Contactos de Culturas no Congo Português.(13)
CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.
Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
A família conjugal
Não faremos uma análise circunstanciada das causas do poliginia entre Congueses, por serem as mesmas que se notam em todas as sociedades do mesmo tipo que a adoptam. Em todas elas a poliginia dá
ao homem maior riqueza, maior prestigio e maior poder advindo do jogo das alianças com diversos clãs onde vai recrutar as mulheres. Não nos devemos esquecer de que a poliginia funcionava como uma
espécie de capitalização, quase a única possível.
Também no Congo contribuíam e contribuem para a poliginia a proibição de contactos sexuais no período das regras, durante o qual o marido devia fugir à aproximação da mulher e durante grande
parte da gravidez. Depois do parto só voltariam a coabitar após o desmame e, no Congo, o aleitamento dura, em média, três anos. A estas interdições devemos ligar o facto de as necessidades
sexuais dos Congueses serem grandes, talvez por o instinto genésico ser desde muito cedo estimulado pelas danças, quase sempre obscenas, por práticas do “nzo longo”, ou ritos da puberdade, e
também por algumas cerimónias de iniciação na seita secreta do “ Kipaxi”, a que adiante nos referiremos, em que entravam danças e a cânticos libidinosos e excessos sexuais de toda a ordem.
Há um pormenor interessante quanto à poliginia entre os Congueses e que parece dar a entender que esta instituição, apesar de muito antiga e generalizada, se implantou após uma época em que teria
vigorado a monogamia. Era a cerimónia do “ Kuguga”, aspergir, ou “Kuguga Kesa”, aspergir por cima da luxúria. Tinha lugar quando se dava um caso de adultério. O cônjuge que dera a facada no
matrimónio era obrigado a confessar o delito, depois que era purificado por meio de aspersões com água. Este rito tinha por fim evitar que os filhos viessem a sofrer doenças causadas por
adultério dos pais. O ministro da cerimónia era velho conhecedor do rito e não um “sahaman” (nganga), porque as doenças causadas
pela luxúria (Kesa) não são devidas a feitiços, mas são castigos directos de Deus (Nzambi). Pois sempre que um “mukungo” efectuasse um segundo casamento e em todos os que se seguissem, tinha de
se submeter ao mesmo rito, assim como a nova mulher e todos as que já possuía. Tinha de ser feita confissão de todas as relações sexuais ilícitas que pesavam na consciência dos cônjuges e da nova
esposa.
Não se poderá ver nesta prática uma condenação da poliginia, um sintoma de que não era considerada inteiramente de acordo com a lei natural de uma indicação da existência, em remotas eras, do
casamento monogâmico? Parece-nos que, no fundo, este rito dá a entender que, para Conguês, a poliginia não está muito distanciada do adultério. Confirmando ou valorizando, pelo menos, esta
hipótese, dá-se ainda a circunstância de existir um feitiço de caça especial para poligóneos e que lhes impõe certas interdições, assim como às suas mulheres.
No casamento dos Congueses a lei mais rigorosa e da exogamia em relação ao clã. É uma lei que, segundo eles, vem dos temos da origem deste grupo étnico e tem sido transmitida de geração
para geração e tem acompanhado todos os ramos que, por natural enxameamento, se foram afastando do território primitivo, em sucessivas migrações. Diversos ditados apontam a necessidade de
exogamia. Este é bem expressivo: “ninguém se casa com o seu próprio sangue”. Nesta fórmula está bem patente a proibição de casamento entre indivíduos que pertencem ao mesmo grande grupo familiar
consanguíneo, que, entre Congueses, é o clã matrilinear ou “Kanda”.
Uma das cerimónias mais importantes antes da consumação do casamento é aquela em que os futuros cônjuges explicam, com toda a minúcia, qual a Kanda a que pertencem, para evitar uma união de
consanguíneos que originaria relações incestuosas. A causa principal da exogamia deve residir no horror ao incesto, que é um dos crimes mais graves, punido antigamente com a morte na fogueira, e
que atraía terríveis castigos de Nzambi sobre todo o grupo.
Além disso parece haver também entre eles a percepção de que os casamentos consanguíneos não conduzem a uniões felizes. Essa ideia parece estar contida no provérbio: “menga ma moxi ka mazolano
ko”, que, em tradução literal, significa: “os mesmos sangues não se podem amar uns aos outros”.
