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05 Jun

Contactos de Culturas no Congo Português.(28)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #Fragmentos históricos da Damba

 

CONTACTO DE CULTURAS

                                              NO CONGO PORTUGUES

  ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.


 

Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).



Alfredo de Morais Martins.

 

 

 

Contacto – D ( os mercados da Damba)

Os mercados actualmente existentes na Damba e no Zombo em pouco diferem daqueles que se realizavam antes da ocupação efectiva. Alguns deles, os principais, são já antiquíssimos, a sua fundação é muito anterior a essa época.

Hoje, como sempre, realizam-se em todos os dias da semana indígena que são quatro: Mpângala, Konzo, Nkengue e Nsona. Portanto, em cada região há quatro mercados principais, distanciados uns dos outros até 30 quilómetros, e que tomam o nome do dia da semana em que se efectuam a anteceder o do local. Entre os bazombo, são: Mpângala-Zombo, nas imediações de Maquela; Konzo-Kipemba, quase no limite norte do posto sede da Damba, Nkengue-Luvaka, na estrada de Maquela para S. salvador; e Nsona-Bata, junto à fronteira, mas já em território belga.

Na vila da Damba também se realiza, duas vezes por semana, um mercado muito concorrido pela gente dos arredores e que tem a característica especial de funcionar num local especialmente preparado pela Administração, bem arborizado, cercado por uma sebe de buganvílias e onde alguns produtos são expostos à venda em bancadas de cimento e em pavilhões cobertos, simetricamente dispostos. Os habitantes, que antes realizavam o mercado segundo o padrão tradicional, aceitaram com todo o agrado a inovação.

Os mercados do Congo são os espectáculos mais coloridos, mais álacres e movimentados que temos assistido em África.

Um observador atento tem neles material inesgotável para o estudo da população e da sua cultura. Ali ocorrem homens e mulheres de todas as idades e condições, de perto e de longe, evoluídos e atrasados, comprando, vendendo, conversando ou passeando, com autêntica naturalidade, uma das instituições mais características da sua cultura.

Ali se podem estudar os tipos físicos, as tatuagens, as mutilações étnicas, os adornos, os diversos vestuários, as formas de polidez e cortesia, os sistemas de negócio, os produtos da agricultura, da colheita e das indústrias tradicionais, as modificações introduzidas pelo contacto em diversos aspectos da vida indígena e até, muitas vezes, as danças e canções.

Quem ouvir de longe o ruido confuso do vozear de milhares de indígenas reunidos num mercado, e, aproximando-se, deparar com a multidão compacta que enche por completo o vasto terreiro em que se realiza, pode ter a sensação de que tudo decorre sem organização e sem ordem. Mas se se misturar com os feirantes, cedo descobrirá que se enganou. Tudo está regulado todos os produtos expostos à venda se agrupam por especialidades. Numa secção encontram-se os produtos agrícolas, onde dezenas de vendedoras, acocoradas no chão, oferecem a mandioca em raiz, com casaca ou já fermentada, ou a sua farinha, o milho verde ou seco ainda na maçaroca, diversas variedades de feijão, molhos de folhas de couve galega ou de rama de mandioca, ervilha do Congo, pequenos tomates, quiabos, cana-de- açúcar, batata doce e tantos outros.

Mais além agrupam-se os vendedores de carne de caça, fresca ou seca, e de animais

domésticos acabados de abater, sobretudo de porcos e cabras, não faltando os molhos de tripas ainda com os restos da última digestão e que, mesmo assim, assados nas brasas sem prévia lavagem, constituem um dos petiscos mais apreciados pelo indígena do Congo.

