Kôngo-Umbûndu
Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama
Na linguagem dos Historiadores, dos linguístas, dos Antropólogos, entre outros, o Kôngo ocupa a região entre o Atlântico e o rio Kwângu, desde Kwânza no sul até nos confins do Planalto central no norte. Portanto, umbûndu145 são, no entender dos mesmos especialistas, um conjunto de etnias, meridionais de Angola, mas que encontramos em grande mistura antropológica nos grupos Côkwe lûnda, Ngângela, etc.
As Palavras também têm a sua história
«Quando nomeio o objecto cadeira, estou a referir-me a todas as cadeiras que existem na minha casa, mas também às cadeiras do restaurante ou da igreja, às de agora ou às do passado, às ricamente trabalhadas ou às mais simples e humildes». Isto significa que as palavras são arbitrárias e convencionais, logo não mentem em si e são documentos históricos por excelência.
Banal. De acordo com o Direito feudal, os habitantes de um mesmo Senhorio, foram obrigados a utilizar a moagem, o forno, o lavador, entre outros, do Senhor-Chefe, consoante uma licença. Estes
objectos
foram, então, chamados de “forno banal”, “moagem banal”, “lavador banal”, etc., porque designados dessa maneira precisam de um ban. Isto é proclamação política. Como todos os habitantes se
dirigiam para lá, a palavra banal foi retomada no século XVIII com os sentidos de comum, UTILIZADO PARA TODOS e SEM ORIGINAlIDADE.
Falemos, então, dos títulos administrativos dos Mbûndu. Na linguagem de Joseph Miller, esses títulos não somente concernem os umbûndu, mas também os Kimbûndu. Vamos tentar colocar os senti-
dos do Kôngo de lado a fim de favorecer ao leitor um julgamento livre: afinidades? filiações? Os dados vêm do livro “O poder político Mbundu.
O parentesco nos Umbundos”, escrito pelo Joseph Miller.
1) KOTA: título Mbûndu, os velhotes de uma linhagem, a quem são confiadas as posições titulares de linhagem. São os dignitários da Corte, que servem o rei, sendo eles constantemente eleitores das
au-
toridades reais.
Em umbûndu, as raízes são:
Kòta: adquirir, guardar;
Kòta: acabar, terminar, dar fim a;
Kòta: exorcizar, expulsar o espírito ou o demónio de uma doença.
Em kikôngo, Kõta vem de:
Kôta: engajar a, impedir uma batalha, pôr obstáculo;
Kôta: custar, valorizar junto;
Kôta: exortar, advertir, persuadir;
Khôta, no Mayômbe, significa RESPONSABIlIDADE.
De acordo com os sentidos acima enumerados, os «Makhôta» pertencem à linhagem dos Nsâku Ne Vûnda, isto é, à linhagem dos Sacerdotes que consagram as Autoridades logo depois da eleição. Entre
1791-1795, Raimundo Dicomano assinala que “cada Senhor-Chefe de Bânza (capital) e libâta (aldeia) possuía um MACOtA (velhote conselheiro), um MANI PÊMBA (idoso) ou um Justiceiro-Major. Quando
surge
qualquer dificuldade entre o povo, é a pessoa indicada que examina a causa, pondo as duas partes em acordo”.
Assim, os sentidos umbûndu e Kikôngo complementam-se mutuamente. Exorcizar, por exemplo, que é umbûndu, confirma que os Makôta (Kôngo) foram realmente MANI PÊMBA, como reza a tradição.
São os membros da família dos Nsâku Ne Vunda. EXORCIZAR era um dos atributos das funções dos Nsâku na sociedade Kôngo antiga.
2) KILÂMBA: título dos reis Pende (como subgrupo Ovimbundu) que governavam antes da chegada dos IMBÂNGAlA. O radical é lâmba que, segundo Alves, é o nome dado a uma pessoa amável, querida,
bondosa e simpática151. Em kikôngo, lâmba é transitivo, uma vez que, além de significar estender-se, alargar-se, quer, também, dizer DURAR MUItO TEMPO. O mesmo verbo significa pensar, reflectir
profundamente e meditar. Hâmba, cujo kâmba é variante, significa a mesma coisa em Kimbûndu.
