destes dois povos. Nos dias de hoje, os pigmeus sofrem pela mestiçagem física e cultural, duma quase extinção. Actualmente o objecto mais desejado é o rádio e os pigmeus que frequentam as escolas já vivem nas cidades, embora, de vez em quando, regressem por uns tempos à floresta.


22 Eliade, Mircea (1949) Tratado de História das Religiões. Edições Asa. Porto, p. 377.

 Por exemplo, nos Camarões, com mais de 17 milhões de quilómetros quadrados de floresta tropical  húmida, o país é muito rico em recursos naturais de onde ressaltam o petróleo e as madeiras, havendo árvores com mais de 900 anos. O corte dessas madeiras tornou-se extremamente rentável para as empresas de construção. Os pigmeus assistem ao modo como o seu ecossistema vai sendo violado e ironicamente para muitos deles a única forma de sobreviverem é encontrar trabalho nessas empresas. A política dos madeireiros é de que estão a ajudar os pigmeus, por isso procedem às operações de aparelhagem de madeira na própria floresta. Os pigmeus são tolerados pelos outros trabalhadores bantu, mas na maioria dos casos, são-lhes atribuídas as tarefas mais difíceis, por sua vez, os europeus empregados nas fábricas são de opinião que é difícil trabalhar com pigmeus; quando começa a época da caça, desaparecem durante 15 dias ou um mês, por isso, a maioria de trabalhadores madeireiros na floresta são bantú. Porém, sempre que é necessário abrir caminho na floresta, procurar ouro ou fazer dos pigmeus garimpeiros e ainda transaccionar marfim em bruto, a mais valia ainda se encontra do lado deles, resta saber quanto tempo durará esse monopólio.

Nzila - Socorro

 

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