Contactos de Culturas no Congo Português.(14)
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Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
“LAÇOS DE PARENTESCO”
O parentesco entre os Congueses era e é do sistema classificatório. A sua determinação é difícil e dá origem a imensas confusões por parte de quem se inicia no seu estudo. É que, além do
parentesco directo e colateral consanguíneo principal, isto é, uterino, há ainda o parentesco por parte do pai, também consanguíneo, mas só no primeiro grau, como já vimos.
Estamos portanto em presença de um sistema que talvez possamos classificar como bilateral, mas em que predomina largamente a linha matrilinear, que se estende, de geração em geração, até à
mãe-tronco da Kanda, a que chamaremos clã, para usarmos a terminologia de todos os autores, nossos conhecidos, que têm estudado este grupo étnico.
Além destes, ainda há os parentescos por afinidade, resultantes das relações estabelecidas pelo casamento.
Antigamente havia também o parentesco por troca de sangues, mas só entre os chefes. Faziam incisões nos braços e aplicavam as feridas uma sobre a outra. Esta cerimónia, chamava-se “vukana menga”
(misturar o sangue) e transformava os protagonistas em “mpangi”, isto é irmãos.
Pelo lado da mãe, isto é, dentro do clã, o parentesco é designado por “ Kimama ou” Kingudi” e pelo lado do pai, por “Kitata”. O parentesco entre irmãos e primos chama-se “Kimpangi”. Nas relações
de parentesco por afinidade há duas classes de parentesco: a “Kinzadi”, entre a mulher e os irmãos e irmãs do marido ou entre o homem e os irmãos ou irmãs da mulher, e “kizitu”, entre os cônjuges
e os sogros.
GRUPOS FAMILIARES CONSANGUINEOS
Todos os congueses, quer de Angola quer do Congo Belga e Francês, se julgam de certo modo aparentados, por considerarem descendentes de uma remota avó comum. Esta mítica fraternidade é só
invocada em relação a grupos étnicos diferentes e está actualmente a ser aproveitada para justificar o movimento nacionalista que tem o seu principal campo de acção no Congo Belga.
Vem depois um grande grupo, formado por clãs mais ou menos aparentados ou, pelo menos, tradicionalmente aliados, designado por luvila.
Mas a grande colectividade consanguínea, que desempenha um papel essencial na sua estrutura social, é a Kanda. Compreende todos os indivíduos de ambos os sexos, adultos ou crianças, convictos de
que descendem, por via uterina, de uma mesma avó, que usam um nome comum e estão sujeitos a determinadas leis. À Kanda pertencem também os defuntos. É ao nível da Kanda que se processam as
relações com os antepassados e ao seu chefe compete o respectivo culto. É ele o traço de união entre os membros da Kanda que estão por cima ou por baixo da terra. Estando mais próximo dos
antepassados, deles recebe a força vital, que poderá comunicar aos restantes membros da Kanda, reforçando a que é própria de cada um.
Toda a mulher que fosse feita escrava deixava de pertencer à Kanda originária e os seus filhos
tinham a mesma sorte. Só voltaria a parir filhos livres se fosse resgatada pelos seus parentes. Cada Kanda tem a sua designação própria, composta de duas partes. Uma é o nome da fundadora, pelo
qual todos os seus membros são conhecidos. É como que um apelido de família. Em muitas Kandas esse nome é o do animal ou planta, mas parece que não tem qualquer ligação com o totemismo. Ainda
hoje é frequente as crianças receberem como nome próprio um daqueles nomes. A outra parte é como uma divisa e contém pormenores de carácter descritivo sobre a história da kanda.
Todas as kandas têm as suas tradições, compreendendo a origem e os acontecimentos mais importantes que lhe dizem respeito, e são muitas vezes invocadas, sobretudo nos julgamentos e nas cerimónias
que antecedem o casamento.
A primeira lei da kanda é a da absoluta exogamia. Já a ela nos referimos. Abrange todos os ramos, “ngudi”, em que a kanda principal foi dividindo com o correr dos tempos. Vem depois a obrigação,
imposta a todos os ramos, de enviarem uma delegação ao enterro de qualquer membro adulto e de oferecerem panos para envolverem o cadáver.
Antes da ocupação efectiva, quando eram ainda frequentes as guerras entre grupos, havia também a ajuda obrigatória de todos os ramos da Kanda àquele que estivesse em luta.
Todas as Kandas têm os seus tabus alimentares, denominados “Kinkonko” e podem ser de origem animal ou vegetal. Não dão explicação concreta sobre a origem dessas interdições; obedecem ao costume
que bem dos remotos antepassados e não o violam porque, se tal se desse, ficariam doentes. Será reminiscência de um remoto totemismo? Nenhum “mukongo” admite a possibilidade de ter na sua
ascendência um animal ou uma planta. Há no entanto lendas que explicam a origem de algumas destas interdições como representando gratidão para com um animal que, de qualquer forma, auxiliou algum
ou alguns antepassados e que, de certo modo, nos fazem inclinar para a existência de totemismo. Mas outras há, também, que afastam essa hipótese.
Devemos ainda notar que os animais ou plantas cujos nomes entram nas designações das Kandas não coincidem com os “Kinkonko” particulares desses mesmos agrupamentos.
Um dos aspectos mais relevantes a considerar na orgânica das Kandas é o que respeita à propriedade. Existem dois tipos de propriedade: a colectiva e a individual. O solo nunca é susceptível de
ser apropriado individualmente. É propriedade da Kanda, ou, melhor, dos seus ramos, “ngudi,mas não dos seus membros vivos. A verdadeira posse pertence aos antepassados que conquistaram o solo
onde os seus descendentes estão estabelecidos e estes apenas detêm o usufruto. Há uma ligação íntima entre a kanda e o território por ela ocupado, e o conjunto é dominado pelo poder dos
antepassados. Isto dá ao solo um carácter quase sagrado e é problema que demanda um estudo atento pela ligação que tem com a concessão de terras a Europeus.
O usufruto das terras por meio da agricultura e o aproveitamento dos produtos espontâneos, da caça e da pesca pertencem a cada uma das Kandas em relação à área que ocupa, existindo zonas bem
definidas para cada um dos seus ramos. Nestas há ainda uma subdivisão interessando às diversas famílias extensas. Os respectivos limites são fixados por acordo com o chefe de aldeia.
De qualquer maneira, o solo propriamente dito nunca é propriedade perfeita de qualquer das
colectividades e muito menos dos indivíduos. Só as cubatas e as árvores plantadas ou tratadas são propriedade individual, podendo ser negociadas e transmitidas por herança.
Muitos pormenores havia ainda a referir quanto á organização política, por estarem a elas intimamente ligados, o que é característico do tipo a que esta pertence.
Texto enviado por Artur Méndes.