Contactos de Culturas no Congo Português.(35)
CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.
Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DA INFLUÊNCIA
DO PORTUGUES NA LINGUA QUICONGO – 1
Nas quatro partidas do mundo, onde exercemos influência cultural, ficou indelevelmente marcada nos falares nativos a presença da língua portuguesa.
Mesmo nas regiões onde a colonização portuguesa não foi intensa, onde não nos estabelecemos com carácter duradouro, a acção missionária e o trato comercial disseminaram a língua de tal maneira que vocábulos nossos ou suas corruptelas ainda hoje se mantêm adoptados e adaptados pelas línguas indígenas, como padrões imorredouros que os séculos não destroem.
Era natural, era mesmo fatal, que novas concepções religiosas, actos e alfaias de culto introduzidos pelos nossos missionários, plantas, tecidos, utensílios, etc., antes desconhecidos e que a ocupação ou o comércio levaram para afastadas terras, viessem a ser designados pelas mesmas palavras que os introdutores usavam. Mas o que causa pasmo e até emoção é que se tenham mantido até hoje, decorridos séculos e após contactos culturais mais intensos com outros povos de línguas diferentes e muitas vezes sem parentesco próximo com a nossa, como o inglês.
Caso a salientar no tocante ao Oriente é o do “papiá cristão”, ainda hoje usado pela população católica de Malaca e uns tantos outros dialectos crioulos espalhados pela Índia, Ceilão e Malásia.
Na costa ocidental da África, desde o limite sul de Angola até à Guiné e ainda mais para o norte, não deve, provavelmente existir língua indígena que não tenha adoptado palavras portuguesas. A propósito, ocorre-nos um pormenor interessante que foi notado no final do século passado pelo heróico comandante Augusto de Castilho numa viagem à costa do Daomé e descrito no passo de um relatório seu cuja transcrição não resistimos: “ A língua portuguesa, que é a língua estrangeira mais conhecida em toda esta costa, é indispensável aos comerciantes, aos missionários e a qualquer que queira ter trato intimo com os indígenas. Os padres, para serem compreendidos é em portuguez que prégavam; mas tendo ultimamente tal uso sido prohibido pelo governo francez, prégam em francez, mas têem um interprete que lhes via traduzindo em portuguez, em voz alta e a phrase e phrase, a oração toda “.
Se na vida religiosa a influência do português se manifesta em toda aquela costa, na vida material e na antroponímia ela não é menos intensa. Ainda não está feito o estudo sistemático e profundo da presença do português em todas as línguas ou dialectos, mas os trabalhos de que tenho conhecimento, e que incidem sobre um pequeno número destes, demonstram à saciedade quanto ela é profunda e bem enraizada. No relatório citado, Augusto de Castilho aponta como sendo de uso comum entre indigenas do golfo de Benim os vocábulos lama, vela, garrafa, garfo, copo, loja, vinho, chicote, papel, mesa, tesoura, bote, moço, palavra, etc. Em outros territórios franceses, sobretudo no Gabão, em relação aos dialectos vili (este do quicongo) orugu e mpongué, devemos assinalar as pesquisas feitas por R. Reynard e pelo Abbé André R. Walker, este último no respeitante à antroponímia, que representam um meritório contributo para o estudo da influência portuguesa naquela zona e mostram o interesse ou, melhor, a necessidade de fazer estudos semelhantes com relação aos falares das regiões com que mantivemos contacto ao longo dos séculos. Eles mostrariam, juntamente com os já feitos no domínio da toponímia da costa, como a nossa presença ficou perpetuada não só nas coisas como também, e principalmente, nas gentes de toda a costa ocidental de África. E se a necessidade desses estudos é bem patente em línguas de territórios de há muito afastados das nossas províncias ultramarinas. Já algo se encontra feito em relação a algumas delas, mas muito mais há que fazer.
Esta parte do nosso trabalho não é mais que um fraco contributo para o estudo da influência que o português vem exercendo na língua quicongo desde o final do século XV. Longe de ser trabalho definitivo e completo, pois para tal bem minguada é a nossa competência, só desejamos que ele tenha o mérito de estimular a curiosidade e o interesse de alguns especialistas que o venha a conhecer.
Continua (Onde se fala o Quicongo)
Em colaboração com Artur Méndes