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19 Jul

Contactos de Culturas no Congo Português.(40)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #História do Reino do Kongo

 

 

CONTACTO DE CULTURAS

                                              NO CONGO PORTUGUES

  ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.


 

Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).



Alfredo de Morais Martins.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS – II

 

Os primeiros tempos do contacto foram de aculturação intensa, incidindo em todos os aspectos da vida indígena, mas exercendo-se sobretudo em áreas limitadas. Primeiro na Banza Congo, capital do reino, depois, num curto período, na região de Nzundi, quando da apostasia do primeiro rei cristão, D. João, e, a seguir, novamente na capital. Esta aculturação atingiu a sua máxima intensidade no tempo do rei D. Afonso I (1506 – 1543). Nas outras regiões do reino a acção portuguesa não era tão directa. Algumas recebiam a visita dos “pumbeiros”, mas outras só chegavam os novos elementos culturais por meio de difusão operada através dos próprios indígenas. Mesmo os missionários, durante muito tempo, concentraram as suas atenções sobre a pseudocorte e poucas viagens de evangelização faziam. Houve muitos períodos em que a sua acção foi meramente paroquial. Devemos abrir uma excepção em
relação aos Capuchinhos que percorreram todo o Congo em viagens de evangelização e estabeleceram postos missionários em algumas regiões bastante distanciadas da capital. Mas estes só chegaram ao Congo em 1645.

Banza Congo, que depois veio a tomar o nome de S. Salvador, era a base onde se processava o contacto directo e, ao mesmo tempo, o laboratório onde se operava, naturalmente, a escolha dos novos elementos culturais aproveitáveis e a rejeição daqueles que a cultura local não podia receber e adaptar aos seus padrões.

Devido à acção tenaz, algumas vezes violenta, do Rei D. Afonso, e ao constante e dedicado trabalho dos missionários, mesmo algumas instituições da nossa cultura que contrariavam em absoluto as características fundamentais da cultura conguesa se introduziram entre a população da capital, sobretudo nos domínios da vida espiritual e familiar, mas, por isso mesmo, a sua aceitação não era verdadeiramente natural. Só com a modificação quase integral da cultura local elas seriam naturalmente acolhidas. É que nas culturas primitivas, como se sabe, todas as instituições estão e tal modo encadeadas, constituindo um todo harmónico, que nenhuma pode sofrer mutação radical sem que as outras se modifiquem também. Até nos nossos dias o mesmo ainda se dá, por exemplo, no que respeita ao casamento cristão. Entre as populações rurais do Congo, como entre as de outras regiões, a acção missionária encontra na obrigatoriedade da constituição da família monogâmica uma das mais potentes barreiras que se opõem à plena aceitação do Cristianismo, e isto porque a vida económica tradicional está intimamente ligada à poliginia. Enquanto o indígena não tiver organizada a sua economia numa base estável que lhe permita manter a mulher e os filhos com o fruto do seu trabalho, não pode acolher naturalmente a nova moral conjugal. Com o casamento monogâmico muitos dos aspectos da vida conjugal tradicional se modificam, incluindo a duração do período de aleitamento dos filhos e, consequentemente, o da interdição de relações sexuais, o que origina concepções e partos mais frequentes. Assim, a mulher passa a ter que cuidar de vários filhos com pequena diferença de idades, o que lhe absorve muito tempo e a impede de se dedicar, como as dos políginos, a um constante labor agrícola. Cai portanto quase exclusivamente sobre os ombros do homem o encargo da manutenção da família. Tudo isto dificulta, como dissemos, a propagação do novo sistema familiar e traz aos que o adoptam dificuldades graves que muitas vezes os obrigam a recair na poliginia ou neles faz nascer um estado de espirito quase de revolta, em virtude de a aceitação convicta de um teor de vida que considera superior redundar afinal num retrocesso debaixo do ponto de vista económico.

No campo das instituições religiosas, verificámos que a cristianização dos indígenas do Congo se iniciou logo após o estabelecimento do contacto, que o baptismo era recebido de boa mente por parte da população e também que, fora algumas excepções, as conversões eram mais de fachada de que profundas e que não se mantinham quando os pseudocristãos chegavam à conclusão de que a nova religião não se limitava ao seu aspecto exterior e implicava uma mudança radical de vida, demandava inúmeros sacrifícios e a renúncia a muitos costumes ancestrais. A par dessas conversões, ou meias conversões, surgiam reacções contra o alastramento da nova religião, que pretendia destruir as concepções espirituais próprias da cultura local.

Como vimos, com o abrandamento a até, por vezes, o desaparecimento periódico da acção missionária, a semente do Cristianismo perdeu a sua pureza e integrou-se na religião local, dando origem aformas de sincretismo, mas com predominância absoluta das concepções tradicionais. Isto é, as fórmulas e símbolos cristãos incrustaram-se na religião ancestral, sofrendo uma padronização, mas não alteraram qualquer concepção fundamental.

Como, durante o período estudado, as nossas relações com a população do Congo assentavam na missionação e no comércio, não havendo uma fixação permanente e uma acção directa e constante de colonos que implicasse uma pressão sobre os aborígenes, traduzida na compulsão ao trabalho, espoliação de terras ou em outras acções que os molestassem, não deve ter surgido entre eles nenhum movimento religioso de tipo messiânico ou profético. “ na realidade – diz Clyde Kluckhohn --, uma das generalizações mais bem estruturadas da antropologia social é que, quando a pressão dos brancos sobre os aborígenes chega a um certo ponto, produzir-se-á um renascimento da religião antiga ou então surgirá um culto parcialmente novo de tipo messiânico. Em ambos os casos o credo aborígene preza os valores antigos e profetiza a retirada ou a destruição dos invasores. Isto tem ocorrido na África e na Oceânia assim como nas Américas. Não é difícil compreender a atracção sentimental de semelhante doutrina”. No Congo houve, como vimos, reacções violentas, sangrentas mesmo, contra a tentativa de substituição forçada dos padrões tradicionais de cultura que a aceitação da moral cristã representava, como no período que antecedeu a subida ao poder do rei D. Afonso I, provavelmente acompanhados de um revigoramento do culto tradicional, mas não existem, ao que nos parece, indicações que levem a admitir o aparecimento de movimentos de tipo messiânico durante o período que temos estudado.

 

 

                                                                                          Em colaboração com Artur Mendes

 

 


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