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30 Jan

Estruturas e instituições do Kongo I

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #História do Reino do Kongo

 

 

Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama

  

Batsikama

 

 

 

Estruturas administrativas do Kôngo


Quando a Europa penetra a África central no século XV, o feudalismo determinava o comportamento social e administrativo de quase toda a Europa. O feudalismo implica que as terras e as pessoas pertençam a algumas pessoas “poderosas”, os Senhores, cujas possessões em termos de terras não tinham limites, e podiam ter Feudatários além das fronteiras dos seus feudos, de tal forma que um rei podia ser Suserano de um outro rei.

 

250px-Mercator Congo map

 

Este espírito feudalista é sensivelmente assumido no primeiro “relato” que apresenta o “Reino do Kôngo” ao mundo do conhecimento, o famoso Relatione, que escreveu Duarte Lopes sob orientação técnica do geógrafo Filipo Pigaffetta. Para citar apenas este, eis o que nesse relato se escreve sobre o Reino do Kongo: «[no Kôngo] tudo pertence ao rei que reparte as tarefas, as riquezas e as terras consoante o seu bel prazer». Conforme esta compreensão, o rei do Kongo tinha como suseranos as autoridades de Angola, de Matâmba, de Mpângu e de Lwânngu.  Como se pode depreender desse relato, o autor apoia-se claramente no feudalismo para interpretar a estrutura administrativa do reino do Kongo, território em que nunca estivera antes, tal como atesta o conhecimento histórico. Assim, considerada a importância da contribuição pioneira desses estudiosos europeus sobre o tema, quer historiadores quer antropólogos da mesma origem espaço-temporal, somos quase sempre induzidos a partir de noções de um reino do Kongo fantasmagórico na discussão bibliográfica da organização administrativa fundante desse velho reino de Angola.

 

Ao invés, seremos aqui fiéis à metodologia do nosso trabalho de investigação, iniciada no primeiro volume deste trabalho, para atestar as noções gerais de organização e pensamento por meio dos quais o Reino de Kongo se legitima como um Estado e nação. Assim, começaremos pela cosmovisão que estrutura os princípios fundamentais de vida e de organização, sobre os quais se funda também as suas origens remotas.

 

Filosofia e cosmovisão Kôngo: os princípios fundantes

 

Tal como já indiciamos no primeiro volume desta investigação, a fundação do reino do Kongo resultou de uma longa experiência de encontros, cruzamentos e convívios humanos durante a ocupação das terras quase não habitadas em que se instalará geograficamente o território dos kôngo. A ideia de conquistador que a historiografia moderna associa a um Ntinu Wene, chamado Ne Lukeni, que ocupa Mbânza-Kôngo, parece-nos também uma mera transplantação linguística e nocional de estudiosos europeus.


Quando se visita, a título de exemplo, os museus de Florença, nota-se como patente a noção de “conquista” tanto nas esculturas quanto nas pinturas gigantes que neles se exibem. O facto é que tal
noção de conquista em nada tem a ver com as “conquistas” associadas e registadas nas pinturas parietais e rupestres do espaço kôngo.


Assim, para evitarmos enveredar pelos caminhos de todo espírito académico não kôngo, começaremos por enumerar e definir alguns princípios axiológicos de vida Kôngo, que constituem a cosmovisão
humana fundamental da vida e da história dos Kôngo, com base nos quais discutimos, ao longo do texto, as razões fundamentais em que se estrutura a fundação do Kôngo, tal como a apresentamos.

 

a) Integridade e indivisibilidade do território: «Kôngo tadi: ka bâsu’embasinga» - Kôngo é uma pedra impossível de dividir em partes.

b) Emigração e/ou ocupação do reino: «Nsûndi tufila ñtu, Mbâmba tulambûdila mâlu» - enquanto as nossas cabeças são sempre dirigidas ao Norte (Nsûndi), os nossos pés são direccionados para o Sul (Mbâmba).


c) Respeito da personalidade humana: «Mbwa ñzîngi, nkulu ñzîngi, kimfwetete katânu’eñkânda; muntu, mfumu ka wându’embata, ngo ka bañkatul’eñkânda» - assim como não é permitido pisar a pequena formiga, também é proibido atentar contra a vida de um servo, até mesmo a de um cão. Assim como
não se pode abater um leopardo, rei da selva, não se pode maltratar (bater) a um ser humano, que é o rei do seu meio.


d) Paz e tranquilidade no reino: «Ku Lûmbu ke kwakota ngulu ye mbwa. Twavwikwa luwusu kwa yân’ampûluka, twalungwa muna makânda ma nkosi ye ngo» - Ao Palácio (país) não tenha acesso nem porco nem cão (inimigo). É quando estamos sempre cobertos de bênção que progredimos no enten-
dimento, na união e na concórdia.


e) Cidadania: «Wakôndwa mvila mu Kôngo, ñwâyi wa ntuma nkuni ye maza» - Aquele que não pertence a uma de suas três linhagens é escravo no Kongo, eternamente destinado a recolha de lenha e água.


f) Nacionalidade: «Mpêmbele ndîng’andi luzômbo, kansi mpângi’aku muna mazimi ye mvila» - Mesmo sendo o Mpêmbele originário de Zombo, por sua linhagem sanguinea é seu irmão (compatriota).


g) União: «Tusânga bungudi vwa kwa ntalu. Tu akimpalakani, lumbota-mbota mu ñlâmbu’a maza: ana fwâmbika, ana veteka; efûmbwa kana mfûmbilu, evetekwa kwa mpândi ye ñlôngo» - A união é um precioso tesouro; assim como os «lumbota-mbota» - entrelaçados a beira de um rio, as correntes
podem envergar-nos mas jamais serão capazes de nos desunir.


