De Dom Afonso I a Dom António
Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama
Dom Afonso I Mvêmb’a Nzînga é considerado o monarca kôngo que mais contribuiu para o desenvolvimento do reino e estampilhou as relações entre o reino do Kôngo e de Portugal, assim como com a
Espanha e o Vaticano. logo depois de ocupar o trono, enviara alguns cidadãos do seu reino para formar-se em Portugal,
dentre os quais o seu próprio filho, Dom Henrique Ñkâng’a Mvêmba, que lá ficou entre 1506 e 1521.
Documentos existentes informam que este monarca dedicara-se com esforço à pregação e expansão
da cristandade no seu próprio reino. Ele participou decisivamente na edificação de muitas igrejas no Kôngo. Nos meios missionários seria mesmo considerado um anjo enviado por Deus para converter
o Kôngo, ao ponto de ser invejado por muitos missionários que operavam nesse reino.
É possível que tenha sofrido atentados de dentro da própria igreja, até mesmo durante as missas, tal como se conta. No entanto,ele tentou ser um hábil solucionador de conflictos que
envolviam os religiosos interessados ao comércio negreiro e as constantes reacções armadas e violentas das populações revoltosas. Fazendo recurso à diplomacia, o monarca escrevera cartas ao Papa
e aos
reis de Portugal para tratar do fim das calamidades no seu reino.
Mas teve pouco sucesso, pois, tal como dizia Raphaël batsîkama, o monarca kôngo já era debelado à semelhança de uma cobra perigosa neutralizada do seu veneno por um gato, e este agora brinca com
ela à sua maneira.
Gravura de XVII, ilustrando o rei do Kongo, Dom Álvaro, recebendo diplomatas holandeses, em 1642.
Dom Afonso morreu em 1542, no extremo do cansaço físico. um dos seus filhos, Dom Pedro Ñkâng’a Mvêmba, irmão materno de Dom Henrique Ñkâng’a Mvêmba, irá suceder-lhe no trono sob a influência do
regime monárquico português. Sendo sucessão inconstitucional nos termos da tradição, novamente uma onda de levantes violentos e de insurreição militar abateu-se sobre o reino contra a ingerência
portuguesa nos assuntos públicos do Kôngo.
Dom Pedro pertencia a linhagem dos reis kiñzînga (ou kinkânga), elegíves ao trono conforme a tradição, mas não podia reinar porque apenas os três governadores de Mbângala, Mulaza e Mpânzu haviam
apresentado candidatura. Mesmo assim, no entanto, contou com o apoio de uma boa maioria dos constitucionalistas kôngo para chegar ao trono. A minoria contrária, no entanto, conquanto aceitasse a
legitimidade dos Ñzînga em chegar ao trono, convocará a Mani Nsôyo (e mais tarde a Mani Mbata) para assumir rei interino tal como mandava a tradição. Por causa da convulsão causada por estes
últimos, levantaram-se manifestações que irão resultar no assassinato do rei Dom Pedro em 1543. Seu sucessor,
Dom Francisco Mpûdi’a Nzînga, morrerá no ano seguinte, em 1544.
No plano sociopolítico, a situação levou ao surgimento de quatro correntes: (1) os besi Kimpânzu, que reclamavam a protecção do trono em conformidade com os usos e costumes kôngo, mas considerada
pelos historiadores como uma tentativa velada de usurpação do trono Kôngo pela família kimpânzu, a partir da província de Mpângu, onde se verificavam as vivas pretensões de fazer respeitar a
constituição; (2) os besi Kimvêmba, corrente defensora do poder interino de Mani Nsôyo ou Mani Mbata15, pelo facto de, nos termos da tradição, a realização das novas eleições dever realizar-se
sob a orientação e supervisão dos mais-velhos-do-Kôngo, os besi Kimvêmba; (3) os padres portugueses, espanhóis e italianos interessados a influenciar o poder político kôngo, que tentavam forçar a
legitimação dos membros da nobreza da sua confiança com base nos costumes europeus de sucessão real, (4) a insurreição dos militares nas regiões meridionais de Mbâmba, principalmente na bacia da
nascente do rio Kwânza, liderados pelos legendários Jagas (os grandes devastadores do reino do
Kôngo), que rumará em direcção a capital Mbânza-Kôngo.
