Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS.(Administrador da Damba 1945-1953).
AS VISITAS DOS GOVERNADORES GERAIS (2).
Muitas outras histórias do Cid corriam em todo o Congo e não resisto à tentação de relembrar apenas mais uma. Nos anos vinte criou, com um sócio, a firma Cid & Cª. que passou a explorar uma carreira de camionagem entre o Ambrizete e Maquela do Zombo.
Certo dia foi abordado naquela vila por um europeu que pretendia seguir para Maquela mas sem pagar a passagem, alegando, com ar choroso, que estava desempregado e sem qualquer reserva de dinheiro. O Cid Adão, que conhecia o pendor ‘para a vigarice daquele branco, fez também um ar pesaroso e limitouse a dizer : « Compreendo bem a sua situação e tenho muita pena de si, mas não posso satisfazer o seu pedido porque a carreira não é só minha. O Cid, como tem bom coração, diz que sim, mas a companhia diz que não! »
Numa das visitas ao Uige, foi o governador geral Vasco Lopes Alves assediado com um insistente pedido, formulado por um dos representantes da população, que respeitava à construção de uma ponte no rio Lucunga, bastante largo e caudaloso, e no local onde funcionava uma jangada. Estava se numa época em que não abundava o dinheiro nos cofres do Estado e a gestão do orçamento tinha de ser muito cuidadosa. O governador geral não se quis comprometer com promessas inviáveis e foi dizendo que reconhecia a necessidade da ponte, mas que seria uma obra muito despendiosa e que, na altura, o orçamento geral da colónia não poderia suportar.
Mas logo o colono volta à carga, garantindo ao governador geral que os comerciantes e os agricultores estavam também dispostos a contribuir com substancial ajuda.. E o governador argumentou :"Olhe que não se trata de qualquer pontão, pois o Lucunga não é rio fácil de vencer. Trata se de uma obra muito complexa e, a fazer se, tem de ser uma ponte comme il faut". E o bom do colono, que não sabia francês e que mesmo no português claudicava, de pronto replicou: "Não esteja preocupado com isso, senhor governador geral, vamos mas é com a obra para a frente. Com mil ou com dois mil fôs, nós cá estamos para ajudar".
De uma outra vez, estava o governador geral Silva Carvalho de visita a um outro concelho da mesma província e já cansado de ouvir discursos numa outra terra que, nesse mesmo dia, também visitara. Depois dos cumprimentos de boas vindas apresentados pelo administrador, preparava se um vogal da Junta Local para ler um extenso discurso. O governador, de cigarro Caricoco35 ao canto da boca olhou com pânico para a grossura do maço de folhas de papel em que a parlenga estava escrita, mas ainda suportou a leitura das primeiras frases. Depois não se conteve e agarrando as folhas que o orador segurava, só lhe disse com um amável sorriso: "Não esteja com esse trabalho. Eu vou ler o seu discurso logo à noite, antes de ir para a cama. Era assim mesmo o governador Agapito. Trabalhador incansável, não suportava inúteis perdas de tempo. Mas o colono é que, com toda a razão, não levou a bem aquela atitude e sentiu se humilhado e profundamente envergonhado perante as centenas de pessoas que assistiram à cena.
Quando eu já desempenhava as funções de administrador, foi implantado no posto de 31 de Janeiro um colonato agrícola, baseado na experiência já levada a cabo, com êxito, no concelho de Caconda, distrito da Huila, e que se destinava a atrair a gente da Damba fixada no Congo Belga. Não concordei com a localização, uma vez que naquela zona os terrenos eram pouco produtivos, e defendi a hipótese de ele se vir a situar na planície irrigada pelos rios Gando e Lueca, por possuir terras fundas e aluvionais. Os técnicos persistiram na ideia do 31 de Janeiro e ali se gastaram rios de dinheiro, com a implantação de residências, ofícinas e armazens, com a aquisição de potentes tractores, com a armação dos terrenos a cultivar em terraços, num sistema de escoamento lento da água da chuva a acompanhar as curvas de nível, para serem minimizados os efeitos da erosão. Foram arroteadas e semeadas de amendoim largas dezenas de hectares, mas as produções vieram a revelar se inferiores às das lavras tradicionais dos habitantes da região. Na base deste fracasso esteve a lavoura profunda, que enterrou a superficial camada fértil e a substituiu pelas terras subjacentes, de muito fraca produtividade, pela quase total ausência do indispensável húmus. Foi como que a repetição da falhada tentativa de desenvolvimento da cultura do amendoim na então colónia do Quénia. A técnica tradicional dos agricultores africanos era a da cavadela superficial e armação da terra movimentada em camalhões, semeando se neles o amendoim e plantando se, simultaneamente, estacas de mandioca. Após a colheita do amendoim, ficava a mandioca a desenvolver se e a criar os tubérculos que viriam a constituir, em devido tempo, a base de alimentação da família.
Enquanto os trabalhos de implantação do colonato foram decorrendo e já depois das primeiras sementeiras, a circunscrição da Damba e, em especial, o seu posto de 31 de Janeiro, foram pontos de passagem obrigatória, aonde o governador geral Silva Carvalho levava todas as altas individualidades, nacionais e estrangeiras, que visitavam Angola. Ali recebi, entre outros, o Ministro do Ultramar Professor Raúl Ventura e o Professor Marcelo Caetano, então presidente da Câmara Corporativa.
Para além destas visitas, centradas no grande interesse que o governador geral Silva Carvalho manifestava pelo colonato agrícola, uma outra ocorreu, enquadrada num programa de contactos englobando outras circunscrições e concelhos do distrito eque, pelas circunstâncias em que se iniciou, mostra bem as surpresas para que os administradores e as suas mulheres deviam estar sempre preparados.
Com a colaboração de João Garcia e Artur Méndes.