Não é surpresa que Kilâmba venha a significar “uma pessoa amável”, porque na Era da fundação dos reinos bantu, a AMIZADE estava na base das preocupações antes de fazer as pazes num país
conquistado. LÛNDA, por exemplo, significa AMIZADE pelas mesmas razões, dizem os autores.
O sentido de DURAR MUITO TEMPO é próprio da noção de au toridade no mundo bantu153: o princípio do poder baseia-se no sangue de uma família derivado do ancestral principal. Nos Kôngo, apenas os Nzînga podiam governar antes da descoberta de Diogo Cão. Nzîng’a Nkûwu, por exemplo, é uma prova.
A palavra Nzînga vem do verbo zînga, que significa viver muito tempo, durar muito tempo, persistir durante muito tempo, etc. E foram eles as elites154 das migrações. Denise Paulme, mais
atrás, numa citação que fizemos, escrevia: «as migrações sob conduta dos membros da família real»
No que concerne o sentido de MEDITAR e REFLETIR existe também correspondência. Em kikôngo, MFÛMU significa AUTORIDADE e CHEFE. Deriva, portanto, de fûmuna, isto é, sentar-se com a mão sustentando
o queixo ou bochecha, meditar, reflectir, fazer exame da consciência, pensar.
O título KILÂMBA, lemos atrás, é herança dos Mbùndu da parte dos Pende, “antes os IMBANGAlA”. Os Pende dizem que os ancestrais são cidadãos de IMBÂNGALA (MPÂSI) ou de KÔNGO-DYA-MBÂNGA-
LA. Assim, já sabemos a cidadania deles: Imbângala. Mbângala, de acordo com a tradição, era o país das origens de Besi-Kôngo. Assim, eles seriam Kôngo na mesma lógica comparativa que os
Portuenses são Portugueses. lamal explica isso na sua obra sobre os Ba-Sûku e as populações de Kwângu-Kasayi.
3) luKANO: bracelete lùnda: símbolo da autoridade real, escreve Joseph Miller. No século XVIII, os Europeus, que estavam a compor as lexicografias, notaram que, em Mbùndu, bracelete traduz-se em
malùnga1. Adriano Barbosa faz ma-lùnga e lùnga e Alves lùnga para qualquer bracelete como jóia. Estes autores precisam que o mesmo objecto se chame LUKANO quando é insígnia de poder. Neste caso,
o que significa então a palavra? Em umbûndu como em Côkwe recolhemos os mesmos sentidos: um problema duvidoso, um processo, uma resolução (a um crime), premissa, decisão (de um defunto), etc.”.
Em kikôngo, nkânu significa coisa, problema, problema duvidoso, julgamento, processo, algo que traz perseguições e crime. Temos prova de que as palavras não só falam, mas também, como documento
histórico que são, obriga-nos a aceitar o ponto de vista que fornecem. E a lógica como «ciência de palavras» – que, também, significa «ciência do pensamento e das linguagens» – põe em
paralelo
o acto mental e o objecto, além de impossibilitar a separação entre o pensar e a linguagem. E entre o pensar Kôngo/umbûndu e a realidade exprimida ao objecto existente, sobre a qual ambos se
referem, tudo indica que a subsistência teria sida a mesma. Isto consiste, na linguagem de Ferdinand De Saussure, no significante, ou consoante E. Sapir, na realidade factual – termo que utiliza
na antropologia histórica, utilizando a linguística.
Mas, isso autoriza-nos a dizer que as designações acima referidas são portadoras de significações que indicam uma concepção formada a partir das realidades vividas em conjunto, logo interpretadas
de forma convergente. Quer com isso dizer que as «mentes» desses grupos etno-
linguísticos imortalizam um mesmo evento histórico de que já tratamos com Kôngo-Côkwe sobre a sucessão de Lwêzi/Ruej.
Extrato do livro: " As origens do Reino do Kongo " editado por:
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