Perto, rapazes e mulheres expõem enfiadas de ratos (do mato) assados, ainda com a pele e as vísceras, e grandes quantidades de gordas lagartas torradas ou grilos assados e peixes fumados
enfiados em espetos de rama de palmeira. Mais além, montículos de sal e de jindungo sobre grandes folhas e cabaças ou garrafões de malavu de palmeira e de banvo de milho, cerveja gentílica, com os gargalos babados de espuma. Um pouco à parte, fica secção dos produtos da indústria tradicional; os ferreiros, em lugar de destaque, vendem as enxadas, os machados e as facas; ao lado, as mulheres expõem panelas de barro de diversos tamanhos, com ornatos geométricos feitos por incisão, cestos e peneiros de uma espécie de vime bangos ou balaios de várias dimensões, confeccionados com tranças de caules finos e resistentes de uma gramínea e tão bem urdidas que podem conter líquidos.

Homens e rapazes vendem esteiras bem urdidas, apresentando alguns desenhos geométricos ou zoomórficos, e panos de mabela que foram comprar às terras do Cuango.

Noutro local vendem-se as roupas e os produtos da indústria ocidental. É esta secção em que predominam os prósperos comerciantes e os seus agentes. Alguns existem que movimentam por ano muitas dezenas de milhares de escudos de mercadorias. Aqui se vendem casacos, calaças, sobretudos, casacas, smokings, fardas berrantes e toda a casta de roupa usadas, idas da Europa e da América, e também calças, calções e camisas para homem ou quimonos para as mulheres, tudo obra de alfaiates indígenas, e ainda tecidos de algodão pintados, de vivas cores e interessantes padrões. Não faltam também os cobertores de lã ou de algodão, as colchas, as carteiras, os cintos, os colares de missanga, os anéis de estanho, pratos, copos e outros utensílios de louça, vidro ou esmalte. Aparecem até, por vezes, fonógrafos e respectivos discos e, mais raramente, máquinas de costura de manivela. De tudo se vende e para tudo há compradores. Ainda há poucos meses um missionário da Damba nos informou
de que tinha encontrado à venda, numa das quitandas, alguns exemplares do “ Perfeito Secretário dos Namorados”!

Como não podia deixar de ser, não faltam também géneros alimentares de consumo imediato, destinados a saciar o apetite despertado pelas longas caminhadas e pelo ar estimulante das frescas manhãs do Congo. Além das bananas, do amendoim torrado e da Kikuanga, não faltam guisados de carne ou de peixe seco nadando em espesso molho de óleo de palma ou de amendoim, bem condimentado com o sal e jindungo, e até frituras de uma mistura de peixe seco e farinha, á europeia, conservas de lata e café bem açucarado.

Tudo quanto dissemos dá uma ideia muito pálida e imperfeita da maravilhosa cena da vida indígena que um mercado representa.

Os mercados da actualidade são, nos seus traços gerais, a réplica perfeita dos que se realizavam antes da ocupação efectiva. Têm menos o negócio de escravos, de espingardas e de pólvora e a mais o de muitas mercadorias ocidentais introduzidas pelos comerciantes europeus nos últimos anos.

Esta instituição, criada ou adoptada pela cultura conguesa antes da descoberta do Zaire, foi evoluindo e desenvolvendo-se mercê da influência comercial portuguesa, passando a ser uma das manifestações mais características do longo processo de contacto entre as duas culturas, não só do nosso território, como naqueles que, embora habitados por populações do mesmo grupo étnico, a partilha da África colocou sob as soberanias belga e francesa.

Na organização do trabalho, o contacto, no período que estamos estudando, não introduziu modificações substanciais. Continuou a manter-se uma divisão sexual da actividade, aproveitou-se para o serviço dos portugueses a instituição da escravatura, já existente na estratificação social tradicional, e desenvolveram-se certas especializações do trabalho, avultando entre elas a do comércio. Nos últimos anos deste período, após a abolição do tráfico de escravos, deve ter começado a ser utilizado, pelo menos nalgumas regiões, o trabalho de homens livres no transporte de cargas para feitorias do litoral e dos portos fluviais do Zaire.



Continua ( NAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS)

 

 

                                                                         Em colaboração com Artur Méndes

 

 


 

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