Contactos de Culturas no Congo Português.(19)
CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.
Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
CARACTERIZAÇÃO GERAL
Da observação dos diversos pormenores da cultura dos Congueses que fomos anotando ao longo dos parágrafos anteriores, pode concluir-se que a sua economia, na época do estabelecimento do contacto,
já pertencia, como hoje sucede, ao tipi de economia agrícola adiantada.
A sua agricultura já produzia excedentes permutáveis, se bem que não fosse muito evoluída quanto ao tamanho das lavras, à inexistência do arado, à falta do aproveitamento da força motriz
fornecida por animais, ao desconhecimento de técnicas de adubação e de regadio e ao pequeno número de espécies cultivadas. Ainda havia necessidade de recorrer à colheita de produtos espontâneos,
que, aliás, desempenhavam um papel muito relevante no regime alimentar.
A par da agricultura já existia uma pecuária não muito desenvolvida, criando-se porcos, cabras, ovelhas, galinhas e patos; bois existiam só nalgumas regiões. Nessa altura, como hoje, a
tripanossomíase e outras doenças deviam dificultar o desenvolvimento dessa actividade. Dada a qualidade das espécies predominantes não se pode falar em pastoreio. As cabras, as ovelhas e os
porcos vagueariam, como actualmente acontece, nos terrenos circunvizinhos das aldeias, sem necessidade de guarda permanente.
Existia a divisão sexual do trabalho, cabendo à mulher a quase totalidade dos trabalhos agricultura e da colheita, o aprovisionamento de água e a preparação dos alimentos, e, homem, a caça, a
defesa, a construção as habitações e também a derruba das árvores grande porte que existissem nos terrenos destinados às culturas, muitas vezes em regime cooperação recíproca.
Devemos acentuar que nem todos os homens executariam estes serviços. Na sociedade conguesa existia uma estratificação bem definida e os homens das classes superiores não se dedicariam a trabalhos
braçais. Tinham ao seu serviço os escravos, em número variável de harmonia coma posição social e as posses, que os substituíam naquelas ocupações.
A existência de agricultura produzindo excedentes permutáveis, aliada ao condicionalismo do meio natural, que, para a maioria do território, era caracterizado pela benignidade do clima, pela
abundancia de caça de todas as espécies e pela riqueza da flora, concedia extraordinárias facilidades de vida, em todos os ramos da economia, e libertava uma grande percentagem de congueses, de
ambos os sexos, de um absorvente luta pela sobrevivência.
Tudo isto justifica a estratificação social já referida, com a possível concorrência de outras causas, e permitia o desenvolvimento de especializações de actividade: especializações individuais e
especializações regionais.
Quanto às primeiras, notámos a existência de ferramentas de tecelões, de oleiros e de outros misteres. Quanto às segundas, a abundância de certas matérias-primas em determinadas regiões
proporcionav condições óptimas para a criação e aperfeiçoamento de algumas indústrias; é o caso da tecelagem e da extracção do ferro.
Do somatório de todas estas circunstâncias resultava necessidade da existência de um intercâmbio comercial activo, tanto local como entre regiões. Este último proporcionava contactos constantes
entre os diversos agrupamentos populacionais, afastando-os do isolamento e servindo de excelente meio de difusão cultural. O comércio não se limitava à simples permuta, já existia um padrão de
valorização, representado, por pequenas conchas de moluscos, e as transições eram normalmente efectuadas em mercados.
As concepções religiosas dominavam a vida do Conguês em todos os seus aspectos, integrando-a num todo hormónico. As suas principais manifestações eram as ligadas ao culto dos antepassados e
comandavam a organização social em todos os seus escalões. A organização política, quanto às suas instituições fundamentais, integrava-se na organização social, que se baseava nos grandes
agrupamentos familiares consanguíneos, de sucessão matrilinear.
Os antepassados, através de uma cadeia de elos constituindo uma hierarquia que encabeçava nos fundadores míticos do grupo étnico, é que transmitiam aos vivos, para reforço da que possuíam, a
força vital recebida do Deus Criador. Essa transmissão era operada através dos seus descendentes mais chegados, isto é, dos anciãos dos clãs e das linhagens.
Os antepassados continuavam a fazer parte destes grandes agrupamentos e eram os verdadeiros senhores do sol e de tudo quanto espontaneamente nele nascia e se desenvolvia. Por isso, o solo não era
susceptível de apropriação individual e tinha um carácter quase sagrado. A própria constituição da já precária unidade política que fomos encontrar quando da descoberta do Zaire e que apelidámos
de reino do Congo se devia, a nosso ver, a esta fundamental ligação entre vivos e antepassados e á existência de uma hierarquia assente na senioridade. Enquanto as alianças com os clãs dominados
pelos Congueses em consequência das migrações e a natural divisão dos seus próprios clãs não acentuaram as tendências descentralizadoras, todo o agrupamento étnico as mantinham unido pela
subordinação ao representante do clã do primeiro chefe, que, por sua vez, já gozava das prerrogativas da senioridade dentro do povo de origem, antes da emigração.
Continua.