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23 Jan

Contactos de Culturas no Congo Português.(16)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #História do Reino do Kongo

 

                                                  CONTACTO DE CULTURAS

                                              NO CONGO PORTUGUES

 

ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.


 

Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).


Alfredo de Morais Martins.



ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

Estudando as tradições indígenas e os informes escritos relativos à organização que encontrámos no Congo quando do estabelecimento do contacto e comparando o resultado com o panorama hoje existente, talvez possamos caracterizar, com alguma aproximação, as primitivas instituições políticas dos Congueses e a sua evolução até à actualidade.

Segundo rezam as tradições locais, o grupo étnico dos bacongo não é autóctone da região que hoje ocupa e que já ocupava quando Diogo Cão chegou ao Zaire. Teriam vindo do norte, da margem direita do zaire, ou de leste, da região do Cuango, capitaneados por Ntinu Wene ou Lukeni, após desinteligências havidas no povo de que faziam parte. Na sua marcha migratória foram submetendo as populações, que encontravam ou estabelecendo alianças. Estas populações, às quais estariam ligados por remotos laços de parentesco, haviam anteriormente expulsado os primitivos habitantes, os “mbaka”, povo de anões. É por isso que ainda hoje os anões gozam de especial deferência no Congo e eram invocados em algumas cerimónias rituais, como nas da iniciação na seita do “Kipaxi”. É interessante notar que esta tradição confirma a hipótese, geralmente aceite, de que os primitivos habitantes desta zona da África foram pigmeus e também está de harmonia com o que se tem escrito sobre os sucessivos movimentos migratórios dos Bantos.

 

Chegado à região do Kongo, após ter dominado a população, Ntnu Wene estabeleceu aliança com o respectivo chefe, Nsaku ne Vunda, e casou com uma mulher da Kanda de Nsaku.

Daí irradiaram diversos grupos, por natural enxameamento, os quais foram estabelecer-se nas regiões próximas, dominando os respectivos habitantes. Com o decorrer dos tempos foi-se estabelecendo o jogo de alianças matrimoniais que deram origem à constituição de agrupamentos que mantinham certa solidariedade e eram dirigidos por um chefe saído da Kanda mais antiga dos invasores, Noutras, como a de Mbata, onde dominava um ramo da Kanda de Nsaku, a chefia, por especial deferência, continuou a pertencer a um membro desse clã. Esses agrupamentos, constituindo uma espécie de tribos, mantiveram-se ligados aos chefes de Kongo, herdeiros de Ntinu Wene, por laços de vassalagem. Novas migrações se deram, outros territórios foram avassalados e novas alianças se foram estabelecendo. Assim se foi ampliando o domínio real ou simbólico do grupo central de Kongo e crescendo o prestígio do respectivo chefe, o “Ntótila”. Devido a esse prestígio, até regiões distantes, em organizações políticas desenvolvidas, como as de Angola e Matamba, com ele celebraram precárias alianças, caracterizadas por certa dependência, traduzida no envio de presentes.

Foi esta, mais ou menos, a organização que encontrámos quando do estabelecimento das relações, e a que demos, impropriamente, a designação de reino. Supomos que não passava de uma espécie de federação de pseudotribos ligadas por laços de parentesco e por um sistema de vassalagem ao chefe de um núcleo central, sucessor do primitivo chefe comum. Além destas, que constituíam a base mais ou menos estável da organização, outras lhe estavam agregadas apenas por laços de ténue vassalagem, mas que, mais tarde, os reis do Congo, macaqueando os reis de Portugal, incluíram nos seus pomposos títulos como fazendo parte do seu domínio directo.

Nessa altura, as tribos do primeiro grupo eram as que ocupavam as regiões de Mpemba, Mbata, Mbamba, Nsoyo, também conhecida por Nsongo ou Sonho, Nsundi e Mpangu. As quatro primeiras situavam-se no território do nosso actual distrito do Congo e as de Nsundi e Mapngu ficavam entre a actual fronteira luso-belga e o rio Zaire. O limite norte do conjunto era definido por este rio; a oeste terminava na costa do Atlântico, entre o Zaire e o Loge; a fronteira sul era materializada, num grande troço, pelo curso do Loge, seguindo depois atá ao Cuango, entestando nesta parte com o rio Matamba, a leste o limite era o rio Cuango atá ao ponto em que inflecte para N.E. e desse ponto até ao Zaire seguia por uma linha que atingia no actual Stanley-Pool. Entre o Loge e o Bengo ficava a actual região dos Dembos, cujos chefes eram aliados do rei do Congo. Além- Bengo era já o reino de Angola, com excepção da ilha de Luanda, que dependia do Congo e era, como já vimos a sua Casa da Moeda.

A capital, banza Congo, com um pequeno território à sua volta, estava encravada na região de Mpemba. Só nesse enclave o rei exercia domínio directo. Já em Pigafetta esta característica está bem definida:” Ainda que a Cidade real do Reino de Congo esteja compreendida, em certo modo, na comarca de Pemba, contudo, dependendo o governo dela e do seu território, que poderá ter de circuito 20 milhas, do próprio Rei, ponhamo-la em separado regimento”.

Por aqui se vê claramente que tão decantado reino do Congo não passava, como ainda hoje, de uma reduzida região cujo chefe, nesses tempos, por ser herdeiro directo da Kanda a que pertencera o Ntnu Wene e que gozava o direito de senioridade entre todas as que se tinham separado no decorrer das migrações, conservava um certo predomínio sobre elas e sobre os povos que haviam sido avassalados. Era um pequeno chefe local mantendo certo poder, muitas vezes contestado, sobre as regiões habitadas pelas Kandas pertencentes ao seu grupo étnico e exercendo uma precária suserania sobe outros territórios.

