CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
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Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
NAS INTISTITUIÇÕES RELIGIOSAS – 2
Com o seu zelo de convertido sincero, D. Afonso cometeu o erro de querer impor à força a sua fé a todo o povo, pretendendo destruir todos os feitiços que se conservavam espalhados por todas as
aldeias do Congo. Vejamos o que diz Pigafetta e este respeito: “ E mais mandou convocar os Senhores de todas as províncias no lugar assinado e notificou-lhes, publicamente, que todo o homem que
tivesse ídolos ou outra alguma coisa contrária à sua religião cristã, que a trouxesse e entregasse aos deputados; senão, quantos o não fizessem, seriam queimados fora de perdoança. O que, em
continente, se pôs em obra; e é admirável como em menos de um mês, foram trazidos à corte todos os ídolos e as feitiçarias e as carântulas, que eles adoravam e tinham por Deuses”…” Ora, havendo
El-Rei amontoado, em diferentes casas da Cidade, todas essas abomináveis imagens, ordenou que, para o mesmo sítio, onde pouco antes combatera e vencera as gentes do irmão, cada qual levasse uma
carga de lenha; e, tanto que
o monte cresceu e se tornou grande, mandou lançar-lhe os ídolos e as figuras e todalas outras cousas, tidas entre aqueles povos, antes de então, por divinas, e largar-lhes o fogo, de jeito que
arderam”.
Queimaram-se os feitiços, arderam as máscaras rituais, mas não foram destruídas as concepções tradicionais, não se modificou à força a mentalidade da maioria da população. Pelo contrário, deve
ter-se fomentado um espirito de reacção contra as causas de transformação dos padrões ancestrais da cultura local, que estavam a ser abalados nos seus fundamentos pela difusão da nova Fé. Mesmo
as conversões que no seu tempo se operaram careciam de base sólida. Eram meias conversões que adoptavam as fórmulas externas do novo culto, mas não penetravam nas consciências, não destruíam a
mentalidade antiga.
Coma morte de D. Afonso, iniciou-se um longo e contínuo processo de decadência do Cristianismo nas terras do Congo, por os seus sucessores não possuírem a mesma têmpera e também porque a
colonização do Brasil e de Angola, obrigava a uma divisão de esforços que afectou, como não podia deixar de ser, o ritmo da acção naquele reino.
O paganismo e a poliginia voltaram a dominar e mesmo os convertidos se deixavam tentar pelo regresso às concepções e práticas do passado. Muitos nunca as tinham abandonado por completo.
Houve épocas de fecundo renascimento da acção missionária, devido sobretudo ao trabalho dos Jesuítas e, mais tarde, ao dos Capuchinhos, mas os frutos continuaram a ser efémeros: o Cristianismo
não passava de um verniz superficial a cobrir as concepções tradicionais, profundamente enraizadas.
Mesmo entre os pagãos começaram a ser usadas fórmulas de fundo cristão, devidas ao contacto com os convertidos, que se foram incrustando na cultura tradicional, numa clara demonstração de
sincretismo religioso. Já no tempo de Cavazzi se notavam essas manifestações, como se depreende das seguintes frases: ”É senza dubbio da ripertesi dalla convivenza com i Cristiani l’uso che hanno
gl’idolatri d’invocari Gesù Cristo particolarmente quando sono oppressi de qualche travaglio. Allora l’ordinaria loro espressione è Desù Nghesù fumani, o Dio del Cielo Gesù Signor mio”
No século XVIII e em grande parte do século XIX a acção missionária no Congo foi escassa e na maior parte das regiões quase se limitava a visitas periódicas de alguns sacerdotes, sempre bem
recebidos pelos reis e por muitos dos chefes, que guardavam uma tradição cristã e uma certa nostalgia dos tempos de contacto permanente com os missionários. Na foz do Zaire ainda se manteve o
Convento de Santo António até final do século XVIII, mas com pequena projecção no interior.
Estas visitas de curta permanência não podiam produzir frutos duradores e serviram apenas para manter aquela tradição e preparar o caminho para o futuro renascimento da evangelização, começado
com a chegada do padre Barroso e dos seus companheiros a S. Salvador do Congo em 1881, onde já se encontrava instalada uma missão protestante inglesa.
Abrimos aqui um parêntese para fazermos referência às consequências da fundação da missão protestante. A coexistência das duas missões, além de estabelecer no espirito dos indígenas um sentimento
de perplexão em face da divisão religiosa dos Brancos, que dificultava a conversão, passou a fomentar depois uma cisão entre os prosélitos de uma e de outra, a acrescentar às periódicas lutas
partidárias entre clãs, que ocorriam com frequência e eram inevitáveis quando da eleição de um novo rei. Com notável antecipação, o padre Barroso focou um aspecto das consequências do antagonismo
entre os credos e acção das diversas missões sobre o espirito dos indígenas, assunto que actualmente preocupa muitos sociólogos, entre os quais destacamos Georges Balandier, por ter estudado o
fenómeno entre os bakongo.
Eis o que dizia aquele Missionário: “ Como V. Ex.ª Revd.mª poderá imaginar, fazem uma propaganda muito activa e senão teem conseguido muitos prosélytos firmes, seguem este povo suficientemente
indiferente para senão importarem com religião alguma; é consequência lógica de duas Missões de carácter inteiramente contrário não só religioso mas também político.”
Continua
Em colaboração com Artur Méndes