A exogamia dentro do clã matrilinear coexistia com a endogamia dentro do grupo étnico. Ainda hoje não são bem vistos os casamentos com “estrangeiros”.
Quanto ao parentesco por parte do pai, que, no sistema classificatório do Congo, é conhecido por “Kitata”, só é impeditivo entre sobrinhas e tios e sobrinhos e tias. Para além da geração
ascendente directa o sangue já não é o mesmo. Por isso é permitido o casamento entre avô paterno e a sua neta.
Além do impedimento do sangue, base da exogamia, há outro derivado de parentesco por afinidade ou “Kisitu”, no falar quicongo. Durante a constância do casamento este impedimento é extensivo a
todas as linhas, mas depois da morte da mulher ou do divórcio só se mantém na linha directa, isto é, um homem nunca se pode casar com a mãe da sua mulher que morreu ou de quem se divorciou. A
afinidade em linha colateral não constitui, nestas circunstâncias, um impedimento. São até muito frequentes os casos de levirato e de sororato, se bem que não sejam a regra geral. De facto, nem
sempre as viúvas de um conguês passam para o seu herdeiro directo ou uma irmã da mulher falecida a vem substituir junto do viúvo.
No sistema matrimonial devemos ainda referir que o casamento entre primos cruzados tinha e tem o carácter de preferido. Antigamente era quase obrigatório.
O casamento entre um conguês e uma mulher livre representava um contrato com o clã ou a linhagem desta, considerando a linhagem como como um ramo do clã. Era cedida como que por empréstimo, com o
direito de uso, mas não em regime de propriedade perfeita, contra o pagamento de um certo valor, o “alambamento”, para nos servirmos o termo generalizado em Angola, que em quicongo tem a
designação de “mbongo zalongo ou nzimbu zi longo”, isto é, dinheiro de casamento, se bem que o valor entregue seja constituído sobretudo por criação, bebidas, cobertores, roupa, etc., e só em
pequena parcela por dinheiro pròpriamente dito.
O quantitativo desta indemnização era calculado em função do valor da mulher, medido sobretudo em relação à idade, e era sempre acordado e pago na presença de testemunhas. Antigamente o
alambamento era pago directamente ao verdadeiro dono da mulher, o tio materno chefe da linhagem, que, por sua vez, o dividia com outros tios maternos, reservando também uma parte para os pais da
noiva.
Com a dissolução do casamento havia e há lugar à restituição o alambamento, no todo ou em parte, conforme o tempo da sua duração. A morte da mulher também origina a restituição, a não ser que
ocorra após muitos anos de ligação fecunda ou que o seu lugar seja preenchido por uma irmã (sororato). No caso da morte do marido, como já dissemos, a viúva pode ficar para o herdeiro
(levirato),sem que este tenha de pagar novo alambamento, ou regressar à lo linhagem de origem. Neste caso, o herdeiro tem direito a ser reembolsado da totalidade ou parte do alambamento que havia
sido pago pelo defunto.
Família extensa
Ao tratarmos da família conjugal, já vimos que os filhos de mulheres livres, ao atingirem a idade de 8 a 10 anos, iam para junto do tio materno, ingressando no agrupamento familiar deste. Este
tio materno é o mais velho dos irmãos uterinos da mãe e é o chefe da família extensa, na qual, além da sua família conjugal, estão englobados os seus irmãos mais novos, os sobrinhos, filhos de
irmãs, e as suas famílias conjugais, as irmãs e sobrinhas solteiras e os filhos das suas mulheres escravas.
Como este chefe de família extensa não é originário da aldeia onde vive, mas para ela veio, quando criança, para ficar junto do respectivo tio, podemos considerar este agrupamento como do tipo”
avuncolocal” .Nas instituições tradicionais Conguesas este agrupamento familiar, se bem que gozasse de uma limitada autonomia, pouca importância tinha, pois era abafado, digamos assim, pela
organização familiar territorial que se lhe sobrepunha, a aldeia, conjunto de diversas famílias extensas cujo chefe era o mais velho da geração mais antiga de uma mesma linhagem, ou da linhagem
com a característica da autoridade dentro de um clã. Quando tratarmos das formas mais largas dos agrupamentos familiares consanguíneos, voltaremos a este assunto.
Continua com:” Laços de Parentesco.”
Texto escolhido por Artur Méndes