Batalha da Damba - Testemunhas 4.
Por Helder Ponte.
Mais ou menos duas semanas mais tarde regressámos à Damba, e talvez um mês mais tarde no dia 15 de Março de 1961 tiveram lugar os assaltos da UPA (União dos Povos de Angola) à povoação doQuitexe, a outras povoações, e a muitas fazendas de café no Distrito do Uíge, em que um número elevado de brancos e trabalhadores (contratados) do Bailundo (Huambo e Bié) foram mortos pelos revoltosos. Soubemos acerca desses acontecimento ao princípio da tarde dia desse mesmo dia, e com o meu Pai ainda em Luanda, lembro-me bem que a minha Mãe resolutamente decidiu em menos de uma hora e contra a opinião de todos os presentes, desfazer tudo o que tinha em casa, carregar algumas mobílias em duas camionetes, e partir nessa mesma noite nas mesmas com destino à Vila do Bungo.
Durante a viagem, já depois da povoação de 31 de Janeiro, um grupo de guerrilheiros ("terroristas" para uns, "heróis" para outros) de catana na mão
bloquearam a estrada e tentaram parar os camiões em que seguíamos. O condutor do camião em que eu ia (a minha Mãe, e a minha irmã Dilar, e a minha irmã Paula de dois meses, iam no outro camião
atrás do nosso) disse-me para me abaixar e abrigar, e decidiu não parar, pôs o pé no acelerador ao fundo e em velocidade crescente passou pelo grupo que acenavam suas catanas ao verem-nos passar.
Foi tudo muito rápido, e no escuro, que salvo a luz dos faróis do camião, pouco mais se podia ver senão alguns vultos; mas lembro-me bem o terror que senti nesse momento.
Talvez uma hora e meia mais tarde chegámos à Vila do Bungo onde não nos deixaram prosseguir a viagem. Passámos o resto da noite na
igreja da vila com o resto das mulheres e crianças num ambiente caótico e de angústia, guardados pelos homens da vila, armados e fazendo vigia à volta da
igreja, onde se tinham reunido todos. De manhã, já a 16 de Março, e contra o conselho de todos, a minha Mãe insistiu em prosseguir a viagem para a Vila do Negage, onde nos
tinha sido dito que uma ponte aérea estava a evacuar mulheres e crianças para Luanda.
Chegámos ao Negage ao meio-dia, sob uma chuva torrencial, de onde fomos dirigidos para a Base Aérea No.9 que ainda estava em construção nessa altura. Sob a chuva torrencial o barro vermelho não
nos deixava sequer andar, contudo, com alguma dificuldade chegámos finalmente à Base Aérea do Negage, onde fomos encontrar centenas de mulheres e crianças refugiadas como nós à
espera da sua vez para serem evacuados para Luanda. Horas mais tarde, nesse mesmo dia, fomos evacuados num avião NordAtlas ("Barriga de Ginguba" da Força Aérea Portuguesa) para Luanda, onde já chegámos à noitinha e o meu Pai nos esperava.