Contactos de Culturas no Congo Português.(29)
CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.
Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
NAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS – 1
Até o final do século XIX o contacto não introduziu, de uma maneira geral, grandes transformações nas instituições sociais dos Congueses.
A estrutura dos grandes grupos familiares consanguíneos, da família extensa e da família conjugal foi-se mantendo coma as características tradicionais. Neste período de quatro séculos, para
generalidade da população, se algumas modificações se foram processando, não devemos atribuir ao contacto com a cultura portuguesa, mas sim a um fenómeno de evolução natural. Só a partir da
ocupação efectiva é que, mercê de circunstâncias várias, comuns a todas as situações coloniais, a sociedade indígena do nosso Congo tem sofrido uma lenta e progressiva transformação sem no
entanto se afastar muito dos seus traços fundamentais.
Naquele primeiro grande período, apenas a organização da família conjugal tradicional foi abalada pela introdução do casamento monogâmico, imposto pelo Cristianismo. Mas como se tratava de uma
prática que contrariava em absoluto as mais fundamentais características da organização social, foi sempre repelida pela cultura local, nunca afectou a grande massa da população e a sua adopção
nunca foi perfeita e contínua. A maior parte dos cristãos em breve regressava à poliginia, quer abertamente quer pela manutenção do concubinato encapotado.
Além disso, como a envangelização foi irregular, a constituição, mais ou menos precária, de famílias monogâmicas operava-se apenas durante os surtos de intensificação da acção missionária e
desaparecia nas épocas de afrouxamento ou de abandono.
A obrigação do casamento monogâmico era mesmo uma das maiores barreiras que se opunham à difusão do Cristianismo.
A pacífica aceitação da doutrina cristã era impossível, porque “ mandava não tivesse mais de uma mulher: cousa que entre eles era mais dura e difícil de acatar que nenhum outro mandamento,
costumando eles tomar quantas lhes apraziam” diz Pigafetta.
Além disso, as próprias mulheres que povoavam o lumbu de um poligínio que se convertesse reagiam contra a inovação. O mesmo autor dá conta dessa reacção, no seguinte passo: “ e as mulheres que,
vendo-se apartadas de seus Senhores por vigor da lei Cristã, tomavam isso por grande injúria e vergonha, amaldiçoando a nova religião”.
Concomitantemente, o procedimento de muitos portugueses não estava de harmonia com a religião que professavam e dificultava a acção dos missionários sobre os indígenas. A História do Reino do
Congo, da Biblioteca do Vaticano, foca o problema, precisamente a propósito da poliginia: “ Os Brancos possuíam mulheres escravas com grande escândalo e, por isso, os Negros, quando se lhes
reprovava a pluralidade de mulheres, respondiam que os brancos, educados na nossa Fé, possuíam como os negros trinta e quarenta mulheres e que cada um deles tinha três ou quatro crioulos, que é o
nome que se dá às crianças filhas de negras e de brancos”( Pigafetta).
Na estratificação tradicional da sociedade conguesa, o contacto não introduziu alterações muito apreciáveis. Continuou a existir a grande diferenciação entre homens livres e escravos e a
hierarquia das “Kandas”, dos seus ramos e das gerações, em função da senioridade.
Devem ter surgido classes novas dotadas de certo prestigio advindo sobretudo do exercício de funções novas, que o contacto criou, e caracterizadas especialmente por uma certa supremacia
intelectual. É o caso dos mestres indígenas da língua portuguesa, os quais, durante as soluções de continuidade da acção missionária, deviam ocupar também o cargo de escrivães dos reis, e dos
intérpretes em exercício junto dos comerciantes e dos missionários.
Achamos escusado descrever com pormenores a importância destes indígenas, verdadeiros agentes de ligação, em certos aspectos, entre as duas culturas em presença. Não deixaremos, porém, de referir
uma particularidade curiosa da actividade dos últimos; durante muito tempo, como os missionários não falavam nem entendiam perfeitamente o quicongo, ouviam a confissão dos indígenas por meio de
intérpretes “ (Cuvelier J., e Jadin, L)
Além do que fica dito, o contacto apenas deve ter criado, ou, pelo menos, desenvolvido, mais uma especialização profissional com características de predomínio baseado na posse de maiores bens e
que é das comerciantes, sobretudo nas regiões que se distinguiram nessa actividade, como a habitada pelos Bazombo.
As profissões que gozavam de prestígio incontestado, como os de nganga e de ferreiro, mantiveram-se com a mesma característica.
No tocante à escravidão, se é certo que o contacto não modificou, no fundo, a sua caracterização no aspecto particular da estratificação social, no plano das instituições locais, o mesmo não
podemos dizer quanto ao número de indivíduos e ela submetidos para efeitos de negócios e até quanto à venda de homens livres.
Como vimos noutro capítulo, a escravidão era uma instituição já existente na cultura do Congo antes da nossa chegada ao Zaire.
Se bem que todos os escravos tivessem um status social caracterizado pela inferioridade em relação aos homens livres, podiam distinguir-se entre duas categorias que gozavam de tratamento
diferenciado. Uns eram os escravos domésticos, filhos de mães escravas, os bana (pl.de muana) a nozo ou bana a bata, que tinham bastantes regalias, e os outros os bantu (pl. de muntu) a nbongo ou
bantu a nzimbu, escravos comprados ou aprisionados na guerra, que podiam ser negociados. No entanto, os escravos do segundo grupo que se mantinham ao serviço do senhor durante muito tempo e
revelavam boas qualidades raramente eram vendidos.
Depois do estabelecimento do contacto, os comerciantes portugueses, que, ao princípio, apenas exportavam marfim, mabelas, peles e algumas manilhas de cobre, passaram a fomentar o tráfico de
escravos.
Num primeiro período, os escravos oferecidos à venda nos dois principais centros de negócio, que eram Banza Congo e o porto do Pinda, na foz do Zaire, deviam ser em pequeno número. Apenas os
recentemente adquiridos, os prisioneiros de guerra e os criminosos. Mas logo que as plantações do Brasil começaram a demandar abundante mão- de- obra, o quadro passou a modificar-se. Os
comerciantes portugueses passaram a penetrar pelos sertões dentro com o fito principal de adquirirem escravos. Ao princípio, só os grandes chefes, por possuírem muitos escravos, podiam adquirir
as fascinantes mercadorias que aqueles ofereciam. Mas o comum da população não resistia à tentação de possuir também aquelas riquezas e, como não tinham escravos, tratava de os conseguir por
qualquer processo. Assim muitos homens livres, apanhados em emboscadas ou em razias metodicamente organizadas por membros de Kandas diferentes, iam engrossar as levas de escravos.
Deve ter siso também por esta época que os bazombo intensificaram as viagens de negócio para o Pumbo e para o Cuango, regiões que há muito funcionavam como principais centros fornecedores de
escravos.
Continua ( tráfico de escravos)
Em colaboração com Artur Méndes