Fonte permanente de angústias.
Por Luís Fernando (*)
Dentro em breve, Angola vai receber uma nova vaga de cidadãos seus residentes no território da República Democrática do Congo (RDC). Trata-se de um processo em tudo diferente da turbulenta acção de há um ano, quando unilateralmente e sem qualquer aviso prévio, as autoridades de Kinshasa tomaram a decisão de expulsar milhares de angolanos que acolhiam num estado híbrido de refugiados/imigrantes. Alguns deles, residiam no antigo Zaíre há mais de 50 anos.
Desta vez os angolanos que querem regressar ao seu país fá-lo-ão sem coacção, ou seja, voluntariamente.
Tanto quanto se sabe, Angola, através das suas instituições afins, criou condições apropriadas para essa operação, ou não fosse ela, de resto, avisada com suficiente antecedência. Em
entrevista que O PAÍS publica nesta edição, por exemplo, o Governador Paulo Pombolo do Uíge refere-se ao modo como o seu território se preparou para receber os compatriotas que escolherem a
entrada de Kimbata, em Maquela do Zombo, para voltarem à pátria. Em Kinshasa, o representante diplomático de Angola, Emílio Guerra, falou também do processo em conversa com um enviado do
Jornal de Angola. Tanto um responsável quanto o outro, deram a entender que, a depender de Angola, os nossos compatriotas podem abordar as fronteiras nacionais hoje mesmo.
Regressados angolanos da RDC.
Ocorre, porém, que o embaixador Emílio Guerra queixou-se de pequenas contrariedades. A primeira delas, o facto de as autoridades da República Democrática do Congo e o Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) não avançarem com a marcação de uma data para o início da operação de repatriamento, o que está a criar o inevitável clima de ansiedade e
descompensação psicológica que pode arruinar planos até aqui bem gizados. Pior do que isso, o diplomata manifestou-se extremamente preocupado com um problema infinitamente mais bicudo: na
região do Baixo Congo, onde maioritariamente se concentram os angolanos que querem regressar ao país, funcionam redes de traficantes que facilitam a infiltração de cidadãos estrangeiros em
Angola. Segundo o embaixador, são às centenas os que se preparam para entrar fraudulentamente em Angola, à pala desta operação.
Foram graves as acusações e suspeitas levantadas pelo representante de Angola em Kinshasa. Se não for de facto desanuviado o clima pesado que envolve o momento, a operação de retorno dos
nossos compatriotas pode vir a constituir-se em mais uma dor de cabeça para as autoridades angolanas ligadas ao dossier imigração ilegal, de ano a ano a transformar-se num câncer em processo
quase de metástase.
Incomoda por exemplo ficar a saber por via do embaixador Emílio Guerra que em Matadi, capital da província congolesa do Baixo Congo, foi identificado um cidadão local que só este ano
facilitou a entrada em território angolano de 570 indivíduos com documentos forjados. Lendo nas entrelinhas o que transcreve o Jornal de Angola, tudo parece indicar que o traficante
movimenta-se com uma impunidade arrepiante, pois teve de ser a missão diplomática angolana a pagar as despesas para que a Polícia de Matadi se desse ao trabalho de investigar a denúncia que
levou à sua descoberta.
Sempre de acordo com o embaixador, a embrulhada não se fecha por aí, pois o homem dos 570 infiltrados, é apenas um no meio de uma vasta rede.
Basta, pois, que se façam as deduções devidas para se apreender a gravidade da situação. Se um vivaço responde pelo expediente de quase 600 pessoas, bastam dez como ele para, num mesmo ano,
inundarem Angola com seis mil imigrantes ilegais. É pouco menos que desastroso, à falta de expressão melhor. Que seja feito então o que tiver que ser feito para que a operação de regresso
voluntário de angolanos ao país que lhes pertence não se traduza em nova fonte de angústias. Já bastam as arrelias com que temos de lidar!
(*) Director do jornal o país.
Fonte: jornal o país.