CONTACTO DE CULTURAS NO CONGO PORTUGUES (9)
CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.
Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
TÉCNICAS DIVERSAS
Ao falarmos sobre alimentação, vestuário e habitação procurámos sempre que possível, fazer referência às técnicas usadas nesses diversos campos da economia, aflorando mesmo algumas especializações, como a tecelagem e a olaria. Não podemos ter a veleidade de reconstituir com exactidão, em todas as suas facetas, ávida material dos Congueses nos tempos anteriores ao estabelecimento do contacto, nem mesmo é esse o nosso intento. O que pretendemos é dar uma ideia geral, em leves pinceladas, do seu modo de vida, para podermos tirar ilações que ajudem a caracterizar a sua cultura nessa época.
Vamos por isso fazer agora breve alusão a outras técnicas socorrendo-nos das informações de Cavazzi.
Os Congueses conheciam a metalurgia do ferro e do cobre, mas dedicavam-se sobretudo à do ferro. Sobre a extracção deste metal, diz Cavazzi: “ Ricavano il ferro in forma semplicissima;
all’epoca delle piogge, reccolta certa terra treansporta dalle acque e postavi su del carbone, tanto vi soffiano che la scoria se ne separi a resti bem purgato il ferro”.
A extracção do ferro devia ser indústria muito disseminada, pois encontram-se no Congo, a cada passo, grandes quantidades de escórias, restos de antigas fundições. Muitas vezes as
empregámos, na Damba, na consolidação do pavimento das estradas. No final do século XIX era ainda actividade corrente, como refere o grande missionário D. António Barroso numa comunicação
apresentada na Sociedade de Geografia de Lisboa. Hoje está completamente morta esta indústria, e os ferreiros, já em pequeno número, limitam-se a fabricar algumas enxadas, machados e facas,
utilizando, como matéria-prima, arcos de pipas ou de embalagens de fardo de todo o ferro velho que conseguem obter.
Como, nas suas linhas gerais, corresponde à descrição de Cavazzi, vamos transcrever o que D. António Barroso diz sobre a extracção e o trabalho do ferro:
“ O ferro é abundante em todo o Congo; encontrei-o em grandes aflorações à superfície, no Zombo, onde abundam ferreiros. “
“ Nas grandes feiras daquella região vende-se um bloco de muitos kilogramas de peso, por baixo preço. “Em seguida o artista leva-o ao fogo a fim de o desagregar das partículas
terrosas e estranhas, obtendo por este processo grande número de pequenos grânulos de ferro, que colloca sobre uma lamina do mesmo metal, activando o calórico por meio de uma engenhosa ventoinha.
Logo que obteve temperatura conveniente collaca-o todo sobre uma pedra e bate-o para lhe dar a primeira forma.
“ A bigorna é um massiço calhau, o martello é substituído por um pedaço de ferro, que se assimilha à mão de um gral,, uma tosca tenaz segura o minério incandescente. Par obter um
assoprador, ou instrumento para activar a combustão, corta-se um tronco de pau pouco rijo com comprimento de 1 metro. A parte posterior conserva o diâmetro, a dianteira é adelgaçada; dois furos
parallelos com o diâmetro de 500 reis dão praticados em todo o comprimento, sem que se comuniquem.
“ Na parte posterior do tronco abrem-se duas largas cavidades, que comunicam respectivamente com os dois furos longitudinais. Duas pelles de raposa ou chacal são adpatadas às largas
cavidades e terminam em forma de barrete phrigio, fazendo pequenos saccos. Uma peça de argilla cozida, é collocada em frente dos dois orifícios que expellem o vento, já para o reunirem, já para
obstar a que a peça de madeira se queime nos carvões incandescentes. Um muleque, sentado e cantando ordinariamente, pega com duas mãos nos saccos de pelle, e imprimindo-lhes um movimento vertical
alternado, obtem que fogo seja constantemente excitado ora com um, ora com outro orifício”.
É espantoso como levam ao rubro uma lamina de ferro em poucos minutos. Os ferreiros do Congo desconhecem os processos para a preparação do aço bem como para dar a têmpora. Os instrumentos
são cortantes unicamente por serem muito adelgaçados de um lado e constantemente afiados em pedras que gastam o ferro. Há ainda poucos anos que os ferreiros indígenas fabricavam todas as enxadas
“ensengo” e não tinham por assim dizer mãos a medir. Cada uma regulava em preço 450 a500 reis. Hoje o comércio europeu introduz um tal número destes instrumentos por um preço inferior a metade,
que pode dizer-se que este ramo de indústria está morto pela concorrência”.
Esta última afirmação do antigo e sempre lembrado missionário do Congo e bispo do Porto é verdadeira quanto à extracção do metal, mas não inteiramente quanto ao fabrico de ferramentas. É
que a profissão de ferreiro, além do seu carácter utilitário, tem facetas de fundo mágico, ligadas a diversas cerimónias da vida social, como a da fundação de novas aldeias, que fazem perdurar
mesmo nestes tempos em que a indústria europeia introduz nos mercados do interior todas as ferramentas e utensílios de ferro a baixo preço. Já Cavazzi notou a importância desta profissão quando
diz que “ l’arte del fabbro godé senza dubbio il primato…”
Em colaboração com João Garcia e Artur Méndes.