Se passarmos uma vista de olhos sobre a organização política tradicional dos Congueses, que ainda hoje se mantém nas linhas gerais, talvez possamos chegar a conclusões que ajudam a compreender o que se dava naqueles tempos.

Entre os Congueses há quatro categorias de chefes: os chefes dos clãs ou kandas, os chefes dos ramos ou linhagens dos clãs (ngudi), os chefes territoriais ou chefes coroados e os chefes de aldeia; em muitas aldeias há ainda os chefes de bairro (mbelo).

O chefe da Kanda ou clã é dominado “mbuta Kanda” (ancião da kanda). As suas funções são judiciais e religiosas. É ele o árbitro das questões que interessam a todo o clã ou que excedem a competência dos chefes das linhagens e o traço de união entre vivos e os mortos. É o ministro do culto dos antepassados nos clãs onde não existe um chefe coroado. Conhece toda a história e as tradições da Kanda desde a emigração de Kongo, os nomes dos antepassados célebres, a história da separação das diversas linhagens e a arte da resolução das questões judiciais. É ele que designa o seu sucessor, de acordo com o conselho dos velhos. É também o chefe da aldeia em que habita.

O chefe de linhagem é o ancião de um ramo de Kanda, ou seja de uma nyudi. O seu nome é “mabuta muna nyudi”, isto é, ancião da linhagem. Quando uma linhagem tem ramos espalhados por diversas aldeias, cada um deles tem um chefe privativo, o “ mfumu kibelo”, ou chefe de bairro. Com a crescente desagregação dos clãs, o chefe de linhagem tem actualmente quase as mesmas funções dos chefes de Kanda.

O chefe coroado (mfumu mpu) ou chefe territorial (mufmu a tsi /tsi: significa território) dirigia uma federação de clãs aparentados ou um clã muito importante. Usava insígnias especiais que distinguiam dos outros chefes: um barrete (mpu), uma pele de “ngo” (leopardo) ou de “nzuge” (gato bravo) à laia de avental e uma pulseira de metal (nlunga). O sucessor era eleito em assembleia magna entre os rapazes apresentados, para esse efeito, pelos chefes dos clãs, e a eleição devia ser ratificada pelo chefe corado em exercício. Normalmente a eleição recaía num dos representantes da Kanda mais antiga. O eleito era instruído sobre as tradições do grupo, sobre a linguagem especial e os provérbios usados nas questões judiciais, e habituava-se a dominar os nervos, a falar com gravidade, a comportar-se em todas as circunstâncias como um verdadeiro homem tranquilo. Era o chefe de todo o território ocupado pelos clãs federados e as suas funções eram sobretudo de natureza religiosa e judicial. Era também o mantenedor dos costumes ancestrais. No exercício das suas funções religiosas cabia-lhe a direcção do culto dos antepassados comuns, deles recebendo a força vital que comunicava aos seus súbditos e
o poder de tornar a terra fértil. No seu cargo de juiz dirimia as questões que ultrapassavam a
competência dos chefes de Kanda ou dos chefes de aldeia.

Conheci na Damba um destes chefes coroados que, apesar de velhíssimo e cego, mantinha um aspecto aprumado e uma dignidade que chegavam a impressionar. Falava sempre com ar grave e as suas palavras eram recheadas de provérbios e imagens cheios de pitoresco.

Por fim, temos o chefe de aldeia, o mfumu a bata. Uma aldeia (bata) é um enxameamento da kanda. O mfmu a bata é, em regra, o ancião da linhagem do clã que goza do direito de senioridade. O herdeiro da chefia é o filho mais velho da herdeira mais directa do sangue da primeira mãe da linhagem, mas se esse não tiver qualidades de chefia o mfumu a bata em exercício pode escolher outro, dentro da mesma linhagem, de acordo com o conselho dos velhos. Depois de escolhido passa a ser instruído sobre as questões da aldeia.
web n18019(2)

              Sobas do Concelho de Administração da Damba, nos anos 50.

 

As atribuições do chefe de aldeia são vastas e o seu poder é muito forte. Tem a seu cargo a administração da justiça, a direcção do comércio, sobretudo dos mercados, o culto dos antepassados, a vigilância dos costumes e a divisão das terras de cultura pelas diversas linhagens. Antigamente também lhes competia declarar e dirigir a guerra contra aldeias vizinhas. Pode impor trabalho obrigatório para fins de interesse público, como a limpeza de caminhos, ou para seu benefício pessoal, e tem ainda direito à percepção de uma parte das peças de caça grossa abatidas na sua área.

Todos estes chefes principais gozavam de grande prestígio e eram tratados com o máximo respeito. Quando comiam, apenas os netos podiam olhar para eles; quando passavam ou falavam, todos os circunstantes se calavam e, na sua presença, só se podia estar sentado com as pernas encolhidas. Os cumprimentos aos chefes revestiam-se e ainda hoje se revestem de um cerimonial complicado. Ajoelhavam-se, esfregavam a testa com terra, por três vezes, e batiam as palmas pronunciando depois uma fórmula de saudação. Nos primeiros tempos do estabelecimento dos Congueses no novo território, o “Ntótila” de Banza Congo devia ser o único chefe de todo o grupo, o único mfumu mpu. Com o enxameamento derivado das emigrações e a ocupação de outras regiões foram-se formando novas federações constituídas pelos clãs dos invasores e das populações dominadas que as alianças matrimoniais iam congraçando. À frente de cada um desses novos agrupamentos passava a existir um mfmu mpu privativo, saído em regra da kanda mais importante dos dominadores e nomeado e demitido pelo Ntótila. Só na região de Mbata, como vimos, a chefia pertencia a um membro de uma Kanda local.

Continua.

 

                                                                              Texto enviado por Artur Méndes

 

 


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