Contactos de Culturas no Congo Português.(31)
CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.
Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
NAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS – 3
D. Manuel, ao fixar, no Regimento que deu a Simão da Silva, as regras que deviam ser seguidas nas relações com o reino do Congo, mostra claramente que o seu intuito não era o da conquista ou
domínio directo, baseado em ocupação militar, mas sim o da assimilação cultural, incidindo sobre todas as instituições. O Congo continuaria a ser reino independente, um baluarte do Cristianismo
em África e, ao mesmo tempo, uma zona de expansão do comércio português. O rei D. Afonso empenhou-se a fundo na obra de transformação do seu povo, mas, como era fatal, pouco conseguiu, porque os
seus esforços esbarraram contra a reacção natural da cultura local, que não podia, num minguado período de tempo, desfazer-se dos seus padrões tradicionais, substituindo-os pelos de outra tão
diferente e até mesmo
antagónica em muitos aspectos. Ele próprio reconheceu que algumas instituições portuguesas eram inadaptáveis ao modo de vida da sua gente, como, por exemplo, as que respeitavam à justiça. “Quando
em 1516 leu as “ Ordenações Manuelinas”, impressas havia dois anos antes, admirou-se sobremaneira do número de obrigações impostas aos portugueses. E, falando com Baltasar de castro,
perguntou-lhe sorrindo: “ Castro, em Portugal, que pena se dá a quem põe os pés no chão?” (Rego, A. Da Silva – Curso de Missionologia). Por esta frase se vê como se deviam apresentar complicadas,
aos olhos de um primitivo, as instituições próprias de uma cultura mais adiantada, como era a nossa naquela época.
Talvez algo de estável se tivesse conseguido na transformação de todos os sectores da cultura local, se D. Afonso tivesse tido continuadores com as suas qualidades de chefia e de adaptação e se a
acção portuguesa se tivesse mantido com as características iniciais. Mas nem uma nem outra coisa aconteceu. Os reis que lhe sucederam tinham méritos muito inferiores aos seus e a influência
portuguesa abrandou e modificou-se, não só por termos de dividir os esforços por todas as parcelas do vasto império, como ainda por havermos verificado que a rápida aculturação com que sonháramos
era irrealizável, porque as duas culturas em presença estavam separadas por um fosso dificilmente transponível.
No caso particular da transformação das instituições políticas, que estávamos a analisar, nada mais se conseguiu do que a introdução de certos costumes portugueses que não iam contra as
características fundamentais da organização tradicional e que alimentavam a vaidade dos reis do Congo e das classes dominantes, aliás estimulada pelas provas de exagerada deferência que a toda a
hora lhes eram dadas pelos reis de Portugal e pelos fidalgos seus delegados.
Macaquearam os costumes da corte, copiaram a orgânica da nobreza portuguesa e introduziram outras inovações que deram um verniz de aportuguesamento às instituições políticas locais, mas que não
atingiram o cerne.
Os reis, que, ao princípio, recebiam dos Portugueses o tratamento de Real Senhoria, passaram mais tarde a exigir o de Majestade, e nas cartas para os Papas e para os reis de Portugal
acrescentavam aos seus nomes uma série de títulos, cópia adaptada dos que usavam os nossos reis. Eis um exemplo: D. Álvaro, pela graça de Deus aumentador da fé de Cristo e protector da mesma fé
nas partes da Etiópia, Rei antiquíssimo dos reinos do Congo e Angola, da Matamba da Ocanga e dos Ambundos e de outros reinos e domínios aquém e além do admirável rio Zaire e da conquista, etc..
Cada um dos reis adoptava os títulos que entendia, variando de uns para os outros os senhorios territoriais invocados. É interessante notar, como prova de regresso às concepções religiosas
tradicionais ou como manifestação de sincretismo, que o rei D. António, morto em 1666 na batalha de Ambuíla, se declarava, nos seus títulos, também senhor das Matombolas, isto é, de espíritos
errantes de mortos!
Seguindo o conselho de D. Manuel, incluído no Regimento de Simão da Silva, a hierarquia dos chefes foi também aportuguesada, passando a haver príncipes, infantes, duques, marqueses, condes,
viscondes e barões. As diversas regiões passaram a ser designadas por ducados, marquesados, etc., segundo a sua importância.
Mas não eram só os chefes territoriais que usavam estes títulos. Eram também muitas vezes concedidos pelos reis, galardoando serviços prestados e até mediante pagamento de uma determinada
quantia.
Também passou a usar-se o nome de Dom a anteceder o nome dos chefes. O primeiro a usá-lo foi o chefe do Sonho, logo que se estabeleceu o contacto, o qual, como vimos, recebeu no baptismo o nome
de D. Manuel. Com decorrer dos tempos o seu uso generalizou-se, passou a ser usado com frequência por todas as classes sociais e mantêm-se ainda hoje, algumas vezes incorporado no próprio nome.
Voltaremos a este assunto no capítulo referente à influência do português na língua quicongo.
Continua ( Nas Instituições Religiosas)
Em colaboração com Artur Méndes