CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.
Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
CONSIDERAÇÕES FINAIS – IV
Mas voltemos à apreciação das consequências do contacto das duas culturas em presença.
Se nas instituições socias e religiosas a nossa acção não introduziu importantes alterações, o mesmo não se pode dizer em relação às instituições económicas. Com maior ou menor intensidade, quase
todas elas receberam modificações que proporcionaram melhoria de vida á população.
Devemos destacar o que diz respeito à agricultura, não só por as plantas introduzidas terem contribuído consideravelmente para a beneficiação do regime alimentar e terem modificado até a própria
paisagem conguesa, como ainda por revelar um dos traços mais característicos da nossa actuação nos trópicos – a nossa como que integração natural no ambiente que nos levava a saber escolher e
aproveitar os elementos úteis que encontrávamos nas diversas culturas locais com que entrávamos em contacto e a transplantá-los para distantes regiões para proveito das respectivas
populações.
A mandioca, o milho, a batata-doce, o amendoim e tantas outras plantas que introduzimos no Congo aí se adaptaram, ganharam o favor dos indígenas e de lá se difundiram para o interior, alterando
profundamente a economia das populações que as receberam.
Mas além destes houve muitos outros elementos culturais novos que nunca mais perderam, apesar do abrandamento do contacto e das várias falhas de continuidade que se verificaram. Ficaram tão
radicados em todas as regiões habitadas pelos Congueses que se mantiveram firmes e não foram substituídos nem adulterados, apesar da mudança de soberania.
Na antroponímia e na língua, por exemplo, essa característica está bem patente. Dezenas de vocábulos portugueses entraram no quicongo, adaptados à fonética e á morfologia próprias, e nele se
mantêm não só no nosso território como no Congo Belga e Francês. No último quartel do século XIX o português chegou a ser “língua franca” nas relações entre comerciantes estrangeiros
estabelecidos nas feitorias das margens do Zaire e as populações indígenas do que francês.
Quanto à influência do português em toda a bacia inferior do Zaire e outras regiões vizinhas, devemos ainda referir que muitos vocábulos nossos passaram, quer directamente quer após a sua
adaptação ao falar quicongo, não só para o “petit nègre” , francês falado pelos indígenas e adoptado também pelos colonos europeus, como até para o francês correcto.
Robert Reynard, em relação ao Gabão, cita os seguintes:
PALAVRE: a que atribui o significado de “debate de natureza civil ou criminal, seja entre pessoas pertencentes a aldeias diferentes, e regulado por acordo comum ou por decisão de um chefe
indígena ou de uma autoridade europeia”.
O Petit Larousse dá-lhe também o significado de “conferência com um chefe negro” e, na linguagem familiar, de “discurso comprido e conversa demorada”. Deve ser uma adaptação ao francês do termo
“palábela”, já indicado em lugar oportuno, que é uma corruptela da nossa “palavra “e que passou a designar, no quicongo, “processo” e “questão”.
FÉTICHE, derivado do nosso “feitiço” e com significado do “nkixi” (feitiço) indígena” e também com o de “ encanto”.
CASE, derivado de casa. Designa, no Gabão, “toda a habitação, quer indígena quer europeia”. No francês culto julgamos que significa apenas “ pequena habitação primitiva”. Tem outras significações
mas não relacionadas com habitação.
FACTORERIE, derivado de “feitoria” e com significado que atribuímos a esta palavra.
CAPITA, com significado de “capataz”. Deriva-o de “capitão”. No nosso Congo, além da forma “kapita”, o indígena usa também “kapáta” com a mesma significação. Serão ambas derivadas de “capataz”,
ou a primeira de “capitão” e a segunda de “capataz”?
CHICOTE, que tem a grafia exacta e o mesmo significado do nosso “chicote”. Não é termo usado em França, mas apenas nas colónias ou em algumas colónias.
MATABICHE, derivado do português mata-bicho, ou directamente ou através da forma conguesa “matabiisi”, e com o mesmo significado, isto é “gratificação”.
CALABOUSSE, derivado de “calabouço” e com a mesma significação. Muitos outros termos de origem portuguesa devem existir no francês falado nas outras regiões meridionais da A. E. F. e no Baixo
Congo Belga, mas não tivemos oportunidade de fazer as necessárias indagações.
Mas além de todos estes elementos, que muito representam, o que maior admiração causa é o prestigio que Portugal e os Portugueses ganharam entre todos os congueses de aquém e de
além-fronteiras.
O simples facto da designação “Mputu”, abreviação e corruptela de Portugal e de português, ter passado a designar tudo quanto é europeu ou próprio dos Brancos, isto é, tudo o que é produto da
técnica ocidental ou oriundo da Europa, é sobejamente elucidativo. Mas há mais. No Congo Belga o Português tem tanto prestígio que de todos os brancos lá estabelecidos, incluindo os próprios
Belgas, ele é o mais respeitado. Mesmo nas frequentes rebeliões indígenas que naquela colónia se têm verificado, e em que tem havido atentados contra pessoas e bens de colonos, os Portugueses têm
recebido um tratamento diferente, têm sido quase sempre respeitados.
Continua
Em colaboração com Artur Mendes