Contactos de Culturas no Congo Português.(12)
$CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.
Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
ORGANIZÇÃO DO TRABAlHO
Nas páginas antecedentes encontramos já bastantes elementos que nos ajudam ressuscitar o que no velho Congo se passava no tocante à organização da actividade humana. Em primeiro lugar salta à
vista uma divisão sexual do trabalho.
A agricultura pertence à mulher e, como acabámos de ver, também a ela cabe a apanha das conchas que servem de moeda Mas não se devia resumir a isso a sua actividade. A ela devia também caber,
como ainda hoje acontece, a confecção de utensílios caseiros feitos de certas fibras ou e folhas de capim entrelaçadas, a pesca nas lagoas e a colheita de produtos vegetais espontâneos ou de
insectos, lagartos e ratos.
Aos homens competiria a actividade venatória e a pesca nos rios, o transporte de cargas pesadas, a construção das habitações, a guerra, a derruba de árvores, a extracção de vinho de palmeira e a
maior parte das artes industriais.
Outra característica que neste campo é evidente é a da existência de escravos. Nas transcrições feitas a propósito dos transportes e dos mercados há referências expressas a esta instituição e, na
última, indica-se a forma da sua aquisição: “ Os que são poderosos têm um grande número de escravos que capturaram na guerra ou que os compraram”.
Sobre o trabalho masculino, devemos ainda transcrever um outro passo da muita vez citada História do Reino do Congo, da Biblioteca do Vaticano, não só por comprovar a não ingerência dos homens na
actividade agrícola, mas sobretudo por, em comparação com uma afirmação de Pigafetta, levantar um problema que reputamos e grande relevância. É o seguinte: “Não há homens que trabalham a terra,
nem homens que trabalhem à jorna, nem ninguém que queira ser servidor por salário. Só os escravos trabalham e servem”. Sobre o trabalho assalariado e homens livres, está em contradição com o que
diz Pigafetta acerca do mesmo assunto, ao tratar do transporte de pessoas em “cavalos de pau” ou “cavalos do Congo”, no trecho que atrás se encontra transcrito”…Fazem-se levar de seus escravos ou
por homens que, pelo seu ganho, estão para isso nas paradas”.
Qual dirá a verdade? À primeira vista e atendendo ao que se tem dito e escrito sobre o assunto, parece não haver dúvidas em atribuir a razão ao primeiro. No entanto, elas subsistem no nosso
espírito quando ligamos esse passo de Pigafetta com o que sucedeu no Congo; já neste século (XX), com o transporte de café do Uíge para os portos de Ambriz e Ambrizete, a dorso de pretos. O
indígena, que só compelido
trabalhava com enxada nas obras públicas ou nas incipientes actividades agrícolas dos Europeus, oferecia-se voluntariamente para efectuar esse transporte, que
constituía trabalho violento, não só pelo peso da carga como pela extensão e dureza dos caminhos a percorrer. Este facto não demonstrará que o serviço de transporte era actividade habitual dos
homens livres, não humilhante, e não virá provar que a afirmação de Pegafetta é verdadeira? Não nos pronunciaremos de forma categórica a favor desta hipótese, mas inclinamo-nos para a sua
aceitação. O problema fica posto.
INSTITUIÇÕES SOCIAIS
Como já dissemos no início deste capítulo, não se encontram nos livros em que, em parte, apoiamos o nosso estudo, elementos suficientes para se reconstituir, em todos os seus pormenores, a vida
social dos Congueses antes do estabelecimento do contacto.
Mas como ela, na actualidade, conserva ainda muitas características que bem denotam a fraca influência da aculturação naquilo que nas respectivas instituições é essencial, supomos que não
ficaremos muito longe da verdade se fizermos um apanhado geral dessas características actuais, tendo o cuidado de expurgar tudo aquilo que representa modernismo, introduzido pela situação
colonial e pela difusão do
Cristianismo.