h) Equidade das leis: «Nsi ya lukându, i nsi ya lubîndu; kakânda, bîndwidi; kabînda, kândwidi»23 - No mesmo país em que a lei é severa, há também tolerância.


i) Igualdade dos cidadãos perante a Lei: «Mfumu ye mfumu: Ngânga ye ngânga» – Todos somos mestres, todos somos senhores.


j) Direito de contestar (direito da oposição): «Bana batêle, bana basekole», literalmente: onde há os que dizem, deve haver os que contradizem.


k) Respeito aos estrangeiros: «Nzênza ka vângu’enkuta» - é proibido intimidar ao estrangeiro, e «Tukund’enzênza, ke tukayilwa kwa nzênza ko» - recebamos os estrangeiros com hospitalidade e reverência, mas recebamos nada deles.


l) Autoridade competente: «Kôngo dya ñkôngo’a ngolo; vo kuna ye ngolo ko, Kôngo k’atuma dyo ko»28 - o governo do Kôngo pertence ao Mu-Kôngo mais capaz; Sem as capacidades necessárias, é inutil pretender dirigir o Kôngo... Isto porque mu mpu mu zîngi lânga nsi, isto é, a vida do país depende da capacidade daquele que exerce o poder.


m) Eleição popular da autoridade: «Tadi ñlengo-ñlengo, vo k’ulengomokene dyo ko, Kôngo k’uyâla dyo ko» - Sou (o povo) que nem uma pedra muito escorregadia (tadi ñlengo-ñlengo), quem com ela não familiariza jamais chegará ao poder.


n) Investidura:«Kimfumu, salu kya tûmbikwa» - o poder é um assunto de investidura (isto é, não há poder naquele em quem não foi investido por quem o detém).


o) Aprendizagem da arte de governar e exercer poder. «Wazola yâla, teka tebwa kungulu»: corte todo o cabelo se queres governar.


p) Mandatação constitucional dos cargos: «Zîngu kya bumpati, i zîngu kya Bungânga»: a duração de um mandato (bumpati), político ou administrativo, deve ser consagrada na “lei sagrada” (bungânga), neste caso a Constituição.


q) Respeito da Lei: «Kodya dya môyo, ka dikomwa, ka dikatulwa ñlôngo» - No caracol (kôdya) da vida, a autoridade não pode tirar nem aumentar uma lei ao seu bel-prazer. Isto é, uma Constituição não pode variar consoante o detentor do poder.

 

r) Linhagem do poder: «Na Mbênza wuyâlanga, Na Mavûngu ka yâlânga ko» – No Kôngo, somente os descendentes de lukeni (Mbênza) exercem o poder tanto político, administrativo, quanto judiciário no Kôngo.


s) Responsabilidade: «Vita wañtânga ñtu, ke mabûndu ko» – Em tempo de guerra contam-se as cabeças e não a quantidade de regimentos.


t) Autonomia no poder: «Na Mbâmba ñkote, Na Nsûndi ñkote, ke vena wubângula ñkote’a ñkweno ko» – Tanto aquele que governa em Mbâmba, quanto aquele que governa em Nsûndi, têm cada um os seus
deveres (nenhum dos dois poderá interferir nas prerrogativas do outro).


u) Hierarquia: «Nkusu’a mbakala ka sângwa ye mbênde. Vo nkusu, nkusu ; vo mbênde, mbênde; vo ngone, ngone ; vo mfîngi, mfîngi» – O sulbaterno não pode merecer a mesma consideração que o seu superior (nkusu’a mbakala).


v) Democracia: “Ndêngole, ndêngole: sya ayi mâtu” – Toda a autoridade deve exercer o poder com as orelhas. Isto é, o poder não consiste somente em ditar ordens, mas também em escutar o povo.


w) Diligência: “Wundyeka mfûndi, k’undyeki dyambu ko” – Faça jejum de funge, jamais do conhecimento em que há a instrução.


x) Pragmatismo: “Tukûmb’evwa, ke tukûmbi mâmbo ko” – Aclamamos as realizações e não as promessas.

 

y) Liberdade de comércio: “Kânga ñsa, k’ukângi ñkela ko. Vo kênge ñkela, mbôngo yifwidi ye nzala”42 – Ao povo pode-se privar momentaneamente as liberdades individuais, mas não se deve privar o comércio para não provocar fome à nação.


z) Respeito ao patrimônio público: «Kyame i vwa, kyeto ka vwa ko» – o que é meu acaba, mas é o que é nosso que perdura.


aa) Direito público da terra: “Mbôngo mu ñtoto, fwa dya kânda, ka yidyânga muntu mosi ko” - a terra e tudo o que ela produz pertence à comunidade (ao povo). A ninguém é permitido apoderar-se isoladamente.


ab) Defesa do território: “Nsi yakêmbo zimboma: tsimpangala” – um país sem forças de defesa é que nem hangar sem tecto.


ac) Vigilância do território: “Na Mata ma Kôngo, ngo kana lêle, nsânsi’añkila ka yilêndi lêka ko” – Tal como a cauda do leopardo que dorme, os soldados do Kôngo vigiam e movimentam-
se noite e dia.


ad) Honra: “Tobola nkosi, tobola ngo: lulêndo mbuta”: seja sempre mais forte e mais poderoso que o leão e o leopardo, mas jamais se canse de em tudo ser honrado.

 

 

Extratos do Livro: A origem meridional do Kongo

 

 


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