Sem beneficiar directamente dessas correntes, Dom Diogo Ñzîng’a Mpudi será feito rei em 1544, permanecendo no trono mais tempo que os seus dois predecessores ao reinar até a sua morte em 1561.
Depois dele se estabelecerá no trono os besi Kiñzînga.
Dom Afonso II Ñzîng’a Mpudi será feito rei em 1561, mas é assassinado no mesmo ano no conflito que prevalecia entre os Ñzînga e os candidatos apadrinhados pelos portugueses. Estes defendiam a
tese de os descendentes de Mvêmb’a Nzînga deveriam continuar a reinar com vistas a preservação de uma única linha real, à maneira da sucessão dos tronos europeus.
Unilaterizar a linhagem real já era na verdade comum entre os Kôngo (somente os ki-Ñzînga eram autorizados a reinar), só que no caso vertente tratava-se de uma imposição e portanto inaceitável.
Será nos moldes da unilateralização kôngo do trono que será eleito Dom bernardo Ñzîng’a Mpudi para suceder Dom Afonso II, com o apoio da terceira e quarta correntes. Depois de alguns anos no
trono (1561-1567), sua morte misteriosa mergulhará novamente a situação no caos até que a segunda corrente consolida sua prorrogativas de reinar com a subida ao trono de Dom Henrique Mpudi’a
Ñzînga.
Este monarca trabalou para a legitimação do seu poder através da fusão entre os besi-Kimpânzu, guardião do trono, e os besi-Kiñzînga, herdeiros do trono. Morreu em 1568, apenas um ano depois de
entronizado.
Entre 1568 e 1578, Mpêmba – região onde se localiza Mbânza-Kôngo – será sistematicamente invadida pelos Jagas na parte meridional depois do fracasso de Mani Mbâmba, reinando nesse período
Dom Álvaro I Mpûdi’a Ñzînga.
O início da invasão dos Jagas coincide com o reinado de Dom Afonso Ñzîng’a Mpânzu, em 1561, da qual resultou provavelmente a sua morte.18 Foi Francisco de gouveia, grande general militar ao
serviço da coroa portuguesa, que venceu os temíveis Jagas na região de Mpêmba e conseguiu expulsá-los da capital do Kôngo, possivelmente entre 1571 e 1572. Alguns tempos depois, o mesmo Francisco
de gouveia estará no epicentro da fundação do reino de Angola em 1575, ao erguer a cidade de luwânda submetida directamente à coroa portuguesa, com subjugação dos poderes locais. Ilídio Amaral
apresenta-nos um trabalho que pode servir de espelho para compreender as tensões daquela época e a importância da diplomacia dos reis do Kôngo.20 Paulo Dias de Novais capitaneará depois esse
projecto com sucesso. Esse clima levará mais tempos até chegar ao trono o grande rei nacionalista Dom António Vit’a Nkânga (Ndo Ntoni Vit’a Nkânga).
António de Oliveira Cadornega, assim como António Cavazzi, fornece-nos dados interessantes sobre a criação do reino de Ngola Kilwângi e sobre as tentativas de Nzîng’a Mbande de reestruturar o
reino e promover uma coligação entre Kôngo, Ndôngo e Matâmba.
Mas as invasões dos Jagas serão neles confundidas com as conquistas nostálgicas de terras antigas, da época dos Ndjing.21 Deste modo, desfazer-se-á todo cordão embrionário entre a História e a
micro-
história22 das regiões à medida em que a compreensão das sociedades kôngo era cada vez mais sustentada pelas transformações contínuas.
Extrato do livro: A ORIGEM MERIDIONAL DO REINO DO KONGO!