Dada a índole deste trabalho, não podemos entrar nas minúcias que caberiam num estudo etnossociológico. Se o fizéssemos, alongaríamos demasiado a dissertação sem vantagens evidentes para o seu
escopo essencial, que é o de reunir algumas achegas para o estudo do contacto das duas culturas em presença.
Tentaremos portanto fazer uma breve análise das tradicionais instituições sociais e politicas dos Congueses, focando especialmente os grupos familiares consanguíneos, a estratificação social e a
organização política.
GRUPOS FAMILIARES RESIDENCIAIS
Dentro destes grupos vamos procurar juntar alguns elementos de estudo sobre a
família conjugal e a família extensa.
Família conjugal
A família conjugal, isto é, o conjunto dos esposos e seus filhos, era caracterizada no tempo da descoberta do Zaire e ainda o é hoje, na maioria dos casos, pela poliginia. Em todos os autores
citados se encontram bastas referências e esta característica, que, de resto, se encontram vastas referências a esta característica, que, de resto, é própria do tipo de economia em que a
sociedade conguesa se enquadrava e se enquadra. Todo o mukongo, livre ou escravo, possuía as mulheres que desejava e podia adquirir
A organização da família polígina obedecia a regras fixas. A residência familiar era una. Cada chefe de família possuía um grupo de palhotas, nas imediações da sua própria, e cada uma delas
destinada a uma das mulheres. Entre as esposas havia duas categorias: as escravas, que tinham sido compradas e sobre as quais o marido tinha direitos absolutos, a ponto de serem sacrificadas
quando da sua morte, para continuarem a servi-lo na outra vida, e as livres, cedidas por empréstimo, por assim dizer, mediante o pagamento de uma indeminização. Este conjunto era e é denominado
“lumbu”.
Se bem que todas as mulheres livres tivessem os mesmos direitos e obrigações, havia entre elas uma preferida, quase sempre a primeira, que servia de conselheira. Na descrição de Pigafetta e na
História do Reino do Congo, da Biblioteca do Vaticano, é designada por “Mobanda”. É interessante notar que Renato Mendonça (in: “A Influência Africana no Português do Brasil”) aponta a existência
do vocábulo “mumbanda” no português do Brasil, com o significado de escrava predilecta, que servia de senhora e que daquele termo quicongo deve derivar.
O marido pernoitava com cada uma das mulheres segundo uma escala estabelecida. Cada mulher habitava com os seus filhos mais pequenos na sua própria cubata e aí tinha os seus bens próprios e
preparava a alimentação para si e seus filhos e também para o marido, quando lhe chegava a vez. À mulher competia o fornecimento dos géneros agrícolas e ao homem o do sal e o da carne.
A economia da família conjugal estava também regulada. Cabia ao homem a escolha do local para as lavras e a sua divisão em tantos campos independentes quantas as mulheres e mais um, destinado a
ele próprio, no qual trabalhavam todas as mulheres. O serviço do marido na agricultura resumia-se à derruba das árvores, na qual era muitas vezes ajudado por outros homens, em sistema de
cooperação. Actualmente, com a evolução da economia e a abundância de excedentes comerciáveis, o produto da venda dos géneros de cada uma das lavras é dividido em partes iguais entre o homem e a
mulher.
Os filhos das mulheres livres eram conservados na aldeia paterna até certa idade, 8 a 10 anos, indo depois habitar junto do tio paterno mais velho. Nos primeiros anos, enquanto precisavam de
cuidados constantes, viviam na cubata materna, mas depois passavam a dormir numa casa à parte, juntamente com todos os outros filhos de seu pai nas mesmas condições, com os filhos das escravas,
que, por não pertencerem a nenhum clã, tinham sempre residência patrilocal, e com os sobrinhos do pai, filhos
de suas irmãs. Com as raparigas dava-se o mesmo. À primeira chamava-se “nzo Kiyakala”(casa dos homens) e à segunda “nzo Kinkento” ( casa das mulheres) às vezes havia apenas uma nzo Kiyakala e uma
nzo Kinkento par todo o bairro da aldeia (mbelo), mandada construir pelo respectivo chefe.
Texto enviado por Artur Méndes.