FRAGMENTOS HISTÓRICOS DA DAMBA 27.
VIAGEM AO BEMBE E DAMBA. Setembro a Outubro de 1912
In- NO CONGO PORTUGUÊS - Relatório do Governador do distrito, primeiro tenente
de marinha, José Cardoso. Cabinda ,1913”
RELIGIÃO E FÉ
A falta de confiança no auxílio que possa prestar-lhes a religião civilizada é, portanto,muito fácil de compreender-se.
Em primeiro lugar, embora o indígena creia na sobrevivência do espírito, não lhe parece que sirva para qualquer coisa a salvação da alma, e o que vê nas nossas imagens são outros tantos feitiços
destinados a fins idênticos aos seus, mas que só são efectivos para os brancos.
Por fim, é um facto que o indígena convertido tem, como regra, uma fé frouxa,e sente, quando entregue a ela, a falta de qualquer coisa tangível que defenda na vida presente, e nas conjunturas
materiais difíceis, das armadilhas dos mil e um feitiços que se opõem aos seus empreendimentos, aos quais se entrega sem aquela confiança no êxito que lhe prometem os seus feitiços familiares e
portanto de facílima intuição para ele.
Quando sofre um insucesso, que se lhe pretende explicar pelo facto de Deus querer experimentar a intensidade da sua nova fé, não o satisfaz essa explicação com a qual se não governa e que não o
anima a consolidar a sua fé nesse Deus que,para experimentá-lo, o abandona, expondo-o assim a sérias contingências, que ele não pode prever quando cessem, por não saber quando acaba essa prova a
que tem de sujeitar a sua fé.
Daí resulta que na maioria das vezes o indígena cristão adiciona à sua nova crença o uso intimo do seu feitiço, para, pelo menos, iludir o feitiço oposto, encobrindo-lhe a sua conversão ao
cristianismo, o qual afinal não passa de ser uma forma prática do indígena manifestar que também compreende que é bom estar-se bem com todos os deuses.
Vê-se, pois, que o sentimento religioso no preto é uma pura superstição, tanto mais admissível e desculpável, quanto é certo que os actos e manifestações supersticiosas estiveram, e continuam a
estar, sobrepostos, profundamente enraizados e misturados com os diversos sentimentos de toda a humanidade cristã, ateísta, pagã ou livre pensadora, através de todos os tempos, de todas as
religiões e de toadas as civilizações, e, hoje mesmo, é influenciado pelo poderio oculto da superstição,com uma única diferença, a qual é que, entre os homens civilizados e nos espíritos
ilustrados, a superstição não se apresenta com o carácter de essência religiosa que se manifesta no selvagem.
Todavia, ainda mesmo entre povos civilizados se encontra nos indivíduos possuidores dum espírito menos culto uma grande confusão entre religião e a superstição e a mesma dificuldade que o
indígena tem em separar-se da sua influência quando se converte a uma religião superior.
E, se nos convencermos de que nos indivíduos mal educados é incapaz de formar-se uma ideia correcta do que representa a divindade e os seus atributos,e como estes constituem a grande massa dos
crentes, se quisemos distinguir qual a verdadeira religião que professam, temos que joeirar as suas crenças e as suas práticas, purificando-as do que têm de supersticioso, para encontrarmos nos
resíduos da sua fé a ideia indecisa do Deus criador e redentor, característica das religiões civilizadas.
Recorrendo a igual processo de análise para as crenças gentílicas, acabamos também por encontrar-lhes no fundo, sob a forma de Anyambe, Njambe, Nzambi,Auzam, Nyam ou Ukuku,etc, uma ideia perfeita
e rudimentar do Diaushptar do Seus pai, o deus criador que justifica plenamente o modo de ver e considerar-se religião o conjunto de superstições e de crendices do indígena semi-bárbaro.
Encontram-se, pois, no preto como em todos os homens primitivos, e em muitos civilizados, a crença no ente supremo por mais incorrecta, imperfeita ou obscura que ela possa apresentar-se para nós,
na certeza de que tudo o que lhe transparece do mundo natural, que excede os limites da sua compreensão ou das suas possibilidades de acção, é atribuído à agência material dos poderes de um ser
oculto, espírito (?) superior que considera como seu Deus.
Em colaboração com ARTUR MENDES.